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CONCENTRAÇÃO
A técnica Rosicléia e a judoca Sarah momentos antes da
luta que garantiria o ouro inédito para a modalidade

Na terça-feira 31, às 14h30 de Londres, a piauiense Sara Menezes, primeira brasileira a ser campeã olímpica no judô, está sentada à mesa do restaurante do Hotel Ramada, que fica perto da arena Excel, palco das competições de luta dos Jogos Olímpicos. Enquanto uma mosca insiste em rodear o seu prato – contra filé com legumes cozidos –, o judoca paulista Felipe Kitadai, medalhista de bronze na Olimpíada, que descansa esparramado numa cadeira ao lado, consulta o smarthphone febrilmente. Ambos já passaram pela provação das lutas e estão ansiosos para saber se Leandro Guilheiro, até então maior nome da seleção brasileira de judô, ganhou sua batalha. “Cacete, o Leandro perdeu”, grita Kitadai, depois de consultar a internet. “A casa caiu”, emenda Sarah. Àquela altura, eles achavam que o ouro de Guilheiro era líquido e certo e passaram, quase imediatamente, a entender o tamanho de seus feitos em Londres. Sarah entrou para um grupo de campeões que só tem gente como Aurélio Miguel (ouro em 1988) e Rogério Sampaio (ouro em 1992). Kitadai está numa categoria, a de peso-ligeiro, que jamais trouxe resultados internacionais para o Brasil e não fazia parte da lista de favoritos a medalhas – nem sequer a Confederação de Judô julgava possível sua façanha. “Parece inacreditável que eu ganhei medalha e o Leandro não”, diz Kitadai. “Só me toquei do que fiz quando o Aurélio veio me dizer que agora eu era igual a ele”, afirma Sarah.

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CONSAGRAÇÃO
Sarah e Rosicléia comemoram a vitória da piauiense
de 22 anos: protagonistas da virada feminina no judô 

O judô brasileiro obteve em Londres o melhor resultado de sua história. Depois de um começo espetacular, com duas medalhas no primeiro dia de competições, as eliminações de Leandro Guilheiro e Tiago Camilo, judocas mais respeitados do Brasil, despertaram injustas dúvidas a respeito da força do esporte no País. Com as medalhas de bronze da gaúcha Mayra Aguiar, na quinta-feira 2, e do peso-pesado Rafael Silva na sexta-feira 3, os questionamentos se dissiparam. O Brasil é, sim, uma potência do judô mundial. Melhor ainda: em Londres, em vez de nomes que brilharam em Olimpíadas passadas, os resultados vieram de integrantes da nova geração: Sarah tem 22 anos. Kitadai, 23, Mayra, 21, e Rafael, 25. “Depois do primeiro dia de competições, criou-se uma expectativa tão alta que tudo o que veio depois parecia ruim”, diz Ney Wilson Silva, coordenador-técnico da delegação brasileira. “A juventude dos medalhistas cria enormes perspectivas para a Rio-2016.” O otimismo é compartilhado por Aurélio Miguel. “Fazia 20 anos que o Brasil não ganhava um ouro”, diz o ex-campeão. “Nossa participação foi espetacular.”

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DESCONTRAÇÃO
Na terça-feira 31, após a vitória do sábado 28, Sarah Menezes
e Felipe Kitadai almoçam no hotel e passeiam pelas docas

As mulheres são as responsáveis pelo melhor momento do judô brasileiro. Nem sempre foi assim. Até 2005, as judocas do País eram tratadas como as primas pobres do esporte. Nem sequer havia treinamento específico para elas, que tinham que se adaptar ao programa dos homens. Tudo mudou com a chegada da treinadora Rosicléia Campos, que assumiu a seleção feminina naquele ano. Em 2007, ela exigiu que as mulheres fossem se preparar para o Pan do Rio em Cuba, muito longe dos marmanjos, que rumaram para a Europa. Àquela altura, parecia loucura fazer um programa de treinos separado, mas os resultados começaram a aparecer. No Rio-2007, a seleção feminina alcançou a sua melhor marca em Pan-Americanos, com sete pódios. Na Olimpíada de Pequim-2008, ganhou o bronze com Ketleyn Quadros e, no Mundial de Paris do ano passado, das cinco medalhas individuais, três foram conquistadas por mulheres. A evolução culminou nas duas medalhas olímpicas em Londres. “Eu sei do meu mérito nesse processo”, diz Rosicléia. “Encarei presidentes e até monitorei o site da Confederação para ver se não tinha mais notícias dos homens.”

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Esporte brasileiro com mais medalhas e único a subir ao pódio nas últimas oito Olimpíadas, o judô tem muitas lições a ensinar a outras modalidades. A começar pela preparação. Pela primeira vez na história, cada judoca chegou a uma edição olímpica com direito a um sparring. Também foram os únicos do País que puderam usufruir de um hotel, localizado em frente ao local das competições e disponível para os competidores que quisessem relaxar entre uma luta e outra. A comissão técnica contou com 18 profissionais e um intenso trabalho psicológico foi feito para evitar tremedeiras. “Não dá para reclamar de nada”, diz Guilheiro, que terminou a Olimpíada em sétimo lugar. “Eu perdi por minha própria culpa.”

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É BRONZE
Nova geração de judocas brasileiros, que tem tudo para brilhar no
Rio 2016: Mayra Aguiar, 21, Felipe Kitadai, 23 e Rafael Silva, 25

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Claro que não dá para atribuir apenas à estrutura a conquista de medalhas. Sarah Menezes é exemplo disso. Ela não faz o tipo espalhafatoso e parece que está o tempo todo escondendo o jogo. “Sabe aquele tipo de gente para quem você não dá nada, mas depois percebe que é especial?”, pergunta a técnica Rosicléia Campos. “Ela é assim, quietinha, mas uma guerreira.” Na terça-feira 31, a reportagem de ISTOÉ passou algumas horas ao lado de Sarah e Felipe Kitadai. “Cara, fiquei tanto tempo com a medalha que até quebrei ela”, disse o judoca, que recebeu outra após espatifar a sua no chuveiro. Sarah, não. “Coloquei a minha em cima de uma mesa e nem lembrei mais dela.” Será indiferença? “Não, é que eu sou fria mesmo”, diz. “Nunca fiquei nervosa antes de uma luta. Eu vou lá e faço o meu trabalho.” Com o título em Londres, é natural que aumente a pressão para uma medalha em 2016. “Pressão?”, pergunta a campeã. “Pode botar que eu não ligo. Sou nordestina.”

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