Ao comprar um carro, ninguém pergunta qual a área útil ou se ele já vem com armários embutidos. Pelo menos por enquanto. Apesar disso, muitas são as semelhanças entre casa e carro. Dois dos principais quesitos solicitados nas concessionárias, por exemplo, são segurança e comodidade, as mesmas vedetes do mercado de imóveis. Se em casa a preocupação com a segurança assume a forma de grades e cercas elétricas, motoristas recorrem cada vez mais a alarme e películas escurecedoras (tipo insul-film). Mas não é apenas em relação à segurança que os conceitos de carro e casa se aproximam. Para a psicóloga paranaense Neuza Corassa, o carro nada mais é do que uma extensão da casa. “As pessoas vão à garagem, entram no carro e continuam agindo como se continuassem em casa. Durante o trajeto, o carro vira uma ilha, um espaço privado no meio do espaço público”, resume ela, autora do livro Vença o medo de dirigir (Editora Gente) e fundadora do Centro de Psicologia Especializado em Medos, de Curitiba.

Durante um ano, Neuza fez mais de 300 entrevistas sobre hábitos no trânsito e descobriu que os ambientes de uma casa são reproduzidos entre o pára-brisa e o porta-malas. O carro vira sala de estar quando todos os passageiros conversam, sala de refeições nos momentos de pressa, sala de som, quarto, despensa, escritório e até banheiro, quando o rapaz troca de roupa em frente à academia, a garota se maquia a caminho da festa ou a mãe troca a fralda do bebê. O Pálio da estudante de jornalismo Ana Beatriz Schauff, 19 anos, é praticamente uma penteadeira disfarçada. As amigas já se acostumaram com sua mania de se maquiar enquanto dirige. “Saio sempre de casa com a cara limpa e me maquio no caminho para ganhar tempo. Às vezes, fico o trajeto inteiro com o retrovisor virado para mim. Outras vezes, me maquio sem o espelho”, confessa. Radical, Ana Beatriz nem espera o sinal fechar para sacar batom e rímel da bolsa. Os cuidados finais no visual são cumpridos de olho no trânsito. “Nunca borrei o rosto. Nem bati o carro por causa disso”, comemora. Paulistana, Ana Beatriz também encontrou no automóvel um oásis para os dias de rodízio. “Chego às 7h no escritório e tiro um cochilo no carro até as 9h, quando começa o expediente”, conta.

Segundo a pesquisa de Neuza Corassa, 48,3% dos homens e 36,7% das mulheres usam o carro como quarto, para tirar uma pestana ou namorar. As mulheres ganham no bate-papo (81,7%) e na escolha das músicas (100%) ao volante. Entre os homens, 70% são craques em usar o carro como escritório (leia tabela). O economista Paulo Athanásio, 36 anos, é coordenador de negócios de uma empresa têxtil e passa pelo menos quatro horas por dia ao volante. Seu trabalho consiste basicamente em visitar clientes. Entre um engarrafamento e outro, usa o palmtop, recebe e-mails e fecha contratos pelo celular. Até uma calculadora vive equilibrada sobre o volante para que ele possa compor sua tabela de preços. Atualmente, seu sonho de consumo é uma impressora portátil, pequena, para incrementar o arsenal de seu Astra. “Minha conta de celular ultrapassa os R$ 700 por mês. Por enquanto, uso o fone de ouvido. Quando a vigilância for intensificada, terei de apelar para o viva-voz”, conta. Também é nos engarrafamentos que Paulo arranja tempo para fazer as lições do curso de inglês. Mas nunca com o carro em movimento, faz questão de frisar. Dois anos atrás, Paulo venceu outro vício incorrigível, o de comer com o pé no acelerador. “Pelo menos duas vezes por semana eu recorria ao drive-thru. Parei por causa de uma gastrite. Hoje, se não tiver 15 minutos para fazer uma refeição, prefiro não almoçar”, diz. Não concordam com ele 50% dos homens e 60% das mulheres, para os quais a única dificuldade é equilibrar o copo de refrigerante. Do jeito que a coisa anda, logo as montadoras terão de anunciar carros com chuveiro elétrico e fogão de seis bocas.