Imagine uma cidade invadida por um bandido inteligente, portador de munições diferentes contra suas vítimas. Para combatê-lo, seria preciso reforçar ao máximo o contra-ataque. Essa comparação pode ser usada para exemplificar o que os cientistas estão fazendo contra o câncer. A doença, tal qual o bandido, age no corpo com a mesma esperteza. Cada tipo de tumor usa uma estratégia própria para se multiplicar e ganhar força. Por isso, nos últimos anos a ciência investiu na criação de técnicas engenhosas o suficiente para detectar a presença do câncer o mais cedo possível – fundamental para que as chances de vitória aumentem – e driblar tamanha diversidade na forma de ataque. Felizmente, essa tarefa vem sendo cumprida com sucesso. Novas terapias estão abrindo outras frentes de combate e métodos de diagnóstico cada vez mais sofisticados permitem identificar as chances de um indivíduo ter câncer, mesmo que, no momento, ele não apresente uma só célula doente. Drogas de última geração – que não danificam os tecidos sadios – começam a ser testadas, inclusive no Brasil, e o tratamento está mais humanizado. Além de vários recursos contra o tumor, o paciente começa a contar com maiores cuidados para amenizar sua dor e suprir outras necessidades, como reaprender a andar depois de um longo período sobre uma cama.

E o futuro, ao que parece, também reserva boas notícias. Na semana passada, por exemplo, um cientista brasileiro anunciou a descoberta
de compostos que impedem, em animais, a proliferação do tumor.
Na Inglaterra, outro grupo informou avanços no desenvolvimento
de um remédio feito à base de vinho tinto e nos Estados Unidos pesquisadores divulgaram a eficácia de uma vacina experimental
que mata de fome as células doentes. São progressos alentadores. “Avanços como esses contribuem para que os pacientes vivam mais
e com melhor qualidade de vida”, diz Renato Gonçalves Martins, oncologista do Instituto Nacional de Câncer, no Rio de Janeiro.

Um dos novos recursos é a terapia fotodinâmica (photo dinamic therapy ou PDT), que combate vários tipos de tumores com a aplicação de raios laser e de uma droga sensível a essa luz. O método – diferente das estratégias mais comuns contra a doença – foi desenvolvido por russos, chineses e americanos e está disponível no Brasil no Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, no interior de São Paulo. “O tratamento com a fototerapia não causa dor, não tem efeitos colaterais, dispensa anestesia e internação”, afirma o cirurgião Guilherme Cestari, 60 anos, coordenador do serviço de PDT de Jaú. A PDT começa um dia antes da aplicação do laser, quando o paciente toma uma injeção de hematoporfirina, substância derivada do sangue que percorre o corpo e é eliminada pelas células sadias. “No entanto, ela fica retida nas células tumorais e nos vasos que alimentam o câncer”, explica Cestari. No período que separa a injeção da aplicação do laser, o paciente precisa ficar protegido da luz, em um quarto escuro. Quando é bombardeada pelo raio, a hematoporfirina reage com o oxigênio das células doentes, criando compostos que a levam à morte. “É uma ação seletiva, que não lesa tecidos saudáveis e pode ser repetida”, garante o físico Vanderlei Bagnato, 44 anos, da Universidade de São Paulo, campus de São Carlos (SP). O cientista, que trabalhou em equipes premiadas com o Nobel de Física, trouxe a técnica da Rússia e foi o pioneiro no seu estudo no Brasil, feito com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Aplicações – Nos últimos quatro anos, mais de 300 pacientes foram tratados pelo método. Na maioria, pessoas que apresentavam estágio avançado da doença ou estavam em condições inadequadas para a remoção cirúrgica dos tumores. “Bem aplicada e indicada,
a técnica elimina boa parte dos tumores de pele, por exemplo”, diz Cestari.
Outra entidade que implantará a PDT
é o Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. A previsão é de que até o fim deste
mês a técnica esteja disponível na instituição. No estágio atual de desenvolvimento, a aplicação mais bem-sucedida da terapia é contra tumores superficiais de pele (classificados como basocelulares e espinocelulares). Porém, não serve para tratar o tipo mais agressivo
de câncer de pele, o melanoma. Também mostra êxito contra tumores
na cabeça e pescoço, boca, nariz e garganta. Sua aplicação poupa as pessoas de intervenções agressivas. No caso dos tumores na região
do pálato, por exemplo, livra alguns pacientes da retirada do céu da
boca e, algum tempo depois, de sua reconstrução. “Com a terapia, escapei de uma cirurgia que removeria o céu da minha boca”, conta
o motorista José Roberto do Carmo, 45 anos, tratado há três anos.
Um dos avanços mais recentes foi o tratamento de um tumor inicial
de estômago com a ajuda de um endoscópio (aparelho usado para a realização do exame endoscopia), ao qual foram acoplados dois cabos
de fibra óptica que levaram até o interior do organismo a descarga de laser. O oncologista Agnaldo Anelli, do Hospital do Câncer de São Paulo, porém, alerta para a necessidade de acompanhamento regular dos pacientes após a aplicação da PDT. “A terapia tem mais chances de deixar alguma célula maligna escapar do que a retirada cirúrgica do tumor, quando é tirada uma área de segurança em volta”, diz.

Um dos entraves à popularização da terapia é o custo do laser. O
preço do equipamento do Hospital Amaral Carvalho é de US$ 120 mil. Empenhado em baixar cifras, o grupo do físico Bagnato criou um
novo aparelho muito mais barato. O invento – um belo exemplo dos
bons frutos que podem ser obtidos quando universidade e instituições
de atendimento direto à população se unem – foi anunciado na
sexta-feira 8. Os cientistas descobriram que a hematoporfirina,
a droga que reage com o laser para matar as células doentes, sofre
os mesmos efeitos ao ser iluminada por um tipo de luz chamada LED. Trata-se daquela prosaica luzinha vermelha que fica ligada quando
se desliga a tevê. Bagnato acredita que o aparelho brasileiro possa
ser comercializado por menos de R$ 10 mil.

Além de usar outra estratégia contra o tumor – a luz –, o método também está na categoria de uma das mais novas armas anticâncer: a das técnicas e remédios que miram somente as células doentes para que os tecidos sadios sejam preservados. São as terapias de alvo direcionado. Dois medicamentos integrantes dessa classe estão sendo avaliados em vários estudos mundiais, alguns conduzidos por instituições brasileiras. São o Iressa e o Tarceva. O surgimento de drogas desse tipo é consequência dos avanços no conhecimento das células tumorais. Já se sabe, por exemplo, que, nelas, proteínas específicas são produzidas em quantidades maiores do que o normal. Funcionam, por isso mesmo, como um sinal de que algo está errado. Descobriu-se também que a ação dessas proteínas depende de uma enzima, a tirosinaquinase. Foi nessa engrenagem – característica das células doentes – que os especialistas colocaram uma pedra no caminho do câncer, impedindo a ação dessas substâncias. “As novas drogas inibem a atividade da enzima, interrompendo as mensagens e desligando esse mecanismo”, explica o oncologista Artur Katz, do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo. Como atingem só o tumor, o que está em volta fica preservado. Ou seja, os remédios causam menos efeitos colaterais.

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O Iressa tem sido testado para câncer de pulmão. O remédio não deu resultados animadores nos estudos que avaliaram seu desempenho em conjunto com os quimioterápicos. Porém, novos protocolos de pesquisa estão revelando que ele tem ação nos tumores avançados de pacientes que já fizeram quimioterapia e interromperam o tratamento. No Brasil, instituições de vários Estados participam dos estudos. “Em pacientes já submetidos aos outros tratamentos, 40% tiveram melhora importante de sintomas como tosse e falta de ar. E, entre eles, cerca de 15% tiveram diminuição do tumor”, diz Katz, responsável pelas pesquisas no Einstein. O advogado César (nome fictício), 51 anos, é um dos que participam dos estudos. Ele já retirou um tumor do pulmão, fez quimioterapia, mas descobriu outro câncer no órgão. “Tomo o remédio diariamente e os exames mostram que a doença está sob controle”, conta. A estimativa é de que o Iressa esteja disponível no Brasil a partir de março de 2003.

O outro míssil contra as células malignas começou
a ser testado há três semanas no hospital paulista. O Tarceva está sendo testado em um estudo internacional com oito mil pacientes de câncer
de pâncreas avançado ou com metástase (a expansão do tumor para outros tecidos). Uma
parte dos pacientes tomará o medicamento
junto com a quimioterapia. A outra usará só
o tratamento convencional. “É preciso estudar
a eficácia dessas novas drogas. Há uma esperança
de que o Tarceva melhore os resultados em
câncer de pâncreas, até agora desanimadores”, diz o oncologista René Gansl, coordenador dos estudos no Einstein. Também há centros de pesquisa e vagas para doentes que não fizeram quimioterapia em Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre. Porém, não há consenso entre os especialistas sobre
a eficácia do Iressa e do Tarceva.

Se há avanços no tratamento, também existe o que comemorar na
área de diagnóstico, fundamental na briga contra a doença. “Quando descobertos cedo, os tumores têm maiores chances de cura”, afirma Ricardo Brentani, presidente do Hospital do Câncer, em São Paulo.
Graças aos conhecimentos adquiridos com o Projeto Genoma, estão sendo criados métodos cada vez mais requintados para saber o risco
de uma pessoa ter câncer. Um exemplo é o trabalho do bioquímico
Luiz Fernando Reis, do Instituto Ludwig, de São Paulo. Sua equipe identificou grupos de genes alterados que geralmente estão presentes
no câncer de estômago. A façanha permitirá descobrir se um paciente com uma lesão no órgão aparentemente inofensiva (chamada lesão
não-tumoral) pode se tornar um tumor mais tarde. Para isso, basta checar se a lesão tem algum dos genes vilões. “A possibilidade de
saber antecipadamente que uma lesão benigna poderá evoluir para
um câncer permite um tratamento preventivo”, justifica Reis. O teste está sendo avaliado em alguns pacientes, mas não há previsão de
quando estará disponível. No entanto, outros exames estão acessíveis.
É possível detectar por meio de testes do gênero as chances de
surgirem tumor de mama e de intestino, por exemplo. Se o resultado
for positivo, parte-se para a prevenção. No câncer de mama, faz-se acompanhamento a cada seis meses. Para o tumor de intestino, é
preciso submeter-se a um exame semestral de colonoscopia.

Para o futuro, a ciência promete ainda mais. E uma das apostas é brasileira. Na semana passada, o químico Antônio Carlos Caires, da Universidade de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, anunciou a descoberta de compostos que impedem o crescimento do tumor e também que ele se espalhe pelo corpo. A intenção é transformá-los em drogas contra a doença. Caires desenvolveu as moléculas baseando-se na estrutura do paládio. Isso porque compostos derivados desse metal bloqueiam a ação de uma das principais enzimas responsáveis pelo crescimento do tumor e pela metástase.

Testes – As substâncias criadas pelo químico foram aplicadas em
ratos com um tipo de câncer muito agressivo. “As células cancerígenas desapareceram e não observamos efeitos colaterais nos animais”,
garante o pesquisador, que teve seu trabalho financiado pela Fapesp
. O próximo passo será testar os compostos em seres humanos.
O oncologista clínico Antônio Buzaid, do Hospital Sírio Libanês, de
São Paulo, reforça que realmente é necessário estudar a ação das moléculas no homem. “A maior parte das drogas que funcionam
em animais não tem o mesmo efeito nos seres humanos”, diz.

Outra notícia promissora também foi revelada na semana passada pela revista Nature. Pesquisadores do Instituto Scripps Research, na Califórnia (EUA), provaram a eficácia de uma estratégia perseguida há tempos pela ciência. O trabalho, coordenado há dois anos pelo cientista Ralph Reisfeld, resultou na criação de uma vacina que bloqueia o crescimento dos vasos sanguíneos que nutrem o tumor. Dessa forma, a célula cancerígena não recebe nutrientes e oxigênio e acaba morrendo. “A vacina impediu a ação de uma substância presente na parede da célula que ajuda na formação dos vasos sanguíneos”, explicou Reisfeld a ISTOÉ. O remédio foi ministrado em ratos, mas será testado em humanos. E, entre tantas outras pesquisas, uma chama a atenção pelo inusitado. Um estudo da Universidade de Leicester, na Inglaterra, analisou a atividade de uma substância presente no vinho tinto e no suco de uva, o reverastrol. Estudos em laboratório mostraram que o composto pode evitar o aparecimento do câncer. Após aplicar doses diárias de uma droga à base de reverastrol em ratos saudáveis, os cientistas perceberam que o sistema imunológico dos animais se fortaleceu. Isso significa que o organismo dos roedores estaria mais preparado para se defender das agressões às células, como o aparecimento de um câncer. A partir de 2003, a droga será testada em humanos.

É verdade, porém, que, apesar de todos os avanços, ainda não foi encontrada uma solução para um problema antigo que ronda a doença: o estigma. Alguns dos pacientes procurados por ISTOÉ não quiseram participar da reportagem. Eles têm medo, por exemplo, de ser discriminados no trabalho (temem ser considerados incapazes para a realização das tarefas). É uma pena que eles ainda sejam vítimas do preconceito. As vitórias mostram que não só o doente pode ser curado como também continuar vivendo com qualidade, mesmo em tratamento.

ALHO para e L E S !

Comer alho, cebola e cebolinha verde todo dia ajuda a evitar o câncer de próstata. A garantia é dada pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, com base em um estudo divulgado na semana passada. Ao comparar os hábitos alimentares de 471 chineses saudáveis com outros 238, estes atingidos pela doença, os pesquisadores concluíram que o consumo diário de dez gramas dos alimentos – hábito do grupo sadio – pode proteger contra esse tipo de tumor. A ação é atribuída a compostos encontrados nesses vegetais, os sulfetos. Eles são responsáveis pelo odor forte e por um efeito inibidor da proliferação de células alteradas.

Em geral, uma dieta rica em frutas, legumes e verduras ajuda a prevenir o câncer. “Consumir 400 miligramas por dia do mineral selênio e 200 miligramas de vitamina E também protege a próstata”, diz o urologista Álvaro Sarkis, do Hospital do Câncer de São Paulo. O mineral pode ser encontrado na noz e a vitamina E aparece em quantidade nos cereais integrais. O licopeno, substância presente no tomate e no morango, entre outros, é mais um na lista de protetores da saúde. Sua absorção é maior depois do cozimento e aumenta, no caso do tomate, com um pouco de azeite de oliva.


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