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Vinte e poucos anos, formada em artes plásticas, modelo nas horas vagas e surfista (na melhor acepção da palavra) desde criancinha, a paulistana Layla Motta resolveu refazer a rota de muita gente boa ao redor do mundo que decide levar a fotografia a sério. Juntou as economias e os cachês, conseguiu uma vaga num pequeno apartamento dividido com outras garotas e se matriculou numa escola de fotografia em Nova York. Lá confirmou que inspiração é mesmo fundamental, mas que o conhecimento técnico e teórico são tão ou mais importantes, se é que esses pontos possam ser dissociados entre si. Num de seus primeiros trabalhos do curso, encarou um desafio complicado: realizar um ensaio documental original num dos cenários mais fotografados do mundo. Mesmo bem antes dos tempos em que praticamente todos os habitantes do planeta carregam uma câmera no bolso, Nova York já era esquadrinhada em todos os seus buracos e reentrâncias por câmeras ávidas por algo diferente e instigante.

Layla não se intimidou. Pegou um mapa de Nova York e deu de cara com uma ilhota que é praticamente invisível aos olhos esbugalhados e míopes da grande mídia, apesar de entalada bem na cavidade abdominal da cidade e de volta e meia servir de cenário para filmes. Subiu num ônibus e seguiu para lá sozinha com sua câmera e um caderninho. Dessa e de algumas outras viagens a City Island, oficialmente parte do famoso Bronx, surgiram imagens absolutamente instigantes e muito diferentes de tudo aquilo que normalmente se vê no repertório imagético ligado àquela parte do planeta. Fotos que lembram pinturas e que já mereceram lugar nas paredes da conceituada galeria Espasso, no bairro Tribeca, registram pessoas e lugares que parecem completamente alheios ao que acontece a poucos metros dali, no que muitos consideram ser o núcleo do turbilhão de informação, competição e dinheiro que ainda seduz boa parte da humanidade. Nas palavras da fotógrafa: “Eu escolhi City Island no mapa. Vi, apontei e fui. Peguei o ônibus até a última parada, no final da ilha.

Era uma manhã fria e enevoada. No ar uma sensação de abandono. Nada se mexia, nada acontecia. Parecia que nesse lugar tão perto da caótica Manhattan o tempo havia parado.

Depois de espiar em volta por um tempo, vi um homem fazendo sua corrida diária. Curiosa para descobrir algo sobre o lugar, puxei conversa.

Seu nome era Roger e ele me contou que tem vivido na ilha nos últimos 25 anos. Gosta do lugar, conhece todo mundo, é o seu lar.
Mas para Roger há um problema; no Estado de Nova York ele não está autorizado a portar arma. Ele contou que não se sente seguro de ir a lugar nenhum sem seu revólver. Me disse que achava que tinha que mudar para Connecticut. Perguntei se podia fotografá-lo com seu revólver. Ele me convidou para ir à sua casa.

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Roger mora em frente ao mar. Ele tocou saxofone profissionalmente sua vida inteira. Assim que entramos ele pegou o saxofone e tocou bossa nova com um sorriso de quem lembra os bons tempos passados. Tinha gatos, caixas vazias e jornais por todo canto da casa. Roger salva gatos doentes e abandonados, cuida deles como se fossem filhos. Eu perdi o interesse pelo revólver. Pareceu que o que realmente inportava para Roger eram seus gatos. Esta era a foto que eu queria.”

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente


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