Transformado em Estado há 22 anos quando deixou de ser território gerido pelo governo federal, Rondônia coleciona na sua curta história de independência farto noticiário policial envolvendo os poderosos locais. Nesse período, os eleitores amargaram a cassação do senador Ernandes Amorim por abuso de poder econômico e de três deputados federais por corrupção ou envolvimento com tráfico de drogas – Jabes Rabelo, Nobel Moura e Raquel Cândido. Em 1990, o senador Olavo Pires foi metralhado e, em setembro, um mês antes da votação, o recém-eleito senador Valdir Raupp foi condenado a seis anos de prisão por peculato. Autoridades do Estado se acusam mutuamente por crimes pesados como estelionato, fraude, agressão, corrupção, abuso de poder econômico, compra de votos nas eleições, abuso de poder político, improbidade administrativa e até destruição de documentos públicos. A troca de acusações envolve deputados, juízes e conselheiros do tribunal de contas. Na semana passada, o Ministério da Justiça mandou uma força-tarefa ao Estado para investigar os crimes cometidos com o envolvimento de autoridades.

Há três semanas o governador Ivo Cassol (PSDB) pediu ao ministro
da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, intervenção federal. Com pouco
mais de 40 dias de mandato e antes mesmo da abertura formal dos trabalhos na Assembléia Legislativa, Cassol sugeriu a mais radical das soluções para um impasse político entre o Executivo e o Legislativo. Denunciou que está sendo ameaçado, reforçou a segurança de sua família, suspeita que seus telefones estejam grampeados e estuda até utilizar um carro blindado. O governador considera o Estado ingovernável. Alegou que os parlamentares não estão dispostos a cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e não têm como justificar os R$ 77 milhões de orçamento previstos para este ano. “O orçamento é muitas vezes
maior que os gastos previstos”, reclama.

Cassol obteve apoio dos outros sete governadores do PSDB, que em
nota oficial consideraram a situação em Rondônia “muito grave”, necessitando de “medidas saneadoras e moralizadoras urgentes que restabeleçam as condições mínimas de governabilidade”. Com uma bancada de apenas dois parlamentares fiéis, o governador não conseguiu nem mesmo influenciar na eleição da mesa diretora da Assembléia e está com medo que os deputados aprovem seu impeachment. A escolha da mesa diretora causou estranheza a Cassol. Ele não conseguiu falar com os parlamentares, nem mesmo pelo telefone, sobre a eleição porque os deputados desapareceram e só retornaram a Porto Velho horas antes
da escolha. Dos 24 deputados estaduais, apenas quatro não respondem
a algum tipo de processo na Justiça.

Desde agosto o presidente da Assembléia, Carlão de Oliveira (PFL), está sendo processado pelo Ministério Público Eleitoral por ter incentivado a invasão de terras da reserva indígena Jaci-Paraná. O deputado ainda responde por estelionato desde setembro de 2000 quando foi indiciado na 1ª Vara criminal de Porto Velho. Há um mês Carlão responde a outro processo na Justiça comum pelo crime de “supressão de documento público”. É que em junho de 2001 ele ajudou o então presidente do Legislativo estadual, o empresário Natanael José da Silva, a queimar documentos contábeis e destruir computadores da Assembléia. “Desconheço qualquer processo contra mim. Se existe, ainda
não fui notificado”, garante Carlão.

Os documentos tinham sido requisitados pela Justiça a pedido dos promotores que investigavam desvio de dinheiro do Legislativo. Mas Natanael, Carlão e um grupo de policiais militares e funcionários da Assembléia impediram com violência o trabalho de oficiais de justiça e promotores. Os documentos procurados seriam as provas definitivas do desvio milionário dos cofres da Assembléia nos últimos anos. Do dinheiro público desviado do Legislativo, quase R$ 1 milhão foi parar na conta da Dismar – Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda. –, maior distribuidora da cerveja Skol no Estado e cujo dono é Natanael.

O empresário que concorreu e perdeu as eleições para governador é o pivô da crise entre a Assembléia e Cassol. Natanael foi indicado para conselheiro do Tribunal de Contas numa sessão extraordinária em 22 de janeiro, ainda com os deputados em fim de mandato, convocados durante as férias exclusivamente para aprovar o nome de Natanael. Tudo isto antes mesmo de ter uma vaga, que só passou a existir há duas semanas com a aposentadoria, às pressas, do conselheiro Hélio Máximo Pereira. Na mesma noite da aprovação, o próprio empresário foi à casa de Cassol levando o decreto do Executivo redigido e datado, faltando apenas a assinatura do governador e a publicação no Diário Oficial. “Ele me ameaçou. Disse que teria um inimigo se não assinasse o decreto. Recusei a imoralidade”, contou Cassol, que conseguiu no Supremo Tribunal Federal suspender a nomeação até que os deputados de Rondônia adaptem a constituição do Estado aos mesmos critérios dos demais tribunais de conta e do TCU. Dos requisitos para ocupar o posto no TCE, Natanael só cumpre um: o da idade mínima.

A crise na escolha do nome para o Tribunal de Contas reativou
outro tiroteio entre autoridades. O deputado Chico Paraíba (PMDB) –
que sempre se refere ao governador como “o mateiro” – também
acusa Amadeo Machado, conselheiro e ex-presidente do Tribunal de Contas, de estar por trás da resistência de Cassol ao nome de Natanael para o TCE. Paraíba lembra que em 2001 uma CPI da Assembléia descobriu uma fraude feita por Machado em documentos de cartórios.
O objetivo do conselheiro, segundo Paraíba, foi aumentar a área de
um terreno em Porto Velho de 7.500 metros quadrados para 750
hectares e receber a indenização de R$ 4,6 milhões pagos pelo Estado. Machado nega a fraude e garante que a indenização é legal. “O
deputado Chico Paraíba é um imbecil e a nomeação do empresário Natanael é um desapreço da Assembléia ao trabalho do Tribunal”,
rebateu o conselheiro, acusado por Paraíba de manter, com o filho,
um site apócrifo de ofensas a parlamentares.

Única deputada estadual nascida em Rondônia, Ellen Ruth, que em poucos dias de mandato trocou o PSDB pelo PPB, responde a cinco processos na Justiça. Um deles, por compra de votos no dia da eleição. A PF chegou a apreender numa chácara uma caixa cheia de dinheiro que estava sendo usado pelo comitê da deputada para comprar votos. Ruth diz que desconhece os processos. Ex-presidente da Assembléia por quatro anos, o deputado Marcos Donadon (PTB) também terá que explicar à Justiça por que pagou R$ 8 milhões a título de publicidade a apenas um grupo de comunicação, e gastou outros R$ 8 milhões do orçamento do Legislativo pagando funcionários fantasmas. Os procuradores descobriram que a maior parte deste dinheiro depositado em contas de “fantasmas” foi parar em contas bancárias controladas por Donadon, que ainda tem uma dívida de quase R$ 20 milhões com o Fisco estadual.

Com tantos desmandos, os deputados resolveram evitar escândalos impedindo os promotores públicos de falar sobre os processos e acabando com a autonomia administrativa e financeira do Ministério Público. Em junho de 2001, a Assembléia aprovou emenda à Constituição estadual pondo fim à autonomia financeira dos promotores e dando poderes aos deputados para destituir o procurador-geral de Justiça. Esta emenda foi aprovada logo depois da ordem de busca e apreensão que motivou a queima de documentos por parte de Natanael da Silva e de Carlão de Oliveira. Um ano depois, outra emenda dos deputados transformou Rondônia no único Estado a adotar a “lei da mordaça” para os procuradores, inclusive federais.

Caso os deputados sejam julgados culpados pelos crimes ainda durante o mandato e cassados, os procuradores e a Justiça ainda terão muito trabalho pela frente. É que vários suplentes dos atuais parlamentares também estão sendo processados por crimes graves. Alguns já foram condenados. Um dos suplentes é Jabes Rabelo, deputado federal cassado por envolvimento com o tráfico de drogas. Para acompanhar as investigações, chegaram a Boa Vista na terça-feira 25 o delegado Paulo Lacerda, diretor-geral da Polícia Federal, e Sérgio Sérvulo, chefe de gabinete do ministro da Justiça.