Nunca soube o nome verdadeiro do Neguitanha, um amigo de infância. Mas me lembro bem de ele se autoproclamar o homem mais detestado do mundo. Era humorista e ganhava o suado pãozinho na chapa de todos os dias contando piadas no saudoso Teatro Santana, centro de São Paulo.

Para quem não conheceu o estabelecimento, informo que o teatro era uma casa de strip-tease a preços populares. Todas as noites, serventes de pedreiro, cobradores de ônibus, pizzaiolos, vendedores de bilhete de loteria e office-boys se aboletavam ali para ver ao vivo aquilo que o destino ou a falta de talento lhes privava.

Entre uma atração e outra, enquanto os figurinos cheio de brilho eram recolhidos do chão, Neguitanha desfilava o seu arsenal de piadas. Invariavelmente, era vaiado. Chegou a ser atingido por copos, latas e até pelas capangas (carteiras grandes que a classe C da época carregava sob as axilas). Os espectadores não se interessavam por esse tipo de gozação. E olha que as piadas do Neguitanha sempre me pareceram boas.

Uma de suas prediletas retratava mãe e filho passeando de táxi pela rua Aurora, epicentro da Boca do Lixo. Ao ver aquelas moças vestidas com pouco decoro, o garoto pergunta: “Mãe, o que essas mulheres estão fazendo?”. Diagnosticando que era cedo para o filho saber algumas verdades da vida, a senhora responde: “Elas lavam as roupas dos homens. Ficam aí aguardando clientes”. O garoto pareceu satisfeito, mas o motorista se indignou, Virou para o banco de trás e pôs os pingos nos is: “Essas mulheres são prostitutas. Fazem sexo por dinheiro”. A mãe ficou revoltada, mas se controlou. A intervenção do condutor reacendeu a curiosidade do menino, que voltou a inquirir a mãe: “Mas, se fazem tanto sexo, elas não têm filhos?”. Oportunista, a senhora concluiu: “Claro que têm. Caso contrário, não haveria motoristas de táxi”.

Não era o local mais apropriado para esse tipo de piada. Afinal, muitas das mulheres que se desnudavam ali passavam boa parte do dia atiçando a curiosidade de garotos nos bancos de trás dos táxis. Por isso – e por querer ver mais pelos pubianos –, o distinto público não ria dessa e de outras piadas. Pobre Neguitanha.

Aqui na Olimpíada de Londres, há versões renovadas e politicamente corretas do meu amigo. Nos jogos de basquete, por exemplo, animadores procuram manter a torcida aquecida nos momentos em que os grandalhões trocam de lado, ouvem o técnico ou tomam isotônico. A diferença é que, no hemisfério Norte, esse tipo de profissional é respeitado e admirado. São dignamente chamados de entertainers. Enquanto o rótulo de estorvo perturbou o Neguitanha até a morte – sim, meu amigo foi-se embora vítima de uma sífilis, provavelmente contraída de uma colega de trabalho.

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Na partida de basquete entre Brasil e Austrália neste domingo, um primeiro desses animadores organizou gritos, fez entrevistas divertidas com os torcedores e soltou uma ou outra boa piada improvisada. O segundo foi o mais engraçado e cheio de boas ideias. Convenceu a plateia a fazer uma impressionante ola em câmera lenta e puxou um comovente parabéns pra você para um garoto de 3 anos, que parece não ter entendido nada.

A melhor sacada desse entertainer foi lançar o desafio: “Quero ver beijos!”. Os câmeras passaram a abastecer os telões do ginásio com imagens de casais encontrados nas arquibancadas. Ao se reconhecerem, eles trocavam selinhos, constrangidos, na maioria das vezes. A última imagem foi a de um casal na faixa dos 50 anos. Tascaram um beijo um pouco mais demorado, com a mulher segurando a nuca do parceiro. O ginásio veio abaixo!

E olha que estávamos no intervalo de um jogo entre o dream team dos Estados Unidos e a seleção da França. Terminado o jogo, fui embora feliz. Vi passes incríveis do LeBron James, enterradas cinematográficas do Kevin Durant e cestas de três pontos impossíveis do Kobe Bryant. Tudo devidamente aplaudido. Mas o que verdadeiramente tirou a plateia do eixo nesta tarde de domingo foi um sincero, ancestral e safado beijo. Pena que o Neguitanha não tava lá pra ver.
 


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