Sob o manto da delação premiada,
a ex-assessora especial do Ministério
da Saúde, Maria da Penha Lino, contou o que sabe sobre a máfia das ambulâncias. De suas palavras no depoimento de seis horas, na noite da segunda-feira 8 à Polícia Federal, saíram acusações contra nada menos que 80 deputados federais e um senador. Eles são suspeitos de receber desde 2000 nada menos que R$ 15 milhões em propinas que variavam entre 10% e 15% sobre o preço de ambulâncias destinadas a centenas de municípios do País. Num setor em que a falta de verbas costuma ser apontada como responsável por todos os males, das filas nos hospitais à obsolescência dos equipamentos médicos, o volume do dinheiro desviado equivale ao de quase 200 ambulâncias. “Com esse desvio de dinheiro estamos decretando a morte de milhões de pessoas. Mais grave é o Congresso não punir esses deputados. São bandidos sem armas. Matam com canetas”, diz o ex-presidente da Associação Médica Brasileira Eleuses Paiva. Segundo ele, em um ano o dinheiro movimentado pela quadrilha atenderia 282 mil pessoas.

A Câmara dos Deputados, em tese a primeira instituição interessada na apuração rigorosa das acusações, entrou na história da pior maneira – enxugando, até onde foi possível, a listagem dos suspeitos de corrupção. Na quarta-feira 10, numa tarde inteira dedicada ao assunto, a Mesa da Casa coordenou seguidas ações de lipoaspiração que terminaram por reduzir a lista de suspeitos a apenas e tão-somente 16 deputados. Figuras de forte expressão no Parlamento, como o vice-presidente da Câmara, José Thomaz Nonô (PFL), o líder do PMDB, Wilson Santiago (PB), e o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ), todos eles delatados por Maria da Penha, ficaram de fora da investigação que a Câmara promete realizar. Quem permaneceu na lista lipoaspirada, é claro, esperneou. “É estranho que no final só tenha ficado deputado do baixo clero”, reagiu Almir Moura, do PFL do Rio. Ele é citado pelos mafiosos das ambulâncias nas escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal. O deputado Ricarte de Freitas, do PTB do Mato Grosso, lamentou que seu nome tenha sido jogado aos leões. Nega ser a pessoa que aparece nas escutas: “Simplesmente não sou eu”, jura. Na quinta-feira 11, o líder do PSB na Câmara, Paulo Baltazar (RJ), e o presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Casa, Isaías Silvestre, do PSB de Minas, pediram afastamento dos cargos até o final da apuração. Estão na lista dos 16.

Os deputados recebiam o dinheiro das propinas, segundo Maria da Penha, em espécie. O dinheiro entrava nos gabinetes nas cuecas, bolsos e malas dos
donos da Planam, a empresa acusada de fazer, desde o ano 2000, a maioria
das intermediações para a compra das ambulâncias. Entre os 81 parlamentares
e dois ex-deputados apontados por Penha está o senador Ney Suassuna, líder
do PMDB no Senado. “Deve ter cabra safado no meio, mas na Paraíba não tem isso”, reagiu ele. Ele admitiu, no entanto, ter conseguido empenhar no Orçamento
a compra de 29 ambulâncias, 13 delas adquiridas junto à Planam. “Estão me pegando para limão. Para espremer”, reclama. Conterrâneo do líder do PMDB
no Senado, o líder do PMDB na Câmara, Wilson Santiago, também está na lista. Negou ter recebido propina. “Graças a Deus, não!” Rodrigo Maia acredita que algum prefeito pode ter recorrido ao esquema para liberar emenda assinada por
ele. Thomaz Nonô também: “Não descarto a possibilidade de um prefeito desses ter se envolvido nesse esquema.”