BIÔ BARREIRA/AG. ISTOÉ

HISTÓRIA DE IMIGRANTE Seu Valentim Diniz chegou ao Brasil em 1929, aos 16 anos e sem dinheiro. Construiu um império do varejo

O Brasil perdeu um de seus maiores empresários. Às 15h30 da tarde do domingo 16, morreu Valentim dos Santos Diniz, fundador do Grupo Pão de Açúcar. Ficou 90 dias internado no Hospital Albert Einstein. Circunstância da morte: falência múltipla de órgãos. Para quem o nome pouco lhe parece familiar, o “seu” Santos, 94 anos, português, casado com “dona” Floripes, devoto de Nossa Senhora de Fátima, hábil cavaleiro e de uma elegância incontestável, é retrato perfeito da história da construção de São Paulo e do varejo no País.

Seu Santos inventou o supermercado no Brasil, nos moldes como o conhecemos hoje. Enquanto os estrangeiros (como o francês Carrefour) nem sequer pensavam em colocar os pés por aqui, o comerciante já convencia os filhos, incluindo o mais velho, Abilio Diniz, a passear de carro pela cidade nos anos 50. Tudo só para descobrir os melhores terrenos à venda.

Como os grandes empresários imigrantes, que construíram impérios por aqui (fazem parte desta seleta turma, o alemão Johannes Gerdau, do grupo Gerdau, e o polonês Samuel Klein, da Casas Bahia), o garoto português de 16 anos começou do zero e criou um império. Chegou no outono de 1929, a bordo de um navio com outros 1.111 imigrantes na terceira classe. A história conta que ele só conseguiu sair da minúscula aldeia da Beira Alta (quase divisa com a Espanha) por pura pressão. Era 1929, Valentim chamou o pai num canto e disse: “Ou o senhor me deixa ir para o Brasil, ou vou ser caixeiro na cidade do Porto.”

No Brasil, começou trabalhando em pequenas mercearias da capital paulista. Levantava às cinco horas da manhã, percorria a pé as ruas dos bairros dos Jardins e de Campos Elísios, tirando os pedidos das famílias ricas da região. Casou- se, juntou dinheiro e fez fortuna. A primeira loja com a marca Pão de Açúcar foi aberta em 1959, com 2,5 mil itens – mais que o dobro da média oferecida por mercearias e mercadinhos. Foi ele que implantou os primeiros balcões frigoríficos nas lojas do comércio nos anos 60. Também fez a primeira aquisição do setor, a rede Sirva-se, em 1965.

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Seu Santos inventou o crediário no varejo de alimentos. Acabou tornandose referência não só pelo negócio gigantesco que criou – a rede hoje fatura quase R$ 18 bilhões e emprega 63 mil pessoas – como pela postura. Era extremamente cordial, paternal e afetuoso. Chamava a atenção pelo jeito simples. Até cinco anos atrás, quando ainda visitava lojas, fazia questão de cumprimentar os funcionários. Um por um. Beijava as moças e abraçava os rapazes. Ao ser chamado para se tornar o padrinho de um dos prédios inaugurados por uma associação de supermercados, a Apas, Valentim fez questão de acompanhar as obras. Tijolo por tijolo. “Eu tentava encontrá- lo, pelo menos para recebê-lo na obra. Mas me falaram que era melhor não fazer qualquer cerimônia. Seu Santos não gostava de firula”, conta Omar Assaf, expresidente da Apas. Um dos episódios mais delicados que viveu foi a disputa fratricida de poder entre os filhos, em 1986. Acabou com a vitória de Abilio, o filho com faro e apetite para o negócio. Sobre sua história, era suscinto. “Chegava em casa esgotado, dormia, mas acordava satisfeito. Era um sacrifício, reconheço. Mas valeu a pena.”


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