Secretário de Educação do Estado de São Paulo, Gabriel Chalita, defende afeto como forma de melhorar a escola

Gabriel Chalita, 33 anos, era ainda um adolescente quando começou a lecionar em Cachoeira Paulista, interior de São Paulo. Nem sonhava se tornar um dos mais jovens secretários de Educação do Estado. Hoje, mestre em direito e em ciências sociais e doutor em comunicação, acaba de publicar pela Atual Editora seu 34º livro, Histórias de professores que ninguém contou (mas que todo mundo conhece), e ainda traz no olhar o brilho idealista dos recém-formados. Convencimento e sedução – no bom sentido, como diz –
são as armas usadas para enfrentar um professorado ansioso por segurança e motivação e as muitas críticas à progressão continuada. Tema constante na campanha eleitoral que deu ao governador Geraldo Alckmin a reeleição, o sistema de ensino em dois ciclos prevê possível retenção de alunos apenas de quatro em quatro anos. O trabalho não
é pequeno. Em toda a rede do Estado, são 300 mil funcionários,
6,1 mil escolas e 6,1 milhões de alunos. Antes de assumir a pasta
em abril, Chalita testou seu arsenal nos cinco meses em que foi secretário da Infância e da Juventude. Ele entrava na Febem, sentava
no chão e tocava violão com os meninos. “Acredito no vínculo afetivo, com ele não há desrespeito”, afirma. Sua bandeira é justamente a educação com afeto e por ela tem feito um trabalho de formiguinha.
Vai pessoalmente às escolas e às diretorias de ensino. Para disseminar suas idéias e atrair para si o professorado de todo o Estado, adotou
a teleconferência. Ocasião para opinar e tirar dúvidas. A abertura
para a discussão é certamente um legado de seus anos de ativista
em diversas ONGs, entre elas a Juventude Latino Americana pela Democracia (Julad). Avesso a formalidades, Chalita se autodefine
um educador. Um educador fazendo política.

ISTOÉ – O que é educação com afeto?
Gabriel Chalita

É a educação em três grandes habilidades:
a cognitiva, desenvolvida com o conteúdo; a social, que trabalha
a relação interpessoal; e a afetiva, responsável pela formação
interna da pessoa. Significa ajudar o aluno a ser equilibrado, a
trabalhar com emoções, medos, traumas, baixa auto-estima.

ISTOÉ – Como isso se transforma em programas efetivos na escola?
Gabriel Chalita

Os programas nas áreas cultural e esportiva propiciam
isso. E principalmente a capacitação do professor. O vínculo
afetivo se faz com detalhes como chamar o aluno pelo nome
ou olhar para ele quando se fala.

ISTOÉ – A violência cria um clima de terror na escola. Como fazer alguém que tem medo seguir essa filosofia?
Gabriel Chalita

O que estressa o professor é lidar com alunos tão diferentes. Colocamos câmaras, alarmes e vigias na escola, aumentamos as rondas. Isso melhora a vigilância, mas o importante é preparar o professor. Tratar com ele temas como a vulnerabilidade do adolescente.

ISTOÉ – Mas estamos falando de um profissional acuado pelo medo.
Gabriel Chalita

Dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado
indicam que as ocorrências na escola ou no entorno significam
apenas 0,02% da criminalidade em São Paulo. As regiões
periféricas têm a escola como centro de luz.

ISTOÉ – Dá para apaziguar com estatísticas alguém que se acha em risco de vida?
Gabriel Chalita

Se pegarmos o índice de violência nas escolas nos Estados Unidos, na Alemanha, em Israel, é igual. O jovem é vulnerável em todo lugar. Tráfico e crimes são questões de segurança pública. Para outras ocorrências, a solução está na prática pedagógica. Pegar um pichador e transformá-lo em grafiteiro é uma solução pedagógica. Muitas escolas zeraram a violência com a participação comunitária.

ISTOÉ – Se o maior problema é formação, como resolver isso rapidamente?
Gabriel Chalita

Adotamos a teleconferência para conversar com os professores. Eles nos assistem ao vivo, falam sobre os seus problemas por fax, e-mail ou telefone, e nós respondemos. Além disso, estive em
79 das 89 diretorias de ensino. Cada visita reúne de 1.500 a 2.000 professores e o grande conceito é a educação efetiva. Percebemos por esses contatos que o ambiente está mudando. São mil escolas abertas nos finais de semana, 400 unidades-pólo no Parceiros do Futuro, programa no qual, junto com a Secretaria da Cultura, da Saúde e da Juventude, fazemos oficinas. Pode ser uma padaria artesanal para os pais. O investimento no Parceiros este ano chegará a R$ 10 milhões.
O importante é que a escola tem autonomia e nada é imposto.

ISTOÉ – As escolas não têm que seguir suas determinações?
Gabriel Chalita

O foco tem que estar na proposta pedagógica. Lançamos
a idéia do coral de Natal. Isso sai no site da secretaria, vira assunto
das visitas e eles começam a incorporar a idéia. O processo educativo não pode ser imposto. O mesmo se dá com o professor. Se ele não acredita na proposta, ele faz o que quer. É a liberdade de cátedra.
Tem que ser um processo de envolvimento, por isso fazemos visitas, levamos propostas, analisamos a história da educação. Mostramos
o que está acontecendo nos outros países e no resto do Brasil. Lembramos sempre que a palavra sabor e saber têm a mesma origem.
É preciso fazer o aluno gostar do que está fazendo.

ISTOÉ – E a inclusão de portadores de necessidades especiais? Os professores alegam não estar preparados para isso.
Gabriel Chalita

É maravilhoso que eles estejam na mesma sala com outros alunos. O mundo é heterogêneo. Todos ganham com a convivência solidária. Não é fácil convencer as pessoas. É um processo. Temos o Centro de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais, todo dia tem curso para o professor lá. Ele tem que ver que a habilidade cognitiva
não é a única. O processo de aprendizagem é diferente para cada um. Entender isso é o grande desafio da escola neste século.

ISTOÉ – O sistema de progressão continuada é outra polêmica.
Gabriel Chalita

O grande aspecto desse sistema é a avaliação contínua,
é trabalhar de forma heterogênea com o aluno e não dividir conhecimento. Não se pode fazer um ciclo em vez de uma série?
Essa foi a discussão na Inglaterra em 1944. O problema é que
mexe com o mito de poder do professor. Antes, o professor
dizia: faça isso, senão lhe dou zero. Agora não.

ISTOÉ – E os casos de alunos que passam de ano sem saber ler e escrever?
Gabriel Chalita

Esse analfabetismo não aparece no Saresp, exame feito
pela Unicamp e pela Unesp, que avalia alunos de quarta a oitava
séries. Hoje, a média de aprovação é de 56%. No ano que vem,
ele será feito em todas as séries, mas não servirá para reprovar
alunos, e sim como meio de diagnóstico. Por ele, saberemos que
escolas estão com mais deficiências. A idéia é reformulá-lo para
que avalie habilidades. O aluno precisa ser alfabetizado, mas precisa saber falar, então é importante a prova oral. Precisa trabalhar em
grupo, então tem que ter prova em grupo. Tem que saber pesquisar. Estamos subsidiando a compra de 100 mil computadores para o
professor ter o seu, em casa. Damos R$ 900 (50%) e a outra metade, financiamos. Eles precisam saber usar a internet para ensinar a pesquisar. Não há aprendizado na reprovação pura e simples.

ISTOÉ – Não se discute a reprovação, mas se há aprendizagem.
Gabriel Chalita

Em São Paulo, apenas 20% dos professores dão nota
abaixo de 5 para a progressão. Em Minas, 60% das escolas
adotam o sistema. Em Goiás, 40%. É a tendência mundial. Se
o aluno pensa que está tudo bem porque ele não será reprovado,
é o professor quem tem de mudar a cabeça dele.

ISTOÉ – Há alguma previsão de termos período integral de aulas?
Gabriel Chalita

Seria ótimo, principalmente se nesse outro período o foco
fosse artes, teatro, esportes. No ano que vem, as aulas de educação física e artística no ensino fundamental serão separadas. Eram quatro horas, já fomos para cinco e vamos aumentar mais uma. Essa é a tendência, mas depende de fatores financeiros e não pedagógicos.

ISTOÉ – Governo, ONGs e entidades assistenciais criam projetos para que as crianças não fiquem na rua fora do horário de aula. Se esse investimento pulverizado fosse reunido não poderia viabilizar a escola em período integral?
Gabriel Chalita

Eu dirigi o Pueri Domus e o Pentágono, duas escolas particulares, e nas duas havia horário integral. A mensalidade dobrava, mas era ótimo. O aluno fazia oratória, teatro, balé, judô, natação, mas isso custa de R$ 1,3 mil a R$ 1,5 mil por mês. O entrave é dinheiro. A Lei de Responsabilidade Fiscal é ótima (antes cada administrador deixava o Estado arrasado para o outro), mas engessa. Ela determina que o Estado não pode gastar mais do que 49% do Orçamento em folha de pagamento. Educação já é a maior porcentagem – 30%. São R$ 6 bilhões e meio (2,5 de inativos e 4 bilhões de ativos). No ano que vem, serão R$ 12 bilhões. O salário dos professores subiu 5% em maio. Há dinheiro para outro aumento, mas não podemos passar dos 49%.

ISTOÉ – O sr. está dizendo que tem verba, mas não pode aumentar o salário dos professores?
Gabriel Chalita

Se o governo já alcançou os 49% não pode aumentar. A conta dos inativos é um problema. Se a reforma previdenciária não vier, será o caos. O direito dos inativos é inalienável, mas poderíamos rever alguns pontos. Por exemplo, a pessoa começa a dar aula na Universidade de São Paulo com 25 anos e se aposenta aos 50 com salário integral. Aí vai dar aula na particular. O benefício não é só para quem se aposenta, é para a esposa, para a filha que não casa e por aí vai. Vai chegar uma hora em que nenhum Estado vai conseguir sustentar isso.

ISTOÉ – Menos de 10% da população consegue chegar à universidade. Não faltam alternativas?
Gabriel Chalita

Nós temos o programa Profissão, que o aluno faz logo depois
do ensino médio. Investimos nisso R$ 50 milhões anuais e temos 50 mil alunos. O programa ajuda a escolher a profissão e a ter o primeiro emprego. Há também previsão de expansão da USP, Unesp e Unicamp.

ISTOÉ – Mas houve protesto dos alunos contra essa expansão. Eles alegam que a qualidade vai cair.
Gabriel Chalita

Eles tem universidade de graça, um privilégio que não
querem dividir. É a idéia do “garanto o meu”. Com contratação
de professores, não tem como perder qualidade.

ISTOÉ – Temos 25% apenas de universidades públicas, o resto é privado. No Estado, a relação é de 12% por 88%. Por que isso não acontece em países desenvolvidos?
Gabriel Chalita

O Estado precisa resolver o ensino fundamental e o
médio. Essa é a prioridade. Mas temos planos para a Unesp crescer
no interior, a Unicamp, na região metropolitana de Campinas, e a
USP ter outro campus na zona leste da cidade. Serão R$ 69 milhõe
s para o aumento das três universidades já no ano que vem,
além dos cerca de R$ 1 bilhão que recebem.

ISTOÉ – Os vestibulares deveriam ser extintos?
Gabriel Chalita

Vestibular é uma coisa do passado, mas ainda tem que ser feito. Poucos países adotam esse sistema. Algumas universidades – a USP, a PUC – começaram a substituir decoreba por habilidade. Mesmo assim, excelentes profissionais, se submetidos a este exame, talvez não passem. Como exame, o Enem é bom. Avalia habilidades, manda para a casa do aluno o resultado, comentado. É um processo sofisticado.

ISTOÉ – O sr. é a favor de quotas para negros ou pobres?
Gabriel Chalita

Em princípio, contra, porque pode estigmatizar. Como
medida transitória pode ser interessante, mas é preciso melhora
r o ensino médio. O aluno tem que pensar “entrei porque sou capaz”.
O maior desafio do processo educativo é acabar com o preconceito.
Os filósofos da educação dizem que estamos na era da pedagogia
da gentileza, ou seja a afetiva, é o respeito, independentemente
de diferenças, sem verdades absolutas.

ISTOÉ – A educação religiosa e a sexual também devem ser tratadas na escola. Há profissionais prontos para isso?
Gabriel Chalita

A Unicamp está capacitando quatro mil professores para
o ensino religioso. Isso é importante, senão o professor dá aula da religião dele. Na educação sexual, que é tema transversal, fizemos
uma parceria para fornecer um kit de capacitação. O programa
chama Prazer em Conhecer. Discutir sexualidade é falar de afetividade. Na prevenção contra as drogas, fizemos outra parceria, sempre
nesse caminho afetivo. É preciso seduzir o aluno, porque o
traficante seduz e, se você for conselheiro, não resolve.

ISTOÉ – O que é exatamente seduzir o aluno?
Gabriel Chalita

É criar vínculos. Quando comecei a dar aulas na universidade, era muito cdf. Dei uma bronca na turma por causa dos erros de português. Aí uma senhora disse: “Professor, o senhor não pode nos ensinar?” Eu retruquei que estava ali para dar filosofia do direito. Outro aluno levantou: “Todo professor diz a mesma coisa. Ninguém pode ensinar a gente?” Conclusão: comecei a dar aula de redação aos domingos. Era muito prazeroso. Tinha até bacalhoada no final da aula. Vínculo é isso. O professor tem que ser bem pago, mas tem de saber que o seu trabalho é de transformação. Alguns desses alunos estão fazendo mestrado na PUC, um tem 80 anos. Na defesa de tese dele, tive medo que tivesse um infarto. Foi aprovado. Depois, me disse: “Professor, me orienta no doutorado?” 80 anos, é bárbaro! É preciso contagiar os professores. Tem problemas? Manda e-mail para a secretaria. A gente dá um jeito. Mas não desconta no aluno. A sala de aula é sagrada.