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Matheus Luppi toma medicação contra o TDAH desde os 7 anos.
Para a mãe, Marta, dizer que a doença não existe só aumenta o preconceito

Uma das doenças psiquiátricas mais diagnosticadas em crianças e adolescentes na atualidade, com prevalência calculada em 5% da população infanto-juvenil, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ganhou, recentemente, um inimigo: a campanha “Não à medicalização da vida”. Por trás do nome genérico, o movimento, encabeçado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), faz menções diretas ao transtorno em seu material – contestando sua existência e o uso do metilfenidato, medicamento mais conhecido pelo seu nome comercial Ritalina, usado para tratá-lo. “É muito difícil comprovar que isso é uma doença neurológica, como hoje se afirma. O que temos visto é a medicação de crianças que têm alguma dispersão que incomoda os adultos”, acusa Marilene Proença, presidente do CFP.

A iniciativa repercutiu entre pacientes e familiares. “Começamos a receber muitos e-mails”, diz Iane Kestelman, presidente da Associação de Pacientes de TDAH. Eram pessoas sem saber se suspendiam a medicação e pais revoltados com a acusação de que estavam drogando seus filhos sem necessidade. Tanta balbúrdia originou outra carta, escrita pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e publicada dois dias depois do manifesto do CFP. Nela, a entidade faz a defesa do direito dos pacientes de receber a droga. “Dizer que é um crime medicar as crianças é terrorismo”, defende Eduardo Vaz, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, uma das instituições que assinaram o texto da ABP. “Podemos discutir se estamos medicando demais, mas dizer que o TDAH não existe ou que a medicação é desnecessária não é o caminho para que isso aconteça”, considera. “E não é comum as pessoas terem TDAH. Se olharmos as estatísticas, 95% das crianças não têm a doença, e não o contrário”, ressalta Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP.

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Desde sua catalogação, o TDAH nunca foi ponto pacífico, em especial entre psiquiatras e psicólogos. Na campanha “Não à medicalização da vida”, defende-se que o TDAH não passa de resultado do estilo de vida contemporâneo. “Estamos contestando que se afirme tranquilamente que é uma doença, ignorando que ela ainda não foi cientificamente comprovada”, diz a médica Maria Aparecida Moyses, do Departamento de Pediatria da Universidade Estadual de Campinas e uma das criadoras do manifesto do CFP.

Nos referenciais científicos mais importantes na área de saúde, porém, o transtorno aparece descrito. A doença está registrada no manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, livro-referência para diagnósticos de saúde mental, e é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “O transtorno também aparece na classificação internacional das doenças, o que significa que há um consenso mínimo da comunidade científica mundial”, disse à ISTOÉ Jorge Rodriguez, especialista em saúde mental da Organização Pan-Americana da Saúde, órgão da OMS nas Américas. “Dizer que o TDAH não existe é errado”, afirmou à ISTOÉ Sergi Ferré, do Instituto Nacional de Saúde americano. “É uma posição embasada no passado, quando tínhamos critérios imprecisos para o diagnóstico.”

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Os bons resultados da terapia se fortaleceram depois que o psicólogo
Ronaldo Ramos começou a tomar remédio. Ele e a filha Gabriela têm o transtorno

Para a médica veterinária Marta Luppi, 42 anos, o modo como se levantou a bandeira contra o TDAH foi inadequado. Na casa dela, o marido Márcio Luppi, 52 anos, e o filho Matheus, 12 anos, são diagnosticados com o transtorno e usam o fármaco. “Quando o médico disse que eles precisariam tomá-lo, li as pesquisas científicas sobre o assunto”, diz Marta. “Ninguém dá remédio para o filho sem motivo.”

Hoje, o metilfenidato é a principal droga usada contra o TDAH. “Ele é eficaz em 70% dos casos”, diz o psiquiatra pediátrico Guilherme Polanczyk, da Universidade de São Paulo. A droga age sobre a dopamina, substância cerebral que aparece desregulada em pacientes com o distúrbio. “O remédio é válido em vários casos, mas a dosagem precisa ser criteriosamente calculada para cada indivíduo”, disse à ISTOÉ Abigail Zdrale Rajala, da Universidade de Wiscosin (EUA), coautora de um estudo sobre os efeitos de diferentes doses da droga.

Em quantidade inadequada, observou-se o efeito contrário ao desejado, com a perda da capacidade criativa e comprometimento do aprendizado. Quando bem usado, porém, os pacientes relatam benefícios. É o caso do psicólogo Ronaldo Ramos, 55 anos. Para ele, que tentava melhorar apenas com psicoterapia, o remédio foi um tiro certeiro. “Melhorei muito aliando a terapia com o medicamento”, declara Ramos, cuja filha Gabriela, 19 anos, também foi diagnosticada com TDAH.

No Brasil, apesar do grande aumento no consumo de metilfenidato nos últimos anos, não há um percentual abusivo do seu uso pela população. Um cruzamento de dados previsto para ser divulgado na próxima edição da “Revista Brasileira de Psiquiatria” mostra que menos de 20% das pessoas com TDAH estariam tomando o remédio no País, considerando-se cerca de 1,7 milhão de caixas vendidas do fármaco em 2010. Todavia, algo inegável entre esses tantos que tomam o remédio é que muitos podem o estar fazendo sem ter passado por um diagnóstico adequado ou o estejam tomando sem indicação médica. “Quem mais faz diagnóstico de TDAH são as psicopedagogas das escolas”, critica o neuropediatra Saul Cypel, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. “Isso está errado. O diagnóstico precisa ser muito criterioso.”

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Fotos: Rafael Hupsel/Ag. Istoé


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