Batizada naturalmente pela tragédia, marcada socialmente pela pobreza e lembrada internacionalmente pelas catástrofes, a Indonésia, maior arquipélago do mundo com cerca de cinco mil ilhas, está de novo sendo fustigada por um terremoto que atingiu altos 6,2 graus na escala Richter, matou até o momento cerca de sete mil pessoas e já deixou pelo menos 230 mil desabrigados. Tragicamente, a Indonésia está espremida entre duas das grandes placas tectônicas do planeta, a Indo-australiana e a Eurasiana. Da mesma forma, situa-se no cinturão de vulcões que circunda o Oceano Pacífico, e o nome que os cientistas deram a esse cinturão já diz tudo sobre o destino de quem é o seu centro – ele se chama Anel de Fogo. É assim, quando os últimos índices econômicos da ONU estampam a Indonésia entre as regiões mais carentes do planeta, quando os últimos dados da Organização Mundial da Saúde a colocam no topo da proliferação da Aids e da gripe aviária, quando mal deu tempo de respirar após o tsnunami que matou 230 mil pessoas há um ano e meio, é assim que a Ilha de Java, a maior da Indonésia, é novamente varrida por um terremoto agora, a mesma ilha prepara-se para a erupção de seu vulcão.

A atual tragédia teve início na sexta-feira 26. Lá, eram pouco mais de cinco horas da manhã (quase dez da noite do sábado no Brasil) e a maioria da população de Java ainda dormia. A ilha é grande, mas quis a natureza que o epicentro do furacão se desse nas proximidades da cidade histórica de Yogyakarta, uma região densamente povoada e chamada Java Central. No caos que se seguiu ao início do terremoto, era inevitável que surgisse o fantasma de um novo tsunami, mesmo porque os seus habitantes têm pouca vivência em projetar o futuro fora das catástrofes. Pois bem: veio o medo de um novo, quem sabe até pior, tsunami, e assim milhares de habitantes de Yogyakarta, localizada a apenas 30 quilômetros do mar, passaram a disputar desesperadamente um pedaço de chão firme e um abrigo nos lugares mais altos. O epicentro ocorreu nas proximidades do vulcão Monte Merapi, que há semanas começara a lançar gás e cinzas. E toda a atividade vulcânica aumentou consideravelmente depois do terremoto, com o Merapi lançando pedras incandescentes a quilômetros de distância. Técnicos do governo indonésio afirmaram que os dois fenômenos naturais não têm relação direta, mas vulcanólogos não descartaram a possibilidade de uma conexão entre o abalo sísmico e o aumento de atividade do Merapi.

Na cidade de Bantul morreram quase três mil pessoas e 90% das casas foram destruídas e muitas famílias estão desabrigadas. Depois dessa região, Yogyakarta foi a cidade mais afetada. Com cerca de três milhões de habitantes, ela é a única província da Indonésia que ainda é governada por um sultão, Ngayogyakarta Hadiningrat, como nos tempos coloniais. O seu palácio, construído entre 1756 e 1757, é uma das grandes jóias da arquitetura javanesa.

Pode-se dizer que não são apenas os terremotos em si, mas também a falta de estrutura para enfrentá-los que causa tanta destruição e tantas mortes. Na Indonésia há muita pobreza e muita desigualdade social. Some-se a isso uma técnica pobre de construção civil. Na castigada Yogyakarta, por exemplo, a argamassa usada para erguer a maior parte das construções tem areia e mais areia (abundante na ilha), mas é escassa em cimento. Não é por outra razão que no subúrbio de Mandig Trirenggo, onde a densidade populacional é de mais de mil habitantes por quilômetro quadrado (seis vezes a do Estado de São Paulo), 80% das construções ruíram logo depois do tremor. “Uma catástrofe natural de intensidade idêntica causa menos vítimas em um país rico que em um país pobre”, diz Ignacio Ramonet, diretor do jornal Le Monde Diplomatique. Os números falam por si só: o terremoto em Bam, no Irã, ocorrido em dezembro de 2003 com 6,8 na escala Richter, fez mais de 30 mil vítimas. Três meses antes, um terremoto mais violento de 8 graus, na ilha japonesa de Hokkaido, não deixou mais que alguns feridos.


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