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Desde o início dos protestos contra o presidente Bashar al-Assad, 16 mil pessoas já morreram na Síria. Outros vários milhares foram estão refugiados, seja dentro ou fora do país. Depois destes 17 meses de caos, durante os quais a violência se tornou parte do cotidiano, não se vê solução no horizonte. Mas a oposição garante: os conflitos só acabarão quando o regime for destituído. "O povo sírio chegou ao ponto no qual não há retorno. Ele continuará sua revolução até serem alcançados todos os seus objetivos, independentemente dos sacrifícios que custarem", resume Abdulbaset Sieda, presidente do Conselho Nacional Sírio (CNS).

A extensão e o custo humano do conflito sírio desafiam a diplomacia internacional, que, sem consenso, fracassa na busca de acordos que pacifiquem o confronto e possibilitem uma solução política. Sieda lamenta as vítimas e torce pela intervenção, mas garante que a resistência seguirá até o fim, independentemente dos resultados da comunidade internacional. "(O povo sírio) sabe que com certeza o preço (da revolução) será caro, mas muito caro. A menos que ocorra uma intervenção da comunidade internacional", diz Sieda.

Na semana passada, o enviado especial da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, viajou pelo Oriente Médio angariando apoio e sondando as posições dos países para trabalhar em prol da solução do conflito. A solução, se houver, talvez precise ser regional, e isso reflete o perigo de o próprio conflito extravasar as fronteiras sírias e afetar a região como um todo. "O melhor é que ocorra uma intervenção da comunidade internacional antes que seja tarde demais. Caso contrário, a paz e a segurança regionais estarão em risco."

Falando de Uppsala, na Suécia, onde mora como exilado desde 1994, Sieda concedeu uma entrevista ao Portal Terra em março deste ano. As perguntas da reportagem foram enviadas por email, em inglês, e combinou-se que Sieda, conforme ele solicitou, responderia em árabe; as respostas foram traduzidas para o português algumas semanas depois.

À época, Sieda compunha a Secretaria Executiva do Conselho Nacional da Síria, órgão que agrega os oposicionistas sírios. Era o momento do início de uma forte escalada da violência na Síria. Hoje, a situação em solo sírio segue essencialmente a mesma: um conflito crescente no qual ambos os lados reforçam suas posições e não dão sinais de desistência.

Sieda nasceu em Aamoh, na província síria de Hasaka, em 1956. Diplomado em Filosofia pela Universidade de Damasco, morou no país até 1991, quando foi para a Líbia. Mora na Suécia desde 1994, onde recebeu asilo político. Desde então, ele não obteve permissão para retornar à terra natal. Na Suécia, segue seu trabalho acadêmico, no qual acumula livros e artigos publicados sobre história, sociedade, filosofia e religião na Síria.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista, na qual Sieda se posiciona, entre outros assuntos, sobre as dificuldades de união dos desafiantes de Assad, a participação dos jovens na mobilização dos protestos e a abrangência da "revolução", termo que usa para se referir à onda de protestos.

Como a oposição síria de organiza internacionalmente?

Antes da revolução, houve várias tentativas para organizar a oposição síria. Eventualmente havia partidos políticos. Porém, devido à precária organização dos mesmos – resultado das múltiplas divergências entre si – havia a necessidade de se encontrar um padrão comum para abrigar os oposicionistas. Com o início da revolução, houve vários movimentos no exterior, como as reuniões em Antalya, Istambul e Bruxelas – essas reuniões ajudaram a encontrar laços entre os diversos partidos da oposição, mas não conseguiram uni-los sob o mesmo "guarda chuva". Para este fim foram feitos esforços a fim de estabelecer o Conselho Nacional Sírio, que hoje representa a instituição nacional que age como união entre as facções e as forças fundamentais da oposição síria internamente e no exterior.
 
Como vocês se comunicam com a oposição sediada na Síria?
 
Estamos em constante contato com o interior sírio. Eu, pessoalmente, me comunico com os jovens através de diversos meios, como o Facebook, Skype e telefone. Também me encontro às vezes com pessoas que chegam da Síria e com os jovens nos países vizinhos. Mas sempre é calculado o perigo de brechas de segurança. (…) É interessante (notar) que a grande maioria dos jovens sírios está envolvida no processo, independentemente de serem nascidos no estrangeiro ou (estarem) recentemente de volta ao pais – e claro, os habitantes locais, que representam a grande maioria.
 
Qual é o perfil da oposição na Síria? Ela está espalhada por todo o país ou há focos em algumas cidades?
 
A força motriz da oposição síria internamente é a sincronização dos jovens em diversas cidades da Síria. Eles organizam manifestações e determinam a natureza das atividades. (…) A sociedade síria, em geral, está interagindo com o que está ocorrendo. (…) Mas, é claro, ainda há a maioria silenciosa, que começou recentemente a se direcionar à revolução. Cidades são caracterizadas por abraçar a revolução ou por formar núcleos para a mesma, tal como Daraa e Homs. No entanto, podemos notar que todas as cidades e aldeias sírias estão participando da revolução. Movimentos em Damasco estão em ascensão, assim como em Aleppo, Idlib, Deir el Zour, Rekka, Qamishli e outras cidades sírias. O povo sírio chegou ao ponto do qual não há retorno. Ele continuará sua revolução até serem alcançados todos os seus objetivos, independentemente dos sacrifícios que custarem.
 
Do ponto de vista ocidental, a Síria está dividida entre os leais e os críticos de Assad. Mas como se dá o dia a dia real no país? Não há famílias e grupos que não se enquadram nestes dois grupos e que não estão interessadas na guerra?
 
A sociedade síria está em estado de alerta. A grande maioria é contra o sistema e deseja uma mudança o mais breve possível. Essa maioria inclui todos os regimes e seitas, incluindo o componente Aalawi, que geralmente acreditava-se ser a favor do atual sistema. Porém, existem pessoas que estão beneficiadas pelo atual sistema, como nas instituições militares e/ou políticas e nos negócios. Esses pertencem a diferentes componentes da sociedade, com uma exceção especial no Exército pelo fato de que os oficiais mais graduados, donos das decisões, pertencerem à seita Alawita, bem como chefes de departamentos e oficiais superiores dos serviços de segurança.
 
Como se dá o dia a dia real no país? Não há famílias e grupos que não se enquadram nestes dois grupos e que não estão interessadas na guerra?
 
A vida diária na maioria das áreas está se desenvolvendo entre as pessoas de forma natural, independentemente das opiniões contra ou a favor do sistema. Há, é claro, divergências entre partidários e opositores do regime. Mas geralmente não alcançam o nível de violência; (…) a oposição estima que a maioria dos partidários tem seus interesses e posições motivados pelo medo, (e) não pelo amor ao sistema. Em algumas áreas de contato, como Homs e Latakia, alguns incidentes podem ter ocorrido entre dissidentes individuais e partidários, mas a tendência geral da oposição seria a de concentrar esforços para resistir ao sistema, mas não se envolver em disputas com seus defensores.
 
Já faz mais de um ano que a oposição síria começou a desafiar o regime Assad. Qual momento deste período você caracterizaria como o mais crítico?
 
O período atual é uma das fases mais difíceis da revolução síria, devido à repressão sem precedentes praticada pelo sistema desde os últimos dois meses. As cidades sírias estão sendo atacadas com tanques, artilharia e lançadores de foguetes, como ocorreu em Homs e seus arredores. O sistema também tenta usar seus apoiadores incógnitos para bloquear os esforços de organizar a oposição. No entanto, apesar de todos os reveses, o povo sírio está totalmente determinado a continuar a revolução até a vitória e ele sabe que com certeza o preço será caro, mas muito caro, a menos que ocorra uma intervenção da comunidade internacional.
 
Há 10 anos, Bashar al-Assad assumiu o governo de seu pai, Hafez, que por sua vez governou por décadas. Qual é a visão do povo sírio sobre o Baath, o partido governante da Síria durante todo este tempo?
 
O Partido Baath se tornou, na época de Hafez al-Assad, apenas uma fachada para o governo. Apesar da existência do artigo VIII da Constituição, que diz que o Partido Baath está em comando do Estado e da sociedade, a realidade é que quem está em comando da Síria são os oficiais superiores da inteligência, os militares e alguns membros da família real e seus associados próximos, formando uma espécie de escudo invisível. Atualmente, os membros do Partido Baath são utilizados em muitas áreas com o objetivo de reduzir as manifestações, mas em termos políticos o único papel do partido está limitado a (uma espécia de) "Propaganda Visual".
 
A oposição síria pressiona a comunidade internacional e pede ajuda, mas potências ocidentais e árabes insistem na diferença entre Síria e Líbia.
 
Reconhecemos que a situação na Síria é diferente da situação na Líbia, em termos da composição da comunidade ou da localização geopolítica. Mas, se continuarmos a ignorar os atos do regime sírio, como assassinatos, arrastões, torturas e estupros, e a destruição de bairros residenciais por mais de um ano, isso representa um grande ponto de interrogação questionando a credibilidade das alegações que falam sobre a justiça internacional e da necessidade de cumprir com o direito internacional.
 
Como você e outros oposicionistas recebem esta recusa de atuar de modo mais incisivo no conflito?
 
Até agora, nós não vimos os esforços internacionais atingirem o nível exigido, a fim de interromper os ataques na Síria. Mas nós dizemos sempre que o nosso povo não vai parar, mas sim vai continuar em sua revolução. E quando o povo perder a esperança de qualquer apoio da comunidade internacional, ele vai depender de suas próprias forças, e então o país vai entrar em uma guerra interna, uma guerra que não afetará somente a sociedade síria, mas irá se mover para as regiões vizinhas. Portanto, o melhor é que ocorra uma intervenção da comunidade internacional antes que seja tarde demais. Caso contrário, a paz e a segurança regionais estarão em risco.