Os índices aterrorizam economistas, mas é no carrinho do supermercado, geralmente pilotado por mulheres, que a inflação se mostra em plena cavalgada. Os preços subiram e elas perceberam antes que o Índice Geral de Preços apontasse para uma tendência consistente de alta. Sobe tudo: pãozinho, farinha de trigo, açúcar, óleo de soja, café, frango, leite, ovos… Maria da Penha Vargas, funcionária do Hospital das Clínicas de São Paulo, corre atrás de promoções em vários supermercados para derrotar os aumentos. Na quarta-feira 6, ela foi cedo para o Extra da avenida Francisco Morato, zona sul da cidade. Comprou carne. “Os preços subiram demais e eu procuro as promoções nos jornais para comprar.” Haja disposição! O casal Osnir e Dalva, moradores do Embu, cidade próxima de São Paulo, trocou de marcas, especialmente no caso do óleo de soja e do açúcar refinado que, em três meses, subiu quase 70%. “Nós gastávamos R$ 160 por compra, agora não gastamos menos de R$ 190”, diz Dalva. Isso, num prazo de dois meses – o mesmo período em que Maria Eugênia, argentina que vive no Brasil há dez anos e faz compras eventualmente no Marché Place de Vosges, um pequeno mercado de luxo no Morumbi (localizado no térreo de um condomínio onde mora, entre outras celebridades, Rubens Barrichello), começou a notar que os preços estão subindo. “Dá para entender o aumento dos importados, mas os nacionais…”, diz ela. Maria Eugênia estava comprando conhaque para complementar uma receita. Levou o brasileiríssimo Domecq.

Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o óleo de soja acumula um reajuste de 45,5% este ano, a farinha de trigo subiu 30,5%, enquanto o pãozinho teve alta de 28,75%. A inflação ficou em 1,28% no mês de outubro, segundo o Índice de Preços ao Consumidor (IPC). A taxa é a maior dos últimos 27 meses. Sabe por que o pãozinho subiu? Porque o preço do trigo, que é importado, disparou. O trigo foi o produto que apresentou o maior aumento de preço em 2002, 122,42%, segundo informações do IEA. O Brasil importa 80% do trigo que consome e, mais uma vez, o dólar é o vilão. Sobem junto o macarrão e a farinha.

O problema é que nos itens em que o Brasil exporta – como o açúcar, do qual é o maior produtor do mundo, e a soja, da qual é o maior exportador – os preços também sobem aqui porque os produtores preferem ganhar mais dinheiro lá fora.
Daí a razão de o preço do óleo de soja disparar. É difícil entender
esse mecanismo insólito – afinal, se tem tanta soja aqui, por que nós vamos pagar mais caro? – mas é assim que funciona.

Pior é que, quando o consumidor chega em casa e acende o fogão, ele leva mais uma facada: o gás de cozinha não subiu os 12% estimados pela Petrobras quando anunciou os aumentos dos combustíveis, no primeiro dia de novembro. O botijão de 13 quilos está sendo vendido com reajustes de até 25% (quando a perspectiva era de 12%) porque a definição do aumento depende da política de cada distribuidor. Exatamente como aconteceu com a gasolina e o óleo diesel. Os distribuidores estão abusando, apesar da ameaça da Agência Nacional do Petróleo (ANP) de intervir nos preços se houver abuso.

Abuso é o que não falta. Quem tem carro movido a álcool não escapou: os preços dispararam. Cada posto cobra o que quer, mas os aumentos nunca ficam aquém de 30%. A alta nos preços dos combustíveis deverá causar aumentos nos preços de 1,2% neste mês de novembro. E já estamos pagando mais pelas passagens aéreas: a Vasp aumentou o preço de suas passagens em 7%, repassando para o passageiro o impacto da alta de 14,8% do querosene de aviação. Com a mesma justificativa, o grupo Varig/Rio-Sul/Nordeste reajustou as passagens
em 7,5%, elevando o preço da ponte aérea Rio–São Paulo de R$ 287
para R$ 309. A TAM adotou o índice de 7,53% e a Gol ainda mantém a tarifa da ponte aérea em R$ 245.

Pãozinho – Calcula daqui, calcula dali e a frenética especulação com dólar em outubro, aliada aos aumentos de combustíveis, fará com que o brasileiro termine o ano de 2002 arcando com uma taxa de inflação que não ficará de jeito nenhum abaixo dos 6,5% previstos pela Fipe, que antes dos aumentos dos combustíveis previa uma taxa de 5,5%. O economista sênior do BankBoston, Marcelo Cypriani, acha que vai ser um pouco maior, na faixa dos 7%. “Agora que a eleição saiu da frente, a inflação vai ganhar as manchetes dos jornais”, ele diz. Já ganhou.

A alta do dólar também levou a Fipe a rever a previsão de inflação para 2003 de 3% para 5%. Uma das razões é apontada por Cypriani: os
preços que sobem em função do dólar neste ano vão provocar, em 2003, uma reação nos demais preços. E a inflação, ele estima, deve ficar perto dos 10%, um pouco menos ou um pouco mais. “Se não atingir os dois dígitos, será por pouco”, ele diz. O pãozinho não escapa. Continuará subindo porque o trigo está em alta no mercado internacional. E os salários? O salário mínimo deveria ser de R$ 1.270,40 em outubro, 6,3 vezes superior aos R$ 200 vigentes, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio Econômicos (Dieese). A
base da estimativa é indiscutível: o valor da cesta básica mais cara, entre as 16 regiões pesquisadas.