A escritora Ruth Rocha jamais tratou seus pequenos leitores como debilóides ou como caricaturas de adultos geniais. Em mais de três décadas de carreira, usou suas mãos de fada das letras para recriar o universo e as fantasias das crianças em seus livros de ficção. O talento raro para driblar clichês e encontrar sempre o ponto de equilíbrio fez a paulistana de 71 anos voar alto, muito alto, como algumas personagens de seus textos. Distribuídos em mais de 500 edições, seus 130 livros venderam 17,5 milhões de exemplares no Brasil e outros 2,5 milhões no Exterior, traduzidos para 25 línguas e dialetos, entre eles o urdu, da Índia, o macedônio e o galego. Apenas um deles, Marcelo, marmelo, martelo, ultrapassou a marca do 1,2 milhão de exemplares. Outros dois, Azul e lindo – o planeta Terra, nossa casa e uma adaptação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estão na lista dos mais vendidos da livraria virtual Amazon Books.

Agora, ao final da recente edição do Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura nacional, Ruth Rocha se viu consagrada em outro mundo. Os quatro volumes da excelente série Escrever e criar… uma nova proposta! (Quinteto Editorial, 98, 90, 106 e 170 págs., R$ 25,80 cada exemplar), escritos em parceria com Anna Flora para alunos da primeira à quarta série, ultrapassaram os limites da categoria de livros pedagógicos e foram escolhidos pelos jurados como Melhor livro de não-ficção do ano. “Já recebi muita homenagem, mas dessa vez fiquei realmente comovida”, confessa ela. “Eu e Anna sempre trabalhamos pela valorização da literatura infanto-juvenil. E aí chegou o dia em que nosso trabalho foi eleito ao lado de outra obra para crianças.” A outra obra é o infantil O fazedor do amanhecer, do poeta Manoel de Barros, escolhido o Melhor livro de ficção.

Fruto de 15 anos de pesquisas, a série ajuda a desenvolver a capacidade de escrever e organizar o raciocínio a partir da linguagem cotidiana. Além de ótimos acessórios nas salas de aula, podem ser eficientes para disciplinar as lições caseiras da molecada. A coleção ensina a falar, a ouvir, a debater e a ler alto e em silêncio. Há vários textos em prosa e em verso e, para completar, jogos e brincadeiras para serem realizados individualmente ou em grupo. No livro da primeira série, Ruth e Anna adaptaram a fábula do ratinho que é capturado por um leão, implora para não ser morto e é atendido. Dias depois, encontra o leão preso numa rede e rói a corda para soltá-lo. Sem dúvida, é uma fábula com um claro tratado sobre as relações entre força e fragilidade.

Para a criar a série premiada, Ruth e Anna basearam-se numa empreitada anterior da dupla, a coleção Escrever e criar… é só começar!, feita para alunos da quinta à oitava série e premiado com o Jabuti de melhor livro didático de 1997. É outro trabalho inspirado, com potencial para fazer com que professores e pais aprendam junto com as crianças. Na quarta aula do livro da quinta série, há uma verdadeira aula de jornalismo. “A notícia precisa ser bem explicada. Toda notícia de jornal tem quem, quando, como, onde e por que”, diz o texto. O da sétima série vem recheado de lições sobre escritores do quilate de Ignácio de Loyola Brandão, Paulo Leminski e Erico Verissimo, além de “frases para pensar”, como “a obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se não te agradar, pago-te com um piparote e adeus”, de Machado de Assis. Antes de passar por esta advertência, convém a quem for fazer o papel de professor ir ao dicionário para descobrir que piparote é o mesmo que o popular cascudo.

Ruth faz questão de ressaltar a importância do trabalho da amiga Anna Flora, também autora de livros infantis. “Além de muito engraçada, ela é uma das pessoas mais talentosas e competentes que conheci em toda a minha vida. E não estou falando apenas de autores. Esses livros jamais sairiam sem a participação dela.” Anna devolve os confetes. “A Ruth alia quantidade e qualidade como nenhum outro escritor brasileiro.” Socióloga e orientadora educacional, Ruth Rocha garante não saber todos os caminhos que levam ao bom desempenho escolar. Mas dá algumas dicas. Afirma, por exemplo, que criança que não aprende a se preocupar em falar bem dificilmente chega a algum lugar. “Essas moças e rapazes da tevê estão promovendo atentados contra o idioma de uma forma assustadora. Estou apavorada. Além disso, os pais estão menos rigorosos na tarefa de corrigir a dicção e os erros de concordância dos pequenos. Isso é muito triste”, desabafa. Outro ponto importante é o exemplo. “A brincadeira predileta de criança pequena é imitar adulto. Ela está sempre querendo ser adulta. Aí o sujeito não pega um livro dentro de casa e quer que o filho leia.” Ruth Rocha destaca ainda a disciplina, com obrigações e horários para realizá-las, e defende os textos e os métodos de ensino que façam os pequenos sentir que estudar é a saída.