A responsabilidade do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva diante das tarefas que tem pela frente é imensa. Vai além dos quase 53 milhões de votos que teve em 27 de outubro. Ela pode ser sentida pela expectativa positiva que seu governo já provoca na população, que lhe presenteou com mais um precioso voto: o de confiança. Não é à toa que o petista vem repetindo que sente um enorme peso nas costas. Lula vendeu bem, na sua campanha eleitoral, a idéia de que a esperança deveria vencer o medo. Venceu, como demonstra pesquisa CNT/Sensus: 76,1% da população acredita que o governo Lula vai mudar as coisas para melhor. A própria forma como Lula vem conduzindo a transição vem alimentando esse otimismo, já que a maioria apóia a iniciativa de se realizar um pacto social e está até mesmo disposta a fazer sacrifícios pessoais para concretizar o sonho do entendimento nacional.

O centro desse acordo nacional é o futuro Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – órgão consultivo que será diretamente ligado à Presidência. O prestígio de Lula pôde ser medido pelo quorum alto da reunião realizada para discutir a formatação desse conselho, na quinta-feira 7, no Hotel Intercontinental, no bairro dos Jardins em São Paulo: 130 empresários, líderes sindicais, representantes de ONGs e movimentos sociais. “O processo se inicia hoje. A fome é um tema que já foi aceito por empresários e trabalhadores. Agora é preciso definir uma agenda”, disse o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva. O primeiro consenso já foi produzido: o entendimento nacional é para já. Mas os efeitos concretos desse
acordo só serão sentidos após os primeiros seis meses do governo petista. Isso não quer dizer que as propostas só aparecerão depois desse prazo. Alguns projetos poderão ser acertados bem antes. O conselho servirá como uma espécie de cinturão protetor do início do novo governo, dando tempo a Lula para estruturar bases política e econômica sólidas para seus quatro anos de governo.

Tolerância – Desde já, Lula conta com alto grau de tolerância, como constatou pesquisa feita pelo Instituto Marketing, Estratégia e Comunicação Institucional, do cientista político Antônio Lavareda, que foi estrategista da campanha do candidato José Serra (PSDB). Segundo a pesquisa, apenas 18% das mil pessoas entrevistas admitiram que esperam ver todas as promessas cumpridas. Cerca de 63% têm a expectativa de que Lula execute apenas parte das promessas a curto prazo. E 17% esperam que o novo governo mude tudo. “A pesquisa mostra que o eleitor será tolerante com o início do governo Lula. O brasileiro está amadurecido e entende a diferença entre a retórica de campanha e a realidade. Tudo vai depender da forma de comunicação do novo governo”, afirmou Lavareda. “Estou convencido de que a taxa de tolerância dada a Lula já começou grande. Os problemas deverão começar depois de uns três meses de governo. O teste simbólico deverá ocorrer quando o novo governo sinalizar qual o porcentual de aumento que será concedido ao valor do salário mínimo”, disse Jairo Nicolau, cientista político do Instituto Universitário de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. “O capital eleitoral de Lula é bastante grande, mas tão volátil quanto qualquer outro capital financeiro que sai do País quando sente o cheiro de instabilidade no ar. Lula não está acima do bem e do mal. Não acredito que haverá maior condescendência com ele pelo simples fato de ele ser um homem do povo. O eleitor quer resultado, por isso votou nele. Se os resultados não aparecerem, o eleitor vai começar a chiar”, opinou Carlos Pio, cientista político da Universidade de Brasília.

A boa vontade com relação ao presidente eleito foi sentida na reunião de quinta-feira 7, que durou mais de três horas. A guerra à fome foi o principal tema debatido. Lula conseguiu ampliar o apoio em torno de seu projeto no dia seguinte ao jantar com Enrique Iglesias, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que anunciou a liberação de US$ 6 bilhões para o governo petista. Mas o projeto Fome Zero gerou polêmica ao incluir entre suas 25 propostas a idéia de garantir a compra de alimentos por parte da população pobre por meio de cartões magnéticos. A presidente da Pastoral da Criança, Zilda Arns, por exemplo, criticou. “Gostei muito da filosofia do Projeto Fome Zero, mas não sou a favor dos cupons de alimentação. São instrumentos que podem levar à corrupção”, afirmou, diante de um dos autores do projeto, o economista José Graziano. O próprio Lula entrou no debate lembrando que as críticas são bem-vindas e o projeto não é definitivo. Poderá ser aperfeiçoado.

Muitos compareceram ao encontro com dúvidas sobre o papel do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Por isso, o coordenador da equipe de transição, Antônio Palocci, apresentou um esboço do futuro órgão. Ele será permanente e poderá ter entre 50 e 60 pessoas, representantes das classes empresariais e sindicais, de ONGs e de personalidades. Lula também procurou esclarecer as dúvidas, ressaltando que a criação do Conselho não pode ser confundida com a idéia do pacto social, este realizado por grupos de trabalho em torno de temas específicos em momentos definidos: “O Conselho vai ser permanente e se reunir para debater questões nacionais importantes. Ele não pode se confundir com o pacto social.”

Há também um outro consenso entre empresários, trabalhadores, representantes da sociedade civil, parlamentares e a cúpula do novo governo: o País precisa das reformas tributária, trabalhista, previdenciária, política e agrária. Esta não é a primeira tentativa de usar um pacto social para fazer reformas estruturais no País. Logo após a crise energética do governo de Ernesto Geisel (1974-1979), o presidente-general convocou um pacto e escolheu os interlocutores. Não deu certo.

PESQUISA : vontade de ajudar

Ines Garçoni e Juliana Vilas

Ninguém mandou a gente dizer que não era para ter medo de ser feliz. Vão nos cobrar até a felicidade”, brincou a cientista política Maria Vitória Benevides, ligada ao PT, antes mesmo do segundo turno. Mas nem ela imaginava que a expectativa dos brasileiros em relação ao governo Lula pudesse alcançar 71% de otimismo. O índice, 10%
maior que o porcentual de votação obtido pelo presidente eleito,
foi flagrado pela pesquisa CNT/Sensus – realizada com duas mil entrevistas entre os dias 1º e 5 de novembro. Ou seja, até os que
não votaram em Lula se sentem identificados com ele (68,4%) e acreditam que seu governo será diferente para melhor (76,1%), números bastante significativos. Os dados revelam que os primeiros passos de Lula e de sua equipe, depois da eleição, em direção à prometida mudança de rumos alimentaram as esperanças da população. Para 82,8%, a realização do pacto social é possível e,
mais que isso, 59,2% estão dispostos a fazer esforços pessoais
para que ele se concretize – inclusive pagar mais impostos.

 

Outro número revelador da expectativa otimista é o que se refere ao desemprego, principal mote da campanha: para 70,7% dos entrevistados, o mal maior do País vai diminuir. A maioria, 55,5%, acredita que a inflação diminuirá no próximo governo e 24%, que suas vidas vão melhorar no prazo de um ano. Mas a grande certeza dos brasileiros em relação a Lula é que a corrupção deve diminuir na
sua gestão: 64,3%. A segunda maior esperança é na área da segurança pública. Para 58,0%, os índices de violência no País vão cair. Tanto entusiasmo teve sua origem, também, nos primeiros pronunciamentos de Lula como presidente eleito. Cerca de 50% ouviram os discursos e, para 68,8% deles, o anúncio do programa
de combate à fome foi o trecho mais importante. Embora 83,2% achem que a pobreza vai diminuir se a sociedade enfrentá-la, 56,1% acham que o problema nunca vai se resolver.

Mas para que a intenção de erradicar a miséria no Brasil se concretize será preciso que o PT busque o apoio dos políticos – como tem
feito nas últimas semanas –, segundo 81,9% dos entrevistados. E
se as alianças partidárias foram imprescindíveis para que o petista ganhasse as eleições, a partir do ano que vem elas serão fundamentais para aprovar os projetos do novo governo. É no
que acreditam 59,8% da população.