Prólogo
Antes de apontar o indicador na direção do nariz deste escritor semianalfabeto e acusá-lo de monocórdico, de cronista de um tema só ou algo parecido, saiba que não sou eu que escolho os assuntos desta coluna. Eles se impõem. Calhou de o tema de hoje ser parecido com o de ontem. Até aí, nada demais. Agora, se o de amanhã for correlato, tá liberada a cobrança e a pentelhação. Porque aí já é preguiça da minha parte.
Isso posto, vamos ao texto de hoje.

Apesar das bem-vindas e necessárias medidas de segurança adotadas durante a Olimpíada, há uma combinação explosiva tomando conta das ruas de Londres. De um lado, há a infinidade de pubs e suas cervejas irresistíveis. De outro, a quase inexistência de banheiros nas estações do metrô. Quando esses dois elementos se misturam, uma catástrofe se avizinha.

Nesses nove dias em que estamos em Londres, já caímos nessa armadilha duas vezes. Depois de um dia inteiro de trabalho estafante e correndo de um lado para o outro, invariavelmente decidimos coroar a jornada com um pint (copão) de algum chope que, depois ficamos sabendo, se revela mais diurético do que qualquer chá quebra-pedra vendido no largo da Batata, zona oeste de São Paulo.

Como dificilmente encerramos o expediente antes das 22h, entramos em qualquer pub localizado perto da última arena que visitamos no dia. Em média, eles ficam a cerca de meia hora do nosso hotel, no centro da cidade. Se deixássemos para beber nas cercanias de onde estamos hospedados, encontraríamos todos os estabelecimentos fechados. Numa versão britânica da kassabiana lei do psiu, os pubs fecham religiosamente e profanamente às 23h.

Felizes e de bexiga cheia embarcamos no metrô. Já na segunda estação, alguém solta o primeiro alerta: “Pô, eu deveria ter ido ao banheiro do pub”. É a senha para que tenha início uma comovente sequência de frases que explicitam a dramaticidade da situação: “Cara, não sei se vou aguentar até lá”, “Quantas estações ainda faltam?”, “A gente não aprende mesmo. Bebe e depois fica nesse sofrimento”, “Pelo amor de Deus, não me faça rir”.

Para aliviar a tensão, mudamos de assunto, tentamos pensar em outras coisas. Com as pernas cruzadas firmemente, passamos a comentar os resultados do futebol, as surpresas do dia, o café da manhã do hotel ou a temperatura surpreendentemente baixa do verão londrino. Nada disso resolve. A cada solavanco do trem, nosso cérebro é tomado por inundações, cachoeiras, hidrantes e outras imagens que nos lembra o fato de abrigarmos uma represa cuja barragem está entregando os pontos.

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Nosso hotel fica perto da Victoria Station, uma central de trens e metrôs. Ali há um banheiro. Para utilizá-lo, é preciso depositar 30 centavos de libra para liberar uma catraca. Ontem já sabíamos disso e todos estavam com a quantidade exata de moedas nas mãos. Era descer do metrô, subir as escadarias, pagar, passar pela catraca e jurar que isso nunca mais vai acontecer de.

Parece simples, mas não é. Enfiar moedinhas em fendas quando se está apertado é mais difícil do que passar no concurso para fiscal da Receita. Vencida essa etapa, restam ainda três lances de escada, que descemos numa velocidade de dar inveja no Usain Bolt. Enfim, o alívio. Por vezes, celebrado com o assovio de “Hey Jude” ou “Carruagens de Fogo”, as músicas que não param de tocar desde que aqui chegamos.

Grave bem isso na memória: se estiver longe de casa, não beba em Londres. Não é por acaso que a cidade não precisa recorrer a instrumentos como a blitz da lei seca. Só os mais ingênuos bebem antes de encarar mais de meia hora dentro do metrô. Para nossa sorte, estamos perto de um terminal que abriga o seu banheirinho a 30 centavos. Agradecemos aos céus quando vemos seu nome estampado na janela do metrô. Numa justíssima homenagem a esse oásis invertido, mudamos o nome da estação. Para todos os outros, ela é a Victoria. Para nós, Mictória!
 


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