07/06/2006 - 10:00
O sonho da atriz Cláudia Raia é atuar num filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar. “Se um dia ele me convidar, ainda que seja para fazer uma pontinha, cairei dura no chão”, diz ela. Enquanto o convite não vem, Cláudia se prepara para voltar aos musicais estrelando Sweet charity, de Bob Fosse, espetáculo inspirado no filme Noites de Cabíria, de Federico Fellini (estréia em setembro). Longe da política após a superexposição de sua imagem na era Collor, a atriz vive aos 39 anos um dos melhores momentos de sua carreira: interpreta a grega Safira, decoradora de nariz empinado (na vida real Cláudia passou pelo bisturi), e garante a porção cômica da novela da Globo Belíssima. Com figurinos decotados e cabelão escovado, a Safira faz o estilo que define como “Sophia Loren do subúrbio”. Do atual cenário político à novela, passando por relacionamento amoroso até seu dia-a-dia, tudo isso Cláudia Raia fala nesta entrevista:
Não gosto de falar em quem votei nem em quem votarei. Prefiro manter a minha individualidade.
Eu já me expus muito na época do Fernando Collor e não quero me
meter mais em política.
Eu acreditei no Collor, até criei um vínculo de amizade com ele, mas
sofri demais com aquele escândalo todo.
Faz muito tempo que não nos vemos.
Estou atenta como cidadã, mas decidi não usar mais a minha mídia
para falar de política. O Brasil vive uma crise séria. Não deve ser fácil governar
um país cheio de vícios. O Lula se esforça muito, mas ele não é o salvador da
pátria e nenhum presidente vai ser.
Quer saber? Acho que nem ele decidiu quem será ou quem serão os culpados. Às vezes ele tem uma idéia na cabeça, mas muda quando as pessoas começam a desconfiar. Todo mundo é suspeito, até o Mustaphá, o gato do Murat (Lima Duarte).
Todo autor tem suas musas. O Gilberto Braga escreve pensando na Malu Mader. O meu caso com o Sílvio foi de amor à primeira vista, depois se tornou um amor de pai e filha. Ele escreve pensando em mim porque sabe o tipo de humor que sei fazer. Eu conheço o ritmo dele porque temos uma relação de mais de 20 anos.
Tenho muitos sonhos. No dia em que eu parar de sonhar caio morta. Sou apaixonada pelo Almodóvar, acho que sou a cara dele. Se ele me chamar, ainda que seja para fazer uma pontinha num filme, acho que tenho um infarto. O Almodóvar é sofisticado, o humor dele é espetacular e nunca perde as origens, por mais que sua obra rode o mundo.
Que nada, faço aula de dança até hoje. Vou começar a ensaiar um espetáculo musical novo, o Sweet charity, de Bob Fosse.
Minha mãe era bailarina, mas sofreu uma lesão no joelho e não pôde mais dançar. Então ela criou uma academia e eu vivia lá. O palco era o colinho da mamãe. Aos 13 anos ganhei uma bolsa de estudos e fui dançar nos EUA. Depois morei na Argentina e lá tive contato com canto e interpretação.
Fiz uma revista musical, fui vedete em Buenos Aires e primeira bailarina do Teatro Colón. Voltei para o Brasil por causa de um teste para o musical A chorus line. Foi a primeira vez que atuei de verdade. Minha mãe sempre foi a maior incentivadora, perdi meu pai muito cedo. Tive uma família de mulheres: eu, minha mãe, Odete, e a minha irmã mais velha, a Olenka.
Não gosto dessa impressão que as pessoas têm de que sou uma fortaleza, de que nada me atinge. Eu sou apenas uma mulher de personalidade.
Sou grandona, espalhafatosa, mas tenho minhas fragilidades e necessidades femininas. Trabalho minha cabeça, faço análise há cinco anos e fico muito atenta aos movimentos da vida.
Minha analista é ótima, ela faz um misto de técnicas freudianas e lacanianas. A análise me ajudou a organizar minha história, pois meu passado não posso mudar. Minha vida está sendo escrita com suas qualidades e seus defeitos, com coisas que me fizeram bem e coisas que me fizeram mal. Hoje eu sei lidar com a minha história sem sofrer, sem me arrepender de nada.
Quem acredita só no sucesso
está destruído. O sucesso é efêmero e
traiçoeiro. Ele acontece hoje, mas amanhã
pode acabar. Meu foco nunca foi o sucesso
e isso foi a minha salvação até agora. Eu acredito numa coisa chamada trabalho duro.
Eu me achava uma louca em busca da perfeição, mas percebi que
estava no caminho certo. Talvez eu seja menos talentosa que as outras pessoas, não consigo realizar o meu trabalho sem ensaiar muito. Creio menos no talento, mais no trabalho.
A sensualidade da Safira é bem diferente da minha. Ela é uma mulher que não cabe em si, não se agüenta. É aquela mulher que suspira e diz: “Ah, esse fogo nas minhas entranhas…” Minha impressão é que a Safira está sempre com água até o queixo, quase se afogando. Aquele figurino apertado, com a lingerie à mostra, me ajuda a passar a idéia de que ela está transbordando. Eu sou diferente: achei o meu tamanho e já caibo em mim há algum tempo.
Eu era uma atriz adolescente nos anos 80, que foi a década do over,
do exagero. Sempre fui uma mulher muito alta, superlativa. Não conseguia
entender as minhas formas. Eu tinha a boca grande, nariz grande, muita perna,
muito cabelo. Hoje as pessoas vêm me dizer que fiquei requintada, mas não é
isso. É que eu virei mulher.
Claro. Mas a única plástica que eu fiz foi no nariz há 12 anos, porque a ginástica não ia resolver o meu nariz. Ele me incomodava terrivelmente porque abrutalhava minha feição. Quando a mulherada estava toda doida colocando silicone no peito, eu não coloquei. Acho um absurdo esse abuso com cirurgia plástica, essas mulheres que não querem malhar e entram na faca para tirar pneuzinho.
Não sou xiita com alimentação, não sou macrô e como de tudo.
Quando eu estava fazendo o musical Não fuja da raia, em 1993, uma seguradora que patrocinou o espetáculo me deu esse seguro. Eu também era
a garota-propaganda de uma marca famosa de meias e então juntaram as
duas histórias. Mas isso foi só naquela época. Hoje as minhas pernas não
estão valendo nada.
O Enzo e a Sofia entendem que a Safira é uma personagem, não sou
eu quem está ali. Tomo certos cuidados também. Quando sei que vai passar
uma cena mais quente com o Pascoal (Reynaldo Gianecchini), não deixo eles assistirem. E é a mesma coisa quando o Edson (Edson Celulari, seu marido) faz uma cena de amor. Pode ser complicado na cabeça de uma criança ver os pais beijando outras pessoas.
Às vezes o Enzo pergunta: “Mamãe, hoje eu posso ver a novela?” Como a Sofia é muito pequena, eu a levo ao Projac para me ver gravar cenas mais leves, para ela entender o que é o meu trabalho. É uma delícia quando ela diz: “Mamãe é atiz.”
Nós somos atores e adultos bem resolvidos. A gente está ali trabalhando e não para se engraçar com alguém. Fazemos a cena e vamos para casa. Nosso casamento é ótimo.
Por um acaso eu comecei a namorar o Edson numa novela, mas eu nunca tinha engatado namoro durante trabalho. Nós nos apaixonamos, mas pode acontecer de você passar na rua e cair de amores por alguém. A gente lida bem com isso.
Não há rotina. Nossa vida é completamente desregrada e o destino final do nosso dia não nos pertence, pertence à Rede Globo e aos filhos. A gente enlouquece tentando cavar buracos para estar com o Enzo e a Sofia. Somos pais superpresentes, vamos às reuniões da escola, acompanhamos ao dentista. Quando eu não posso, o Edson vai. A gente já tem planos para um terceiro filho.
É. Gosto de gente, gosto de dar autógrafo. Eu não escolhi ser
caixa de banco, escolhi ser atriz. Então, tenho de dar satisfação para os fãs
e para a imprensa.