Dois meses de namoro culminaram em oito meses de perseguição. Nem a troca de celular e de emprego fez Fátima (nome fictício), 25 anos, se sentir segura. O ex-namorado insistia em uma reaproximação e a ameaçava. Invadiu seu correio eletrônico e, como se fosse ela, escrevia calúnias para os seus amigos. Também sob a identidade da amada, passou a freqüentar salas de bate-papo na internet com a obsessiva intenção de fornecer seu telefone. “Estranhos me ligavam às duas da madrugada dizendo que haviam acabado de teclar comigo”, lembra ela. A situação só melhorou quando a jovem procurou a polícia e o ex-namorado foi intimado a depor. Dois anos depois, o processo continua em andamento e mantém a moça presente às sessões de psicoterapia. A prática de perseguir alguém com intenção sexual ou simplesmente para tornar sua vida um inferno é chamada stalking. Durante encontro da Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Penal da ONU, realizado dias atrás em Viena (Áustria), juristas do mundo todo debateram o assunto e admitiram a pouca eficácia das estratégias atuais de combate a esse tipo de infração – que, nos Estados Unidos, envolve 1,4 milhão de pessoas. No Brasil, as autoridades atestam que o problema ocorre com freqüência, mas ainda não há estatísticas sobre o assunto.

Segundo o Stalking Resource Center, instituto de pesquisas mantido pelo Centro Nacional para Vítimas de Crime, com sede em Washington D.C., 78% das vítimas são mulheres, metade delas com idades entre 18 e 29 anos. Normalmente, a temporada de caça dura em média um ano e dez meses e, embora nem sempre a identidade do agressor seja conhecida, 62% deles são ex-maridos ou ex-namorados de suas presas. “O stalker persegue sua vítima dia e noite, não apenas pessoalmente, mas também por telefone e e-mail. Para mim, é um delito mais grave do que o assédio sexual”, compara o advogado criminalista Damásio de Jesus, presidente da faculdade de direito que leva seu nome e um dos responsáveis por inaugurar o debate sobre o tema no Brasil. “Mesmo assim, o stalking não é considerado crime no País, apenas contravenção penal, punida com até dois meses de prisão ou multa”, explica o jurista.

A maioria das vítimas não procura a polícia por desconhecimento da lei ou por temer eventuais retaliações. Isso contribui para dar aos stalkers a certeza da impunidade. Bruna (nome fictício), 22 anos, ficou indignada quando um advogado lhe disse que a perseguição sofrida por ela não configurava crime no Brasil e que pouco poderia fazer enquanto não houvesse agressão física. “É absurdo saber que só se tomará alguma providência quando o pior acontecer”, revolta-se ela. O inferno de Bruna começou quando um colega com quem ela nunca havia conversado tentou beijá-la em uma festa. Diante de sua recusa, ele passou a segui-la na faculdade e a mandar e-mails exigindo um encontro. A jovem mudou sua rotina, passou a usar medicação para dormir e só ficou livre da caçada quando um grupo de amigos dela foi conversar com o stalker. Mas o medo permanece.


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