No dia 3 de maio, o ex-ministro da Previdência Social Amir Lando foi espontaneamente à sala do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. Em um depoimento informal, mas bombástico, ele revelou como se concretizou a ponta que deu certo no esquema que foi arquitetado por Marcos Valério de Souza para irrigar com R$ 1 bilhão os projetos de poder do PT. Trata-se do processo que garantiu ao BMG privilégios no milionário negócio do crédito consignado. É sobre ele que o Ministério Público pretende se ocupar agora, na segunda fase da investigação que faz sobre o escândalo do mensalão. ISTOÉ obteve detalhes do que disse Lando. Para o ministro, os acertos com o BMG para operar o crédito consignado são o elo de uma conexão maior: a que transformava a Previdência Social em um festival de brechas e irregularidades que desviava, segundo cálculos de uma investigação que pediu à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em 2004, R$ 30 bilhões por ano. Um dia depois de conversar com Amir Lando, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal um pedido formal para que siga adiante a investigação sobre o escândalo do mensalão. Nesse pedido, estão previstos os depoimentos formais de Lando e do ex-presidente do INSS Carlos Bezerra. Foi por saber que essa convocação acabaria acontecendo que Lando se antecipou e demonstrou sua disposição de colaborar. “A Previdência era um queijo suíço. E, olhando agora de longe, a gente percebe que tudo o que ali aconteceu se encadeia”, disse Amir Lando nessa conversa com o procurador, conforme apurou ISTOÉ.

Segundo o ex-ministro, toda a negociação que abriu as portas do crédito consignado para o BMG se deu no Palácio do Planalto, capitaneada pelo ex-ministro José Dirceu. “A coisa não passava pelo Ministério. Era articulada na Casa Civil e operada diretamente no INSS”, afirmou Lando a Antônio Fernando de Souza. E a execução de tudo ficou a cargo do então presidente do INSS, Carlos Bezerra, que também será chamado a dar explicações. “Tudo era acertado na Casa Civil”, confirmou Bezerra, procurado por ISTOÉ. O ex-ministro deu pistas sobre como o BMG ganhou a pole position do negócio do crédito consignado. “Numa reunião fechada da CPI do Mensalão, o próprio Valério disse que o BMG era um banco ligado ao PT”, informou ele, no depoimento informal. O senador contou que o acerto foi feito com o BMG porque o banco já tinha experiência com crédito consignado em prefeituras do PT e associações sindicais. Lando disse ao procurador que, mais de uma vez, ouviu rumores de que estavam em curso “cobranças de vantagens” para possibilitar a habilitação dos bancos.

Formada por representantes do Ministério Público, da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União, existe uma força-tarefa que se destina a investigar exclusivamente falcatruas na Previdência Social desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Formalmente, os responsáveis por essas apurações ainda separam o caso específico do BMG com o crédito consigado de outros casos. Na verdade, porém, eles vão encontrando conexões. A maior ação movida pelo Ministério Público, por exemplo, datada de 1º de dezembro de 2004, encontra-se agora já em fase de inquérito policial. O INSS negociava um contrato para a locação de computadores para todas as suas agências. Valor: R$ 260 milhões. Um caso de visível superfaturamento: era possível, verificaram os procuradores, comprar, com sobra, os computadores que seriam alugados. A atual gestão do INSS comprovou isso na prática: equipou no início do ano as agências da Previdência com máquinas próprias que custaram, no total, apenas R$ 30 milhões. A ação do Ministério Público responsabiliza pela tentativa de maracutaia Carlos Bezerra e o então presidente da Dataprev, José Jairo Ferreira Cabral. Jairo foi uma indicação do PT, dizia-se amigo íntimo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E é aí que a história se aproxima de Dirceu: ele foi marido de Sandra Cabral, uma das principais assessoras da Casa Civil naquele período.

São outras conexões semelhantes que o Ministério Público procura agora obter com a ajuda de Amir Lando. O ex-ministro acredita que o relatório da Abin, que ele pediu, em vez de produzir conseqüências para melhorar o sistema de pagamento dos benefícios previdenciários, acabou sendo o responsável pelo seu afastamento da Pasta. Segundo o relatório preparado pelos agentes, o sistema Dataprev é “antiquado e inseguro”. Funcionários com acesso a ele teriam capacidade de entrar e modificar informações sem deixar registro. De acordo com um exemplo mencionado, contabilizava-se a informação de um pagamento de R$ 1 mil e efetivamente se pagavam R$ 700. A diferença era embolsada. “Quero fazer uma intervenção policial, se necessário, militar, na Dataprev”, reagiu Lula, quando foi apresentado ao relatório. Ao final, intervenção nenhuma foi feita. Por conta de um descuido, um dia Lando descobriu que sua disposição de corrigir a Previdência não era muito bem-vista. Ele atendeu ao telefone e ouviu: “Esse choque de gestão que o Lando está tentando fazer é requentado. Alerte o presidente.” “Como?”, respondeu Lando, sem entender. “Ah, meu Deus, desculpe!”, ouviu. Quem estava do outro lado da linha era ninguém menos que Sandra Cabral. Ela ligara para Lando por engano. Julgava que falava com outra pessoa.