O gênio matemático John Nash é hoje, provavelmente, o portador de esquizofrenia mais conhecido no mundo. A história do americano, vencedor do prêmio Nobel de Economia de 1994, chamou a atenção
da indústria cinematográfica e gerou um
longa-metragem também campeão: Uma mente brilhante, ganhador do Oscar de
melhor filme deste ano. Além de faturar
a estatueta dourada, a obra conseguiu mostrar que a doença, apesar de incurável, não é atestado de incapacidade para a
vida. Pelo contrário. Ele dá o recado que muitos médicos se esforçam em passar inclusive para os colegas: com tratamento regular, a esquizofrenia é controlada e o paciente pode
tocar seu cotidiano sem maiores empecilhos.

Alguns especialistas até pensam em usar a história do matemático numa campanha de esclarecimento. Um ponto, entretanto, é indiscutível: o longa faz com que o telespectador mergulhe nas crises alucinatórias
– a característica mais notória desse distúrbio – de Nash e entenda
um pouco o que o doente padece. O paulistano Fernando Ribeiro, 23 anos, viu o filme com 20 amigos, que gostaram da forma como foi apresentada a esquizofrenia (marcada também por pensamentos confusos, apatia e dificuldade de compreensão). Eles podem falar com conhecimento de causa. São portadores. “Eu já me vi tocando no programa do Jô Soares”, conta Ribeiro, que nunca pisou no palco.

No Brasil, como no mundo, estima-se que o mal atinja 1% da população. Mas aqui há um agravante. “A maioria não tem o diagnóstico e não recebe o tratamento. Isso acarreta sofrimento pessoal e tem consequências terríveis do ponto de vista familiar e social”, diz Miguel Jorge, ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. Há chances de esse cenário mudar, mas é preciso um esforço grande. Ribeiro, que pinta telas e faz um curso de reciclagem de papel, já faz sua parte. Ele integra um grupo que encara a esquizofrenia com garra e não apenas como um modo de controlar a doença. No Projeto S.O.eSq., em São Paulo, junto com portadores e profissionais de várias áreas, ele luta para que o preconceito e a desinformação não sejam inimigos tão cruéis. Por causa desses problemas, é comum que enfermos abandonem o tratamento e acabem, por sua vez, abandonados pela sociedade.

O Projeto S.O.eSq., ligado ao programa Open the Doors (Abra as portas), da Associação Mundial de Psiquiatria, visa combater o estigma, melhorar a qualidade de vida e integrar os portadores à comunidade. “A esquizofrenia é tida como o mal do sujeito violento, de dupla personalidade. Ou da pessoa preguiçosa e irresponsável. Nosso trabalho
é gerar informação para evitar essas distorções”, diz a terapeuta ocupacional Cecília Villares, coordenadora do projeto.

Equívocos desse tipo também acontecem entre os portadores. A jovem R. M., 24 anos, teve um surto psicótico em 1999. Em meio à crise, acreditava que a televisão conversava com ela. No início do tratamento, R. se sentia incapaz até de conversar com os outros pacientes. Com a terapia, isso mudou. No S.O.eSq., ela decidiu participar de uma oficina literária. “Por causa do delírio, tinha bloqueado a imaginação. Com a escrita, percebi que consigo usá-la sem o medo de ter alucinações”, comenta. R. é uma das autoras de um livro a ser publicado com a ajuda do projeto. A obra não trará apenas experiências dos portadores. Há também textos ficcionais e poesias.

Histórias como essas mostram que elevar a auto-estima do paciente
é fundamental. Uma pesquisa feita pelo psiquiatra italiano Carlo
Altamura, apresentada durante um congresso ocorrido em outubro,
na Espanha, revelou que mais de 80% das tentativas de suicídio de
103 pacientes estudados se deviam à falta de esperança. Outros
motivos eram a depressão e, em menor grau, o surto psicótico. “Essas pessoas eram, geralmente, homens jovens e desempregados”, afirmou. Segundo o psiquiatra Hélio Elkis, coordenador do Projeto Esquizofrenia
do Hospital das Clínicas de São Paulo, o risco de suicídio entre os portadores é dez vezes maior do que na população em geral. Outro motivo para agir contra o estigma. “É mais comum que esse perigo
ronde quem não responde aos remédios”, explica. A boa notícia é que
o tratamento mudou muito nos últimos anos, dando mais esperança
aos pacientes. De acordo com Elkis, uma maneira de contribuir para a qualidade de vida do portador é treinar habilidades, como a pintura.
“Eles passam a se gostar mais”. Outra é aumentar o conhecimento dos mecanismos do cérebro. Felizmente, isso a ciência tem feito direitinho.

Remédio inteligente

Em 2003, deve chegar ao mercado mais um representante da nova geração de medicamentos contra a esquizofrenia, o aripiprazol (em fase de aprovação nos EUA e no Brasil). Ele pertence a uma classe
de drogas inteligentes. Explica-se. Como ainda não há cura, os remédios ajudam a controlar os sintomas e diminuir surtos e danos.
O problema é que causam fortes efeitos colaterais, como comprometimento dos movimentos e aumento de peso. As primeiras drogas, por exemplo, “endureciam” os usuários. Elas inibiam em áreas distintas do cérebro a produção de dopamina, substância associada
à doença e à locomoção. A nova classe bloqueia a dopamina em certas regiões, mas age em seu favor em outras, diminuindo alguns efeitos. Medicamentos como esse servem para atenuar sintomas específicos. Há opções mais potentes. O psiquiatra define a alternativa em função da relação custo x benefício.