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"Conseguir roupas, lugar para dormir e comida não são problemas
para mim. As pessoas têm prazer em me receber em suas casas"

Heidemarie Schwermer, sem dinheiro desde 1996

Nos Estados Unidos, um homem das cavernas moderno vive em grutas no deserto de Utah, mantém um blog e participa ativamente da comunidade. Na Alemanha, uma avó viaja de uma cidade a outra para pregar o desapego aos bens materiais. No Reino Unido, um ex-economista sem conta no banco nem dinheiro no bolso empenha seu tempo em recrutar voluntários para uma comunidade autossustentável. Em comum, eles tomaram a decisão de nunca mais ter dinheiro. O americano Daniel Suelo, 50 anos, doou seus últimos dólares em 2000. A lituana radicada alemã Heidemarie Schwermer, 69 anos, nem chegou a ter um euro. Quando a moeda entrou em circulação, em 2002, já fazia seis anos que a simpática senhora não via a cor do vil metal. Já o irlandês Mark Boyle, 32 anos, em jejum financeiro desde 2009, garante que não ter dinheiro é sinônimo de liberdade, não de dificuldade. Utopia? Loucura? Exemplos a ser seguidos?

Seja o que eles representarem, Suelo, Heidemarie e Boyle têm outro ponto em comum. Todos tiveram suas histórias registradas em livro ou filme. Heidemarie é a estrela do documentário “Vivendo sem Dinheiro” (2009, tradução livre); Suelo teve sua trajetória registrada no recém-lançado “O Homem que Largou o Dinheiro” (tradução livre, sem edição brasileira) e Boyle na obra “O Homem Sem Grana”, que chega ao Brasil no final de junho, pela editora Best Seller. “Muitas pessoas trabalham em empregos que odeiam só para ganhar dinheiro e depois tentam se sentir recompensadas por isso, sem sucesso, comprando férias em resorts, carros caros e almoços finos”, disse à ISTOÉ o escritor Mark Sundeen, autor do livro sobre Daniel Suelo. Para Sundeen, histórias como a de Suelo ilustram a verdade contida na velha máxima “dinheiro não traz felicidade”. Suelo decidiu ser pobre inspirando-se nos sadhus, hindus que abrem mão de todos os seus bens materiais para mostrar que o ser é mais importante que o ter. Em vez de ir para a Índia, porém, se impôs o desafio de viver sem dinheiro dentro da sociedade mais consumista do mundo, a americana.

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SONHO
Desde 2009 em jejum financeiro, Mark Boyle planeja agora formar uma
comunidade autossustentável, onde tudo virá da produção própria ou de trocas

Contestar o consumo é mesmo o principal alvo de quem resolve aderir ao cotidiano sem nenhum centavo. “Nós vivemos sem dinheiro 95% do tempo de nossa existência e todas as outras espécies vivem sem ter de comprar”, disse à ISTOÉ Mark Boyle. “Passei quatro meses me preparando, fazendo uma lista de tudo que eu consumia quanwdo tinha dinheiro e então pensando em novas formas para ter essas coisas sem pagar por elas”, diz ele, que resolveu trocar a cidade pelo campo e aprendeu, entre outras coisas, a tirar seu sustento da terra e manter sua casa com energia solar. Embora o campo seja mais amigável à vida sem recursos financeiros, é possível se manter sem dinheiro nos grandes centros urbanos, ensina a ex-professora e psicoterapeuta Heidemarie Schwermer. “Roupas, lugar para dormir e comida não são problemas para mim”, disse ela à ISTOÉ. “As pessoas têm prazer em me receber em suas casas.” Para conseguir o que precisa, Heidemarie usa o sistema de trocas. Na cidade onde vivia, na Alemanha, criou um espaço para esses intercâmbios em 1994. Foi a partir dessa experiência que decidiu, em 1996, passar um ano sem dinheiro. Vencido o período com êxito, Heidemarie se propôs a aumentar para mais 12 meses, até resolver prorrogar indefinidamente. Foi assim que doou tudo o que tinha, das roupas à casa, e restringiu todos seus pertences a uma pequena maleta com algumas roupas.

Na trilha desses gurus da vida sem dinheiro, é possível encontrar discípulos menos radicais. Um deles é o espanhol Juan Manuel Sánchez, que, da cidade de Almeria, na Andaluzia, coordena o site SinDinero (de dicas sobre como reduzir os gastos), com 50 mil acessos semanais. “Vivo com 400 euros por mês. Pago aluguel, casa, luz, telefone, mas reduzo ao máximo minhas contas buscando lazer de graça e fazendo trocas para ter o que preciso”, disse à ISTOÉ. Cortar custos foi a maneira que encontrou para largar o trabalho, do qual não gostava, e ter mais tempo para si. Exemplo semelhante vem do fotógrafo Marco Aurélio Bastos, criador do Núcleo de Permacultura da Mantiqueira, em São Francisco Xavier. Envolvido com comunidades de autossustento desde a década de 80, ele vive bem com menos de um salário mínimo, gasto para comprar o que não produz, viajar e cobrir os custos de internet e celular. “Você tem de estar disposto a viver mais com o que tem no coração e menos com o que tem para comprar”, diz, numa linguagem própria dos desapegados.

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