No final da década de 70 era freqüente nos presídios brasileiros presos políticos e bandidos comuns dividirem o mesmo espaço. A convivência forçada ensinou toda a população carcerária que só de maneira organizada poderiam fazer valer bandeiras como o fim da tortura, por exemplo. É nesse contexto que surge no Rio de Janeiro a Falange Vermelha, organização criminosa hierarquizada que conseguia denunciar os maus-tratos a que seus membros eram submetidos. Mais tarde surge, também no Rio, o Comando Vermelho, oriundo da Falange, e ainda mais sofisticado. A organização impunha sua força para fora dos presídios, fazendo com que os produtos de ações criminosas pudessem em parte reverter para um caixa único, a fim de garantir o sustento das famílias daqueles que estavam detidos. Em São Paulo, as organizações de presos começaram a surgir no início da década de 80, com as Serpentes Negras, grupo que exigia a implantação de uma política de direitos humanos no sistema penitenciário. O PCC se organiza a partir de 1993, depois do massacre que resultou na morte de 111 presos no extinto Carandiru, reivindicando os mesmos direitos das organizações do passado.

No início de 2000, após rebeliões simultâneas em presídios, alguns líderes do PCC, entre eles Marco Camacho, o Marcola, foram transferidos para o Rio de Janeiro. “Esse foi o nosso maior erro”, lamenta o delegado Godofredo Bittencourt, diretor do Departamento de Investigações Criminais de São Paulo (Deic), especializado no combate ao crime organizado. No Rio, Marcola, que até então era um simples “batedor de carteiras”, manteve contatos e construiu relações com o Comando Vermelho, aprimorando a organização do PCC. De presos organizados passaram para o crime organizado, liderando ações como tráfico de drogas e de armas, contrabando, roubo a bancos e seqüestros de dentro dos presídios. Criaram uma estrutura financeira capaz de arrecadar mensalmente cerca de R$ 1 milhão, dinheiro usado para bancar outros crimes, corromper agentes penitenciários, manter as famílias dos presos e até custear a formação de advogados de confiança. O mais recente investimento se dá na qualificação de sua mão-de-obra. O PCC coloca alguns de seus membros em cursos promovidos por empresas de segurança privada para que aprendam a manusear armas mais modernas e até a fazer direção defensiva.

Em 2005, Marcola conversou seguidamente com o chileno Maurício Norambuena, experiente militante da Frente Patriótica Manuel Rodrigues (FPMR) e um dos responsáveis pelo seqüestro do publicitário Washington Olivetto. Ambos estavam presos em Presidente Bernardes. Após essas conversas, o PCC parte para uma nova estratégia: a ordem é atacar, desgastar e desmoralizar a estrutura de segurança do Estado. Comandante Ramiro, nome de guerra de Norambuena, ensinou para Marcola como uma facção do porte do PCC poderia se transformar numa organização de dominação política para afrontar o Estado.

Para consolidar sua liderança sob os 100 mil comandados no sistema penitenciário e dez mil “soldados” que agem fora das muralhas, Marcola usa o tacão do terror. Os números do governo são alarmantes. São quase 500 mortos por ano nos presídios paulistas. Só em 2004 cresceu em 200% o número de suicídios dentro dos presídios. “Muitos dos presos que têm dívidas com a facção ou não querem mais cumprir as ordens são ‘obrigados’ a se suicidar”, diz o padre Valdir José Silveira, coordenador estadual da Pastoral Carcerária, entidade não governamental que trabalha em defesa dos presidiários.

Após eliminar líderes rivais (alguns decapitados), Marcola adotou posturas que aumentaram sua popularidade dentro dos presídios. Aboliu o uso do crack nas prisões, droga que segundo ele mesmo afirma acaba matando seu exército. Também decretou o fim dos estupros que vitimavam os presos mais fracos, e assim ganhou respeito. Leitor voraz, Marcola, que estudou até a oitava série, tem ambição. Além de usar as práticas da guerrilha urbana para colocar em xeque o próprio Estado e aterrorizar a população, o líder joga em outra ponta. O PCC vai financiar dois candidatos a deputado, um federal e outro estadual. Quer, a médio prazo, formar uma bancada para oficialmente “lutar pelos direitos do preso”.