Freud afirmava que se o presidente americano Woodrow Wilson tivesse feito análise a história do século XX seria outra. Segundo ele, Wilson era fraco, não soube conter a fúria revanchista dos franceses e britânicos e acabou engolindo goela abaixo o Tratado de Versalhes que humilhou a Alemanha durante as décadas de 20 e 30 e culminou com a monstruosidade nazista e seus horrores.

Wilson havia se incumbido da missão de ser o homem que traria paz ao mundo e foi para a Europa encontrar-se com David Lloyd Georg e Georges Clemenceau levando no bolso uma lista com dez pontos cruciais para que o acordo de paz entre as nações fosse selado de forma justa. Foi recebido como herói quando chegou a Paris em março de 1919, o que lhe deu enorme capital político para sua empreitada. Mas o perfil forte e combativo de seus interlocutores acabou por fragilizá-lo. Não soube se opor com firmeza contra a ideia da anexação do Saar e da ocupação da Renânia.

Freud afirma que o presidente da Alemanha estava certo ao dizer, quando recebeu a versão final do acordo, que se tratava de um documento “escrito com ódio”. Em “A Fuga de Freud”, um relato sobre a difícil saída da família Freud de Viena, o escritor David Cohen, que também é psicanalista, dedica um capítulo inteiro ao longo “J’acuse” que Freud e William Bullitt escreveram a respeito de Wilson.

Não há como não lembrar dessa história quando pensamos na atual complexidade do Oriente Médio. Lembro que na minha primeira visita à região, em 2007, perguntei a um amigo israelense se o país não estaria subestimando a humilhação dos árabes na Guerra dos Seis Dias e se essa atitude não teria um paralelo com o que aconteceu com a Alemanha no Tratado de Versalhes. “O ódio dos árabes fundamentalistas já não mais é problema exclusivamente nosso”, ele respondeu. “O 11 de setembro deixou essa questão muito clara.” (Eu não estava pensando nos fundamentalistas quando fiz minha pergunta, e sim na situação degradante dos palestinos em Israel, mas é verdade que o fundamentalismo islâmico agregou ao histórico impasse um complicador de dimensão igualmente gigantesca.) Meu amigo foi bem prosaico, e quis dizer: “Sim, estamos subestimando, mas quem não está?” Sua resposta, no entanto, não deixa de ser verdade, se pensarmos que a ocupação do West Bank não é muito diferente da invasão do Iraque, ou da manutenção da base de Guantánamo em Cuba, quando o assunto é humilhação. Todas essas políticas fazem do conflito no Oriente Médio o que o Tratado de Versalhes fez com a Alemanha: globalizam sua dimensão.

Minha viagem ocorreu um ano antes de Israel invadir Gaza. Na época era fato que os israelenses, depois do terror da Intifada e dos atentados suicidas, pela primeira vez experimentavam uma rotina em que quase não se pensava mais em bombas e atentados. Por outro lado, é verdade também que se pensava mais na possibilidade de o país acabar como Estado. “Mais até do que no período anterior à Guerra dos Seis Dias”, dizia-me outro amigo israelense. “Sem a paz com os palestinos, não existe mais possibilidade de mantermos Israel.”

A história nos mostra que Freud estava certo ao ver na humilhação e no ódio fermentos poderosos. Mas a psicanálise certamente não terá mais nenhum peso na possível construção de um tratado de paz entre os povos. Será necessário muito mais do que boas cabeças para se resolver um conflito que adquiriu tamanhas proporções, ainda mais nesse momento em que a perspectiva de Israel invadir o Irã faz da crise da Grécia e da possível derrocada da Eurolândia uma titica de galinha, em termos de preocupação mundial. 

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