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O dia 4 de julho de 2012 foi um clássico sábado com sol de inverno em São Paulo. Em dias assim, o céu limpo e a temperatura agradável abrem um leque bem vasto de opções para quem quer aproveitar a cidade. Muita gente pode imaginar que ver antropólogos, filósofos, jornalistas, fotógrafos, médicos e outros intelectuais debatendo questões específicas femininas possa não ser exatamente o mais atraente chamariz diante de centenas de opções como cinemas, parques, museus, bares e restaurantes.

Felizmente, elas se surpreenderiam muito ao ver a fila de mais de 750 pessoas que ordenadamente se dirigiam para o evento batizado de Casa TPM, promovido pela revista homônima que fazemos desde 2001 e que ocupou um casarão clássico no bairro do Pacaembu justamente para refletir sobre a condição da mulher num mundo que atravessa uma das mais incríveis fases de transição de todos os tempos.

Debates, intervenções, fotografias, falas de dez minutos, entrevistas, shows de música… variavam as formas, mas o conteúdo manteve-se num nível que não se vê muito disponível por aí.

Difícil escolher um destaque entre nomes que iam de Paula Lavigne a Miriam Goldenberg, de Gaby Amarantos a Bob Wolfenson e Cristiana Lobo. Mas a filósofa Viviane Mosé certamente deve figurar em qualquer lista que se proponha a elencar os pensamentos mais relevantes expostos ali.

Vejamos o que a jornalista Nina Lemos, que também participou do encontro, escreveu algum tempo atrás sobre ela na mesma “TPM”: “A biografia de Viviane impressiona. Entre seus ‘mestres’ estão pessoas tão díspares como o psicanalista Chaim Katz e o sambista Martinho da Vila. Cada um ao seu modo, eles adotaram essa moça que chegou ao Rio há duas décadas, para fazer doutorado em filosofia e fugir do assédio. Explica-se: Viviane era uma espécie de celebridade em Vitória. ‘Saí de casa aos 18 anos, virei formadora de opinião aos 20! Tinha consultório cheio, participava de saraus, era atriz. Mas não aguentava mais ser badalada’, conta. O anonimato durou pouco no Rio de Janeiro. Ela viveu solteira e feliz até os 38 anos, quando casou com o diretor de audiovisual Daniel Duarte. Era dele a direção do quadro ‘Ser ou não ser’, que ela apresentava no ‘Fantástico’, e hoje são sócios na empresa que abriu para dar conta de seus compromissos. ‘Ele é meu braço direito. Ser casada e trabalhar junto é um desafio. Mas tem dado certo.’

Viviane, que foi mãe aos 40 anos, adora a vida de casada, mas não a mitifica. ‘Um dos maiores desafios é encontrar espaço para a sua própria solidão.’ E acha, inclusive, que é esse um dos males do mundo moderno. ‘As pessoas não conseguem ficar sozinhas.’

E vai além, quando critica o modus operandi das mulheres. ‘São as grandes tiranas de hoje. Elas conquistaram muito poder e usam isso de maneira tirana. Resultado: são arrogantes, acham que estão sozinhas porque são poderosas demais.’ E os homens? ‘Eles estão solitários nas mãos dessas tiranas.’”

Para mergulhar um pouco mais no ideário da filósofa, seguem algumas frases pinçadas do “speech” de Mosé que calaram fundo na plateia: “Minha mãe me criou para ser livre. Mas essa libertade sempre foi opressora para mim. Eu vivo a liberdade de entender que essa palavra liberdade é vazia. O ser humano é feito de barreiras. A fidelidade é um acordo que não é social ou religioso.”

“Não é a mulher que não pensa. O ser humano não pensa. Discutir homem e mulher ainda é segmentar o discurso. O que me interessa é a humanidade.”

“No século XIX ninguém queria estudar no Brasil. Mas na década de 50 tínhamos uma escola pública com aulas de línguas, filosofia e música. Com a industrialização, a escola ganhou a forma de uma fábrica: a vida fragmentada como em uma linha de montagem.”

“A escola brasileira tem currículo chamado de grade e matéria chamada de disciplina. A escola brasileira reproduz passividade, decorando dados que estão em qualquer celular.”

“Tem poder quem agrega. Tem poder quem produz conteúdo. Isso vem colocando em questão até os poderes econômicos. O mundo quer que o Brasil lidere, mas nós não temos liderança para isso. A diferença só é possível no mundo com uma sociedade que elabora, que sente e que digere. O Brasil é o país da diferença, apesar de nossa educação castradora.”

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente