O bloco do grampo na Bahia vai se desmobilizar no Carnaval. Mas, depois da Quarta-Feira de Cinzas, ele volta a se reunir, com suas diferentes alas. A da Polícia Federal recomeça os depoimentos, ouvindo as três principais vítimas políticas: os deputados federais Nelson Pellegrino, líder do PT na Câmara, Geddel Vieira Lima (PMDB), primeiro-secretário da Mesa, e o ex-deputado Benito Gama. A ala baiana dos grampos, formada por sete policiais da Central Única de Telecomunicações (Centel), da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, vai desfilar diante do delegado Gesival Gomes, do Departamento de Polícia Federal, depois de serem incriminados pelos dois abre-alas do cordão de indiciados: o diretor da Polícia Civil, Valdir Barbosa, e o técnico em comunicação Alan Faria. A ala política, que evolui discretamente em Brasília, tenta acertar o passo para não perder
o ritmo da investigação e o embalo da arquibancada: os figurantes do
PT e até do PFL admitem, sem elevar o tom, a gravidade das denúncias sobre 232 telefones interceptados pelo Grêmio Recreativo Escola de Grampos da Bahia. Apontado como um grande destaque da escola, Antônio Carlos Magalhães guardou o trombone e se manteve recolhido
na concentração de Salvador, enquanto aguarda a hora da verdade diante dos jurados na avenida.

A primeira parte do inquérito da PF já identificou os autores do grampo:
é a dupla formada pelo delegado Barbosa e pelo técnico Farias, comandando um grupo de policiais da Centel que atuam juntos desde
os tempos em que Kátia Alves, ex-secretária de Segurança e amiga de ACM, chefiava a 12ª Delegacia de Polícia de Salvador. O escrivão D’Artagnan Francisco Pinheiro confessou que algumas gravações eram feitas no gabinete do próprio Valdir Barbosa ou na sala ao lado, de
Alan Farias. “Toda a equipe tinha acesso direto a Kátia Alves”, complementou Farias, botando todo o bloco no mesmo enredo de grampos e telefones. Terminada a primeira bateria de depoimentos,
a PF indiciou Barbosa e Farias pelos crimes de interceptação ilegal
e falsidade ideológica. Ficou faltando o mandante.

A PF e o Ministério Público estão juntando indícios que apontam, cada vez mais, para ACM. “Os rastros são suficientes, mas vamos reunir o máximo de provas possíveis para identificar o mandante”, avisa o procurador Edson Abdon. “A reportagem de ISTOÉ, acrescida dos depoimentos do deputado Geddel e do casal Plácido Faria e Adriana Barreto (a ex-amante de ACM), forma um conjunto de indícios contundentes”, diz o delegado Gomes, referindo-se à denúncia publicada em ISTOÉ 1743 com as confissões de ACM, admitindo ao repórter Luiz Cláudio Cunha que mandou grampear Geddel. As investigações não se concentram nos depoimentos. Discretamente a PF e o MP pediram a quebra do sigilo telefônico dos envolvidos que podem atestar a estreita ligação do grupo. No sábado 22, no almoço dos governadores com o presidente Lula na Granja do Torto, o governador baiano Paulo Souto, que se faz de surdo no meio da folia, evoluiu com alguns colegas: “O Antônio Carlos se reelegeu com três milhões de votos, elegeu o governador, fez o outro senador e trouxe ainda 22 deputados federais. Voltou a Brasília para se preocupar com o Geddel, que elegeu dois deputados. Ficou maluco?”, perguntava-se, diante do espanto geral. No dia seguinte, num café da manhã no Palácio da Alvorada, Lula recebeu os líderes do PMDB e ouviu uma olímpica declaração de princípios do presidente do Senado, José Sarney: “Eu já fiz a minha parte com a renúncia de ACM à comissão de Constituição e Justiça”, disse Sarney, lavando as mãos sobre os desdobramentos do escândalo.

Tambores ao longe mostram que o cacique do PFL baiano corre o risco
de sambar sozinho. “As denúncias foram arrasadoras”, lamentou-se o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, com Sarney. “A situação é irreversível”, diz um dileto amigo de ACM no Senado, sob anonimato.
“A solidariedade, aqui no Congresso, passa longe e costas. Tudo
tem limite. Cada um cuida de si”, explica um deputado pefelista. Publicamente, o PFL dá sustentação ao samba-enredo do senador:
“Não há por que duvidar da palavra de Antônio Carlos. Mas o comando
do processo é a consistência dos fatos”, ressalva o líder do partido no Senado, José Agripino Maia, com um olho na lealdade e outro na realidade. Mais fiel ao velho instinto de sobrevivência, os aliados
avisam: “O PFL não vai se suicidar.”

O temor de novas provas, que acabam desmentindo a veemência do senador, como no caso do painel violado em 2001, deixa os políticos desconfiados. E muitos pensam no dia seguinte. No coração do carlismo, uma bizarra manobra de fuga começou a ser discutida para salvar ACM do desastre. Consiste numa renúncia tríplice, antes da abertura formal do processo de cassação no Conselho de Ética. Por esse ardil, ACM e seus dois suplentes – Hélio Correia de Mello e seu filho Antônio Carlos Júnior – renunciariam juntos para forçar uma nova eleição na Bahia no prazo legal de 30 dias. Seria o truque para ACM tentar, pela terceira vez, voltar ao Senado. Falta apenas combinar o golpe com os 7,5 milhões de eleitores baianos. A idéia é tão absurda que nem mesmo gente do PFL concorda com ela: “Se isso acontecer, o Congresso se desmoraliza. Seria uma manobra tão vergonhosa que o Senado logo encontraria uma fórmula de emergência para evitar o retorno de ACM”, reconhece um fiel aliado do PFL.

O presidente do Conselho de Ética do Senado, Juvêncio da Fonseca (PMDB), que comanda a comissão externa para acompanhar as investigações do grampo, decidiu precipitar a abertura do processo político: depois do Carnaval, Fonseca vai apresentar um relatório parcial para obrigar o Conselho de Ética a se reunir. “Se for provocado, eu abro o processo de cassação. Já há condições para isso”, diz o senador. Internamente, Fonseca é muito mais contundente: “Estou convencido do envolvimento de ACM. A questão agora é política”, disse ele, num almoço em Brasília com 17 senadores do PMDB, na quarta-feira 26, no apartamento de Ney Suassuna.

No Conselho de Ética, o advogado Plácido Faria promete desembarcar depois do Carnaval com um depoimento explosivo, que inclui até mesmo uma acareação com o senador. Além de tudo o que já disse na PF, Plácido está se oferecendo para depor no Senado e detalhar a ameaça
de morte que recebeu, semana passada, em São Paulo, quando fazia
seu cooper matinal. Uma mulher, que se identificou como Virgínia, ligando de um telefone público de Salvador, ameaçou: “Pare, estou lhe avisando. Você não aguenta. Você vai acabar morrendo…” Ameaças e propostas tentadoras começaram a sobrevoar o casal. ACM estaria prestes a denunciar a ex-amante à Receita Federal por não declarar as jóias
que ele lhe deu. Na terça-feira 18, o empresário Carlos Laranjeira,
ex-executivo da OAS e atual assessor financeiro de ACM, foi visto entrando na residência dos pais de Adriana, em Salvador. De lá, pelo telefone, ele conversou com Adriana e se ofereceu para encontrar o casal. “Será muito bom para vocês”, disse, sem dar detalhes. Plácido mandou desligar o telefone, recusando a sondagem. Perguntado por ISTOÉ sobre a tentativa de chantagem, Plácido desconversou:
“Não confirmo nem nego.”

Para quem teme o caráter inflamável de uma acareação entre ACM e o casal, Plácido tranquiliza: “ACM não vai colocar questões pessoais na mesa. Se fizer isso, Adriana pode muito mais. Nem eu conheço detalhes da intimidade entre os dois.” A tática de Plácido e Adriana de falar muito, falar tudo, é ditada pela sobrevivência. E, para garantir a vida do técnico Alan Farias, que sabe muito sobre o grampo e pouco fala, Plácido aconselha: “A única proteção dele seria contar toda a verdade. Se ele continuar calado, pode ser morto.” Se ele resolver falar, a PF vai chegar a um personagem ainda protegido pela sombra: o coronel Christovam Rios de Brito, que estreou no Palácio de Ondina em 1975, quando reinava o governador ACM. De lá para cá, incluindo outros dois mandatos de Antônio Carlos e seus afilhados César Borges, Otto Alencar e Paulo Souto, o coronel Rios foi o poderoso chefe da Casa Militar. “Ele é intocável e peça-chave no esquema dos grampos na Bahia”, acusa Geddel. “Apesar de tudo o que aconteceu, meu telefone segue grampeado. O coronel Rios comanda o processo de grampos da Banda B. Continua tudo igual na Bahia”, acusa Plácido.

PT PEDE PROCESSO CONTRA ACM

A semana acabou mal para Antônio Carlos Magalhães. Numa reunião no final da tarde da quinta-feira 27, a bancada do PT no Senado resolveu sair da toca. Dez dos 14 senadores do partido encaminharam ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB), e ao presidente do Conselho de Ética, Juvêncio da Fonseca (PMDB), o pedido formal para abertura do processo de cassação contra o cacique baiano. O pedido é encabeçado pelo líder do governo no Senado, Aloízio Mercadante, e pelo líder petista Tião Viana. Os dois, mais a senadora Heloisa Helena (AL), depois de lerem a reportagem “Confissões de ACM”, publicada na edição 1743 de ISTOÉ, conversaram com os jornalistas Luiz Cláudio Cunha e Weiller Diniz, autores da matéria, e decidiram convocar uma reunião da bancada. Os senadores do PT estão convencidos de que
já há indícios envolvendo ACM. Agora, o presidente do Conselho
terá de indicar um relator e iniciar as providências para ouvir testemunhas e solicitar outras diligências. Ainda na quinta-feira 27,
o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, apresentou a denúncia contra ACM, o deputado José Roberto Arruda e a servidora Regina Borges pela participação na violação do painel eletrônico do Senado, ocorrida em 2000. Arruda e ACM renunciaram para evitar
a cassação e a perda dos direitos políticos. “A renúncia evidencia indício da prática criminosa, possivelmente perpetrada pelos denunciados Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda”, concluiu Brindeiro em seu parecer, que irá agora para análise da ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal.