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O presidente Giorgio Napolitano (à esq.) e o ex-ministro Nicola Mancino (à dir.)
foram gravados em negociações para escapar das novas investigações

Quatro dias antes de ser morto num atentado à bomba, em julho de 1992, o juiz italiano Paolo Borsellino tinha previsto para sua mulher: “Não será a máfia que irá me matar.” Ele se sentia acuado e traído desde maio daquele ano, quando uma explosão numa estrada da Sicília mandou pelos ares dois carros da comitiva do juiz Giavanni Falcone, o outro magistrado que, junto com Borsellino, representava a luta do país contra a máfia. Os assassinatos dos dois juízes foram imediatamente atribuídos à Cosa Nostra, a máfia siciliana. Mas nos últimos 20 anos não pararam de surgir indícios de que a previsão de Borsellino fazia sentido: havia também o dedo de autoridades por trás dos crimes. A descoberta das relações do crime organizado com o Estado italiano, que já rendeu dores de cabeça a muitos políticos, acaba de ganhar agora um novo e fundamental capítulo. Na quarta-feira 25, a promotoria de Palermo, na Sicília, denunciou o senador Marcello Dell’Utri, os ex-ministros Nicola Mancino e Calogero Mannino e outras sete pessoas que trabalhavam para o governo por conluio com os assassinos dos dois juízes. “Eles agiram para perturbar as atividades normais dos órgãos políticos do Estado”, diz a denúncia do Ministério Público.

Falcone e Borsellino eram os protagonistas do chamado “maxiprocesso”, quando, pela primeira vez na história, a temida Cosa Nostra foi desnudada em público. A investigação havia engrenado após a prisão no Brasil, em 1983, do mafioso Tommaso Buscetta, que ficaria conhecido como o primeiro dos “arrependidos” a colaborar com a Justiça italiana. Com o trabalho de Falcone e Borsellino foi possível conhecer os métodos, as formas de recrutamento, os ritos e crimes praticados. Também ficaram evidentes as ligações da Cosa Nostra com organizações criminosas internacionais e suas relações com políticos poderosos como Giulio Andreotti, por sete vezes primeiro-ministro da Itália, que chegou a ser condenado por associação mafiosa. Mas antes que ocorresse a conclusão do “maxiprocesso”, em 30 de janeiro de 1992, as dez autoridades agora acusadas pela promotoria de Palermo operaram para conseguir uma trégua com os mafiosos. Falcone e Borsellino se opuseram ao acerto, levando o processo até o fim, e por isso, segundo os promotores, foram eliminados “com a ajuda ou conveniência” das autoridades denunciadas. Em depoimento aos promotores, o ex-ministro do Interior, Nicola Mancino, entrou em contradição e chegou a omitir um encontro com Borsellino no mês de sua morte.

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OS INIMIGOS DA MÁFIA
Os juízes assassinados Giovanni Falcone (à dir.) e Paolo Borsellino
lideraram o “maxiprocesso”, que desnudou a temida Cosa Nostra

As novas investigações acabaram respingando até sobre uma das mais prestigiadas figuras da atual política italiana: o comunista de velha cepa e presidente da República, Giorgio Napolitano. O atual presidente da Itália foi flagrado em conversas telefônicas com o ex-ministro Nicola Mancino. Nos diálogos, Mancino lhe pedia que intercedesse a seu favor na investigação da promotoria de Palermo. Sob o argumento de que não poderia ter sido grampeado por sua condição de chefe de Estado, Napolitano recorreu ao Tribunal Constitucional, a mais alta corte da Justiça italiana. “Eles feriram uma prerrogativa constitucional”, reclamou Napolitano. Há três anos, outra promotoria, a de Caltanissetta (Sicília), já havia reaberto a investigação da morte dos juízes, após a descoberta de novos documentos e testemunhos de mafiosos, os chamados “arrependidos”, que indicavam o envolvimento de altos servidores públicos nos homicídios. “Foram eles os assassinos, eu cansei de cobri-los”, afirmou, em juízo, o ex-poderoso chefão da máfia siciliana, Salvatore “Totó” Riina. Condenado a 18 prisões perpétuas e encarcerado desde 1993, ele acusou agentes do serviço secreto italiano de participar dos massacres. O novo processo deverá mostrar o quanto há de verdade nas declarações de Totó Riina.

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