A situação em São Paulo já estava descontrolada, mas quando os políticos entraram em cena conseguiram transmitir a certeza de que, se depender deles, não há solução à vista. O que se passou no eixo São Paulo–Brasília–Nova York na semana passada foi uma opereta de vaidades, omissões e desencontros, na qual brilharam, às avessas, autoridades como o governador Cláudio Lembo, o ministro da Articulação Política, Tarso Genro, e toda a cúpula do PSDB. A primeira intervenção partiu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Não haverá nenhum mesquinho no Brasil capaz de querer fazer uso eleitoral desses atentados.”

Logo depois, porém, o primeiro “mesquinho” aparecia na figura do ministro da Coordenação Política do próprio Lula. “O governo federal ofereceu toda a ajuda e o governo do senhor Alckmin preferiu negociar com os criminosos”, provocou Tarso Genro, na quarta-feira 17. O ex-governador, enfiado num inexplicável mutismo durante o auge do drama de São Paulo, abriu a boca para bater em Lula: “O presidente desrespeita e ofende o povo de São Paulo. Ele sempre foi omisso nessa questão de segurança.” Nos bastidores, Alckmin procurou seus aliados do PFL para descarregar a culpa pela situação no seu sucessor no governo do Estado. Cláudio Lembo, é claro, acusou o golpe. Numa entrevista à Folha de S.Paulo, lembrou que recebeu apenas dois telefonemas de Alckmin durante a crise. Ironicamente, mostrou-se compreensivo. “Os impulsos telefônicos são caros”, registrou.

Os tucanos morderam a isca lançada pelo ministro Genro. Vermelho de raiva, o presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), exigiu no plenário a demissão do ministro pelas “besteiras” que falou. O líder dos tucanos no Senado, Arthur Virgílio (AM), informava que o partido estaria em obstrução no Congresso enquanto Genro não se retratasse. O resultado prático da decisão oposicionista é fazer com que o pacote de segurança pública – sempre tirado das gavetas em situações-limite – nem seja apreciado pelo Senado.

Numa reunião em Brasília na quarta-feira 17, pefelistas e tucanos avaliaram o impacto eleitoral da ação do PCC. Alinharam-se, ali, quatro frases absolutamente infelizes ditas pelo governador Lembo ao longo da semana de fúria. A primeira: “Há 20 dias tínhamos informações de que poderia acontecer.” Dois: “Eu não preciso de ajuda federal.” Três: “Não sei de nenhum acordo com o PCC.” E, por último, a histórica “está tudo sob controle”. Foram afirmações que não resistiram aos fatos. Os chefes dos dois partidos decidiram que, diante do inevitável desgaste, ele teria de ser concentrado ao máximo no próprio Lembo. Não se esqueceram de combinar estratagemas para dividir o ônus do desgaste com o governo federal. De Nova York, o ex-presidente Fernando Henrique ajudou na estratégia de desgastar o governador ao criticar o acordo com o PCC. Maior interessado na sucessão paulista, o pré-candidato José Serra, também na metrópole americana, não fez nenhumamanifestação pública de solidariedade à cidade da qual acabou de ser prefeito. De resto, o atual prefeito Gilberto Kassab mandou avisar, enclausurado na sede municipal, que assunto de segurança pública não é com ele. Igualmente disse que a falta de ônibus nas ruas era um assunto das empresas privadas.

No Palácio do Planalto também se avaliou a situação no comando político do governo. O ministro da Coordenação Política viu-se forçado a admitir que não tinha como escapar da sua parcela de culpa por ter diminuído os investimentos em segurança pública. “Mas tem de haver uma divisão de responsabilidades”, pregou, mirando outra vez em Alckmin. De acordo com o site Contas Abertas, a segurança recebeu do governo Lula investimentos de R$ 211,9 milhões nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Distrito Federal. Isso é 37,4% menos do que o investido em 2001, quando a verba foi de R$ 338,6 milhões. Levada em conta a inflação, atualizada pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas, a queda nos investimentos foi de 61,2%. Segundo cálculos do diretor do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, Maurício Kuehner, para resolver o problema da superpopulação carcerária são necessários R$ 4,5 bilhões. É o que se paga em dois dias de juros da dívida externa.