O frio que atingiu a região Sudeste na semana passada, derrubando a temperatura de 30 °C para 15 °C, em São Paulo, e de quase 40 °C para 25 °C, no Rio de Janeiro, pegou muita gente de surpresa. A oscilação brusca nos termômetros, provocada pela chegada de uma frente fria incomum para o período, ficou mais evidente nos centros urbanos. As grandes cidades, onde há poucas áreas verdes, muita poluição e falta de ventos por excesso de concreto dos edifícios, estão mais sujeitas a sofrer as variações climáticas.
Isso é reflexo de um fenômeno conhecido como ilha de calor, cada
vez mais frequente no País. Em dias quentes, as cidades se aquecem mais que o esperado. E, com a chegada das frentes frias, o sobe-e-desce dos termômetros ganha proporção gigantesca. “As metrópoles estão se tornando desertos artificiais”, diagnostica Magda Lombardo, geógrafa da Universidade Estadual Paulista, que realizou um estudo inédito sobre o assunto.

Magda levantou as variações de temperatura na cidade de São
Paulo nos últimos 100 anos. Para comparar essas informações com
as de outras metrópoles, ela acionou a agência espacial americana
Nasa, que estuda as ilhas de calor em cidades americanas, e obteve estudo semelhante feito em Nova York.

Os resultados, que serão apresentados à comunidade científica no
final do ano, mostram um fato claro: desde a década de 50, quando a capital paulista iniciou sua fase de crescimento, a temperatura média subiu 1,5 °C, comparada comum aumento de 0,8 °C em Nova York. “O aquecimento paulista é uma anomalia e está muito acima da média de outros centros urbanos”, diz Lombardo.

Apesar de as médias mostrarem um aumento pequeno de calor nas últimas décadas, as máximas na capital paulista subiram de forma assustadora. Segundo a pesquisadora, no auge de um dia de calor,
os termômetros no centro da cidade chegam a marcar até 10 °C a
mais que no campo.

O fenômeno não tem uma causa única. É resultado de uma multiplicidade de fatores. A urbanização desenfreada e a verticalização das cidades, com a construção de prédios e arranha-céus, impedem que os ventos refresquem as regiões centrais. Somado a isso, a poluição provocada
por automóveis e indústrias reproduz uma estufa que aquece a cidade.
A equação piora com o excesso de concreto e de asfalto, que aprisionam o mormaço entre ruas e avenidas.

A falta de árvores e parques é outro entrave. Em São Paulo, a maior cidade do País, estima-se que apenas 3% do território seja coberto por verde, número baixo se comparado a conglomerados urbanos como Berlim e Washington, cujas áreas verdes correspondem a até 40% da cidade. A falta de verde não é exclusividade paulista, mas se repete em praticamente todas as cidades de médio e grande porte do País. A geógrafa Magda fez o levantamento de outras cidades e constatou que, em Manaus, a maior cidade da região Norte, as temperaturas sobem até 3 °C em dias de calor. “Para um lugar próximo da linha do Equador, isso é muito”, comenta. Mesmo nas cidades menores, como Tangará da Serra, no Mato Grosso, que tem 50 mil habitantes, o efeito das ilhas de calor provoca elevação de 2 °C.

O estudo deve continuar no ano que vem, com a inclusão de dados de outras metrópoles, entre elas Xangai, na China. A análise detalhada das ilhas de calor pode indicar ainda quais efeitos nocivos os desertos artificiais podem trazer para o clima mundial. “O que já se sabe é que a poluição atmosférica muda o ritmo de chuvas”, explica Pedro Leite da Silva Dias, cientista especializado em clima do Instituto de Astronomia e Geofísica da Universidade de São Paulo.

Segundo Dias, a mudança no regime de chuvas pode ser constatada na prática. A frequência da garoa que fez a fama de São Paulo, por exemplo, se reduziu para menos da metade desde a década de 50.
Além das mudanças nas chuvas, a ilha de calor tem outras consequências como o aumento no consumo de água, o que gera problemas de distribuição. O corpo humano também se ressente. O
ar seco traz desconforto e desidratação. “Isso provoca garganta seca, ardor nos olhos e ressecamento na mucosa do nariz, o que pode causar sangramento”, diz Clystenes Soares Silva, professor de pneumologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Crianças e idosos são
os que mais sentem, mas os cerca de 10% de brasileiros que sofrem
de problemas respiratórios como asma brônquica e renite são diretamente prejudicados. O calor traz ainda outro transtorno:
a invasão de mosquitos e pernilongos, que costumam se proliferar
no verão e à alta temperatura.

Para Magda Lombardo, há dois tipos de solução para as ilhas de calor. Em primeiro lugar, é preciso aumentar a quantidade de árvores, que ajudam a amenizar o clima. Nos parques grandes, a temperatura chega a ser 4 °C menor do que nos arredores. “Só graminha não adianta, é preciso arborizar a cidade”, diz a geógrafa. E, em grande escala, a solução está em criar projetos mais racionais de planejamento urbano.