A série Jornada nas estrelas está completando 40 anos. Para comemorar a data, a Christie’s de Nova York, uma das principais casas de leilão do mundo, abrirá suas portas para a venda de mil lotes de objetos utilizados nas filmagens – 726 episódios para a tevê e dez longas-metragens. Os preços no leilão também estarão nas estrelas. Um dos menores lances será de US$ 500 e com isso dá para arrematar uma garrafa de Château-Picard, o vinho consumido pelo comandante Jean-Luc em Nemesis. A maior oferta inicial, é claro, está destinada à nave Enterprise – US$ 25 mil. Mas a diretora da Christie’s, Cathy Elkies, já avisou: o martelo do leilão não será batido na Enterprise por menos de US$ 140 mil. Detalhe: ela é feita de plástico, não voa (no filme é um truque) e seu diâmetro é de aproximadamente um metro. Nem sequer anda. Dá para guardar no porta-malas de um carro Gol.

Não é de hoje que as casas de leilão dos EUA tentam convencer os estúdios de Hollywood a vender peças e cenários de séries de ficção científica que se consagram ao longo do tempo. Quando isso acontece, o lucro é certo. No ano passado, por exemplo, colecionadores estrangeiros disputaram a espada a laser manejada por Mark Hamill no papel de Luke Skywalker em Guerra nas estrelas, filme de George Lucas de 1977. A briga começou com um lance de US$ 60 mil e quem arrematou a preciosidade desembolsou US$ 200 mil. O sabre de luz vermelha empunhado pelo vilão Dark Vader no segundo filme dessa série também surpreendeu: o primeiro lance foi de US$ 70 mil e o martelo bateu em US$ 118 mil.

Agora é a vez de Jornada nas estrelas e, assim como os fãs de ficção científica, também a Christie’s não vê a hora de abrir o evento, que será realizado no início de outubro. Os especialistas desse mercado garantem que as vendas somarão mais de US$ 3 milhões. O dinheiro será dividido entre os leiloeiros, os estúdios de cinema da CBS Paramount e a família de Gene Roddenberry (1921-1991), o criador da série. Detalhe: ao final de cada filmagem, ele costumava levar algumas peças para casa e assim montou a sua coleção particular – sem gastar um dólar sequer. Entre as peças destacam-se naves das mais diversas formas, tamanhos e cores, muitos adereços, armas, roupas espaciais, a flauta do comandante Jean-Luc Picard, uniformes e insígnias da tripulação da Enterprise. O item mais prosaico do leilão endureceu com o tempo: é o que sobrou da maquiagem que prolongava as orelhas do personagem Doutor Spock.

Os leilões de artefatos cinematográficos movimentam
um mercado milionário formado basicamente por aficionados em ficção científica – e aí se incluem
aqueles que “devoram” esse tipo de ficção também através da literatura, e não somente nas telas. Há motivo para isso: os livros que servem de base para os filmes não são, geralmente, frutos da pura imaginação. “Pouquíssima coisa é inventada”, diz o astrofísico Gerson Lodi-Ribeiro, autor de ficção e roteirista do game Taikodom. “Na hora de escrever, peço ajuda aos grandes laboratórios de pesquisa”, diz ele. O seu interesse pela ficção começou em 1966, justamente quando assistiu ao primeiro episódio de Jornada nas estrelas. “Eu via escondido dos meus pais, que achavam tudo aquilo um espetáculo de faz-de-conta”, diz o astrofísico.

Na verdade, o que alguns imaginavam um faz-de-conta tinha base real. No final da década de 50, o próprio Roddenberry (aquele que guardava por conta própria suvenir de filmagem) soube que um centro de estudos trabalhava no projeto de uma nave que daria voltas em torno da Terra. Não demorou para que ele idealizasse a tal cápsula em um dos capítulos de Jornada nas estrelas. Só ficção? Não. No dia 12 de abril de 1961 o astronauta russo Yuri Gagarin deu uma volta no globo em 108 minutos, na cápsula Vostok. Mais: no Jornada nas estrelas que vai agora a leilão, Roddenberry imaginou que a Enterprise tivesse um computador de bordo que controlasse a navegação. Pois bem: isso foi implantado nas naves da Nasa no final da década de 80. Mais ainda: as armas energéticas, como a Phaser do seriado, existem no mercado para imobilizar as pessoas. Fica claro então que não é à toa que a corrida por esses objetos na Christie’s será tão grande e o dinheiro movimentado, tão alto. Tudo que compõe Jornada nas estrelas é bem mais do que simplesmente peças de museu.

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