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NAS SOMBRAS
Aos 97 anos, Csatary (acima) vivia como um pacato cidadão. Ninguém desconfiava que ele
era o carrasco que mandou 15,7 mil judeus húngaros (abaixo) para o matadouro de Auschwitz

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O húngaro Laszlo Csizsik-Csatary viveu os últimos 17 anos como um pacato senhor. Morava sozinho num bairro nobre de Budapeste, na Hungria, fazia suas próprias compras num shopping perto de casa e evitava maiores contatos com seus vizinhos. Aos 97 anos, parecia, enfim, um homem como tantos outros, à procura de paz e conforto para o fim de sua vida. Tudo seria corriqueiro se Csatary não tivesse sido, na semana passada, identificado como o criminoso nazista mais procurado do mundo. Ele foi localizado pelos repórteres do jornal britânico “The Sun” que seguiam informações do Centro Internacional de Combate ao Antissemitismo Simon Wiesenthal. Csatary é apontado como um dos responsáveis pelo envio de 15.700 judeus à morte em Auschwitz, o maior campo de concentração nazista, em 1944. Também é acusado pela deportação de cerca de 300 judeus para a Ucrânia, onde foram assassinados, em 1941. Na quarta-feira 18, ele foi interrogado pela polícia e colocado em prisão domiciliar por 30 dias. “Instamos as autoridades húngaras para completar o resto do processo judicial e levar Csatary à Justiça o mais rápido possível”, declarou Efraim Zuroff, diretor do Wiesenthal em Jerusalém. “Esta é a dívida para com as muitas vítimas que ele torturou e extraditou para que fossem assassinadas.”

Durante a Segunda Guerra Mundial, Laszlo Csatary chefiou a polícia de Kosice, área ocupada pela Hungria, aliada dos nazistas na época, e que hoje pertence ao território da Eslováquia. Segundo o “The Sun”, documentos relatam que Csatary batia nas mulheres de um gueto judeu com um chicote que levava pendurado no cinto e com uma coleira de cachorro, e as forçava a cavar valas no chão congelado com as próprias mãos. “Apesar de idoso, ele ainda é responsável pelos crimes que cometeu”, disse à ISTOÉ Robert Rozett, um dos diretores do Centro Mundial de Pesquisas do Holocausto Yad Vashem, em Israel. “Não é só porque o tempo passou que temos de esquecer o que os nazistas fizeram.”

A MARCA
Csatary batia nas mulheres do gueto judeu com um chicote e as
forçava a cavar valas no chão congelado com as próprias mãos

Csatary alega inocência e diz que apenas seguia ordens. Mesmo assim, em 1948, ele foi condenado à revelia na ex-Tchecoslováquia por crimes de guerra e sentenciado à morte. Naquela época, já havia fugido para o Canadá, onde viveu sob falsa identidade, comercializando peças de arte. Em 1997 ele foi descoberto pelo governo canadense, que estudava sua deportação. Fugiu então para a Hungria, onde agora deve enfrentar um novo julgamento. Um processo judicial como esse, que se inicia mais de 70 anos depois que os crimes foram cometidos, enfrenta inúmeros obstáculos. Como a maioria das testemunhas já morreu, o crime e as condições em que foi cometido são difíceis de provar. Vivian Curran, professora de direito da Universidade de Pittsburgh, diz que há casos em que um réu é responsável pela morte de milhares de pessoas, mas acaba acusado por apenas uma pequena fração disso, porque não há evidências suficientes para levar adiante as demais acusações. “Isso torna o julgamento ridículo perto do que realmente aconteceu”, afirma.

Como o atual processo pode demorar anos para ser concluído e dada a idade avançada do réu, Efraim Zuroff apelou para que as acusações fossem agilizadas. A questão provoca controvérsias. O escritor britânico David Irving, especialista na Segunda Guerra, disse à ISTOÉ que “não é razoável, depois de tantos anos, ir atrás de esqueletos humanos por crimes que eles podem não ter cometido”. Irving, que também é biógrafo de líderes nazistas como Hermann Goring e Joseph Goebbels, argumenta: “É impossível fazer um julgamento objetivo e justo nessas condições. É repugnante ver um homem tão velho ser preso e processado.” O cientista político americano Norman Finkelstein, filho de judeus sobreviventes do Holocausto, concorda com ele: “Quantos remanescentes do nazismo ainda podem existir? Quantas pessoas vivem até os 97 anos? Será que não deveríamos gastar tanto tempo e dinheiro em outras questões?” Para o rabino Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista, a incessante perseguição aos nazistas tem papel importante na história e não se trata de vingança, mas de um dever. “A única forma de repararmos as vítimas da violência, já que não podemos trazê-las de volta, é assegurar que o mundo de hoje seja mais justo do que o mundo onde elas viveram”, afirma. “O Holocausto é um dos episódios mais vergonhosos e tristes da história humana, porque foi obra de homens e não de um desastre natural.”

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Fonte: Centro Internacional de Combate ao Antissemitismo Simon Wiesenthal
*São considerados vivos, porque não há evidências conclusivas de
suas mortes aceitas pelo Centro Simon Wiesenthal

fotos: Bea Kallos/AP Photo/MTI; AP Photo