Parece que a crise não tem fim – nem o poço tem fundo. Há dois novos personagens vindo à tona na reta final da CPI dos Bingos. O primeiro é o deputado Arlindo Chinaglia, atual líder do governo na Câmara, um petista estrelado que até agora vinha passando incólume pela sucessão de escândalos. A CPI descobriu que Chinaglia tem ligações com o bingo. De acordo com extratos telefônicos em poder da comissão, o líder petista trocou pelos menos 151 ligações com o empresário Roberto Carlos Kurzweil, de Ribeirão Preto. Só para o celular do empresário, constam 84 telefonemas de Chinaglia. Kurzweil é o principal elo entre o bingo e o caixa 2 do PT. Segundo o relatório final da CPI, a ser apresentado nesta semana, Kurzweil, nascido em Angola, é sócio numa empresa de telecomunicações de dois outros angolanos, Artur José Caio e José Paulo Figueiredo – apontados como os chefes maiores da exploração dos jogos no Brasil. A dupla de angolanos é investigada por doar R$ 1 milhão à campanha do presidente Lula em 2002, dinheiro não contabilizado. E o que Chinaglia tem a explicar sobre essas conexões? “Essas informações estão sob segredo de Justiça”, desconversa o líder. “Não posso dar entrevista sobre isso.” Ele não negou a chuva de telefonemas e não se dispôs a explicá-los. Chinaglia comentou com um senador que o grande volume de ligações se deve a “aluguel de carros” do empresário. Mas de onde teria vindo esse R$ 1 milhão doado ao PT? 

É aí que entra o segundo personagem. Trata-se de Rui Manoel Mendes Francisco. Nascido em Portugal, mas com passaporte francês, ele é sócio de Caio e Figueiredo. Juntos, os quatro revezam seus nomes, e os de suas ex-mulheres, nos contratos sociais de 20 empresas no Brasil, todas de bingo, caça-níqueis e exportação de diamantes. O quarteto luso-angolano também está sendo investigado pela CPI por lavagem de dinheiro. Pois bem, a comissão pediu a quebra do sigilo fiscal do quarteto. As grandes surpresas estão nos dados fiscais de Rui Manoel. Rui declarou que em 2001 tinha R$ 5,5 milhões em “dinheiro disponível” no Brasil. Ou seja, dinheiro vivo. Um ano depois, declarou à Receita dispor de R$ 3,5 milhões em “dinheiro disponível”. Seu bolso emagreceu exatos R$ 2 milhões em dinheiro no ano da eleição presidencial. “São elos que começam a se encaixar”, diz o senador Garibaldi Alves, relator da CPI. “Meu cliente jamais deu dinheiro para campanhas políticas”, jura Paulo Morais, advogado de Rui Manoel. “Guardar R$ 6 milhões em casa não é ilegal. Se o dinheiro diminuiu, é porque ele comprou alguma coisa”, explica. Em 2.002, o empresário declara a venda de um barco de fibra de vidro, no valor de R$ 356 mil e um automóvel Suzuki de R$ 40 mil. Ele também incorpora ao seu patrimônio R$ 3 milhões de cotas do capital social de uma  empresa que tem em sociedade com a própria mulher.

Outra providência tomada pela CPI foi o pedido de quebra do sigilo telefônico de duas dúzias de números já identificados, que foram utilizados pelos quatro bingueiros nos últimos cinco anos. Até agora só chegaram os dados das ligações interurbanas enviadas pela Embratel. Há alguns novos elos – que por falta de tempo não foram investigados. Caio, por exemplo, vivia telefonando para a Câmara dos Deputados e para o Senado. E vice-versa. O único parlamentar até agora identificado é o deputado Ivan Ranzolin, do PFL de Santa Catarina. Há duas ligações para o bingueiro, uma da residência e outra do celular do deputado. Procurado por ISTOÉ, primeiro Ranzolin disse que não sabia quem é o bingueiro. “Sou contra o funcionamento de bingos”, antecipou-se. Depois telefonou para explicar: “Minha filha tem uma amiga que trabalha no escritório dele.”

O telefone usado por Rui Manoel, por sua sua vez, mostra contatos constantes com Porto Alegre nos anos de 2001 e 2002, quando lá corria uma CPI da Assembléia Legislativa para investigar as ligações do governo petista de Olívio Dutra com os bingos e o jogo do bicho. O jogo no Rio Grande do Sul era reduto do goiano Carlinhos Cachoeira – e o quarteto luso-angolano tentava ocupar o mercado local. Depois de 11 meses de trabalho, há tantas informações, elos e conexões que o relator, senador Garibaldi Alves, não sabe ainda onde vai terminar seu relatório.


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