Recém-campeão com o Palmeiras pela Copa do Brasil, técnico do penta assume que gostaria de estar em campo em 2014

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SAUDADE
Aos 63 anos, Felipão reconhece que foi um filho ausente

Luiz Felipe Scolari voltou a sorrir. Aos 63 anos, recém campeão da Copa do Brasil pelo Palmeiras, ele colocou um ponto-final em um jejum particular de dez anos sem uma grande conquista – em 2009, venceu a distante Liga Uzbeque, à frente do Bunyodkor. Para quem tocou o céu ao comandar a Seleção do penta­campeonato mundial de 2002, esse período sem glórias causou desconforto. Mas não provocou nenhuma mudança no estilo Felipão, conhecido por seus gestos intempestivos e suas declarações pouco diplomáticas. Durante a conversa com ISTOÉ, o treinador bateu firme com a mão sobre a mesa e bufou seguidas vezes. Por outro lado, emocionou-se ao falar do pai e até se divertiu ao lembrar como descobriu que um de seus dois filhos, frutos do relacionamento de 46 anos com Olga Scolari, usava brinco na orelha. O técnico do Palmeiras admite que fala sem pensar e não pensa em mudar, pois tal característica lhe garante um prontuário médico livre de doenças. Impulsivamente ou não, Felipão adiantou à ISTOÉ que, se o técnico Mano Menezes sair da Seleção, caso não conquiste o ouro olímpico, pode entrar em campo novamente.
 

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"Minha mulher (Olga Scolari) fala o que eu
sempre soube: que, em vez de raciocinar
antes de falar, sou intempestivo. Ela já está ao
meu lado há 46 anos, sabe o que está dizendo"

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"Ronaldinho fez a sua opção. Com 32 anos, não dá
mais para pegá-lo pela mão e levá-lo como se fosse
um menino de 15. Ele sabe o que faz. É uma pena"

Fotos: João Castellano/ag. istoé; Claudia Daut/reuters; CLAUDIO CHAVES

ISTOÉ

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Após conquistar o penta à frente da Seleção, o sr. passou dez anos sem ganhar um título importante até vencer a Copa do Brasil com o Palmeiras. Esse jejum o incomodava?

Luiz felipe scolari

Incomoda sempre. Mas os trabalhos que fiz em Portugal e no Uzbequistão me deixam muito mais alegre do que qualquer título. Aqui no Palmeiras enfrentei dois anos de dificuldades. Não conto com estádio próprio, convivi com quatro presidentes em dois anos e mesmo assim me mantive firme. Pedi um ano para dar um título ao Palmeiras. Não consegui, mas obtive em dois anos um título nacional que há 12 o clube não ganhava. Então, para os mesmos torcedores que diziam que há dez anos eu não ganhava nada, eu digo que há 12 eles não ganhavam nada. Vinte e dois técnicos passaram pelo Palmeiras e eles só foram ganhar comigo.  

ISTOÉ

O sr. se estressa bastante e já está com 63 anos. Como anda a sua saúde? Já sente o peso da idade? 

Luiz felipe scolari

A idade não me limita em nenhuma situação. Trinta, 40 anos atrás, pessoas chegavam aos 60 já parecendo inválidas. Agora tu notas que aos 80 anos estão inteiras, por causa do desenvolvimento da medicina e dos hábitos saudáveis. Então, aos 63, eu estou muito bem. Não sinto a idade que tenho, a não ser em algumas situações. Não tenho mais o corpo para jogar futebol. Quando jogava, eu tinha 80 kg e hoje estou com 97 kg. Mas jogo tênis e faço caminhadas normalmente. E não sofro nenhuma limitação para comer, beber, nada. A minha vida está ótima em todos os sentidos.  

ISTOÉ

O assédio estressa também? 

Luiz felipe scolari

Pela Olga, eu sempre tenho de atender bem as pessoas. Hoje, quando vou a shopping, supermercado, só levo e retorno para buscá-los (os familiares). Ou vou junto e fico andando com o meu filho (Fabrício, que ainda mora com os pais) longe da minha mulher, para ela poder fazer as coisas tranquilamente. Houve uma vez em Gramado (no Rio Grande do Sul) que chovia muito. Estacionei o carro na porta de um restaurante e uma senhora me abordou para tirar uma foto. Pedi um minuto para levar a minha família do carro até o restaurante. Fiz isso e procurei a senhora na mesa dela. Aí, ela disse: “Agora, não quero mais a foto.” E eu devolvi: “A senhora é mal-educada. E muito obrigado por não tirar a foto.” Ficou um mal-estar e a Olga não gostou.  


ISTOÉ

A sua esposa o critica também quando o sr. dá umas espanadas em entrevistas? 

Luiz felipe scolari

Iiih! Critica? Ela diz que não precisava, que não posso ser desse jeito. Minha mulher fala o que eu sempre soube: que, em vez de raciocinar antes de falar, eu sou intempestivo. Ela já está ao meu lado há 46 anos, sabe o que está dizendo. Aí, digo que, com esse pessoal (jornalistas), eu sei como devo fazer. Mas já passei um dia sem conversar (com a esposa) quando sofri uma reprovação dela em casa. A pior coisa é vê-los (os familiares) discordarem de mim. Fico chateado! Uma ou outra vez já tentei raciocinar, pensar antes de estourar, mas não adianta, aquela coisa vem. Se eu ficar pensando, procurando palavras, e for politicamente correto, não irei dizer o que sinto. Aí, vou ser falso? Não quero. Do jeito que sou, não tenho dor de barriga, no coração, problema nenhum. Então, deixa assim.  

ISTOÉ

Reconhece que, às vezes, é mal-educado?  

Luiz felipe scolari

Sim. E isso me chateia. Esses dias eu chamei de cafajeste uma pessoa que escreveu uma besteira. Não precisava, pois eu dizer que ele escreveu uma mentira seria mais equilibrado. Mas não tô nem aí! Porque o cara que escreveu não passa de um cafajeste! Em casa, até penso que poderia ter dito diferente, mas se eu dissesse diferente eu não ficaria em paz comigo mesmo. Olha, eu sou um dos mais bem-educados no dia a dia, no trato com as pessoas, no trânsito, com quem vou enfrentar, com os jogadores. Só que, de vez em quando, em uma ou outra situação, não sou educado, não.  

ISTOÉ

O sr. foi um bom filho? 

Luiz felipe scolari

Fui. Saí de casa para trabalhar aos 15 anos. O primeiro dinheiro que ganhei foi como office boy de uma transportadora. Aos 18, comecei a jogar futebol também. Então, fui independente desde cedo. Não fui um bom filho no sentido de que não fui muito presente. Aos 15 saí de casa, depois saía para jogar futebol e, como treinador, me ausentei porque estive em dez, 12 países e trabalhei em dez, 12 lugares do Brasil. Minha mãe tem 90 anos, está inteira. Meu pai faleceu de câncer em 1980, quando eu tinha 30 anos. Gostaria que o meu pai estivesse vivo até dez anos atrás, para ver a minha ascensão como técnico e chegando a uma Copa do Mundo. No início, meu pai não queria que eu jogasse futebol, deu a entender que futebol era para outra classe de pessoas e que eu deveria estudar. Depois, passou a ser um dos meus maiores incentivadores. Mas ele morreu quando eu jogava no Caxias.  


ISTOÉ

Foi o sr. que permitiu que seu filho Leonardo usasse brinco? 

Luiz felipe scolari

Foi ela (Olga)! Porque eu não permitiria! Um dia cheguei em casa, vi e falei: “O que é isso?” Aí, falaram: “Não tem nada. Isso é mocidade, normal, besteira.” Fiquei chateado um, dois dias. Passou uns quatro meses e ele tirou o brinco. O Leonardo é o mais centrado, o mais equilibrado (dos filhos), mas já raspou a cabeça sem que eu soubesse, já colocou brinco… O Fabrício é o mais espoleta, mais solto, e queria fazer uma tatuagem no ombro e coisa e tal. O que eu disse? Eu não quero! Tenho administrado isso. Se acontecer, não vou ficar ‘brabo’. O que acho é que para fazer uma tatuagem tem de ser por um motivo especial. E com 18, 19 anos, ainda não tem esse motivo.
 

ISTOÉ

Gostaria de encerrar a carreira em uma Copa do Mundo? 

Luiz felipe scolari

Sim. A ideia que eu tive quando retornei ao Brasil recentemente era a de treinar um clube até 2012 e voltar a trabalhar em uma seleção, principalmente da Europa, para participar da Copa de 2014. Não deu ainda, porque não tive nenhuma proposta para dirigir alguma seleção de lá. Embora possa existir alguma coisa em termos de Ásia.  

ISTOÉ

O sr. teria coragem de assumir a Seleção Brasileira novamente? 

Luiz felipe scolari

Depois da conquista do penta, em 2002, conversando com o Ricardo Teixeira, ouvi: “Já foste campeão, Felipe. Vai embora. Esquece.” Mas se a gente for pensar dessa forma, não teria porque voltar ao Palmeiras. E eu voltei. Então, tenho coragem de sobra para treinar a Seleção. Coragem não é o problema. Por que eu não voltaria um dia a treinar o Grêmio, por exemplo? Só porque já ganhei a Libertadores lá? O que ocorre é que, agora, a Seleção tem um projeto que está sendo bem desenvolvido pelo Mano. Se houver uma reviravolta, é um assunto que eu, se for pesquisado, vou dizer se quero pensar ou não. Nesse momento, não imagino e acho que não haverá uma mudança. O Mano pressionado para ganhar uma Olimpíada? Pô, nunca ganhamos e ele é o único que tem de ganhar? O Mano vai ser pressionado é para ganhar a Copa.
 

ISTOÉ

O sr. já fugiu de concentração para cair numa farra? 

Luiz felipe scolari

Não! Não é o meu estilo. Mas dos 18 aos 25 anos, antes de casar, tive uma vida normal. Saía sozinho mesmo namorando. Não deixei de viver a minha vida, como a Olga não deixou de viver a dela. Claro que com o respeito que sempre tivemos desde o início. Por isso temos quase 40 anos de casados com o mesmo afeto, o mesmo amor, aliás, até mais, quem sabe. A nossa vida foi boa, mas passou rápido. Se eu pudesse, voltaria 20 anos. A vida familiar nossa deveria ter mais 40, 50 anos.  

ISTOÉ

Se um jogador se atrasar a um treino por ter ido a uma festa e lhe contar que exagerou na balada, como o sr. reage?

Luiz felipe scolari

Eu aceito. Claro, ele irá ouvir de mim algumas coisas e sofrerá uma penalidade. Mas fico mais contente em saber a verdade, porque, se eu souber que o atleta chegou cansado, posso diminuir a carga de treino. E não sabendo a verdade eu posso prejudicar o grupo.  

ISTOÉ

Acredita que Ronaldinho Gaúcho seja um exemplo de desperdício de talento, ultimamente, por optar por uma vida noturna agitada? 

Luiz felipe scolari

Hoje o Ronaldinho não tem a mesma performance, mas ainda é um jogador diferenciado. Ronaldinho deveria ter investido mais na porção jogador porque assim iria durar mais cinco, seis anos. No futebol, se não tiver cuidado físico, esqueça. E o Ronaldinho fez a sua opção. Com 32 anos, não dá mais para pegá-lo pela mão e levá-lo como se fosse um menino de 15. Ele sabe o que faz. É uma pena. 

ISTOÉ

O sr. acha que Neymar deveria jogar no Exterior?  

Luiz felipe scolari

Lá fora, o Neymar jogaria em ligas diferentes, com conceitos de futebol diversos e aprenderia muito de tática. Ele teria ao lado jogadores de outras culturas e iria crescer com as adaptações que teria de encarar. O Neymar cresceria como pessoa, na parte tática e culturalmente falando. Aqui está tranquilo. É importante o Neymar jogar lá fora não só para ele, mas para a Seleção também. Mas vale lembrar que, nesse último ano e meio, ele evoluiu como pessoa e, como jogador, é muito mais obediente taticamente.  


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