Ex-cabo da Aeronáutica, Alfredo Nascimento entrou para o mundo dos negócios com uma borracharia e logo se tornou um grande fornecedor de pneus para a Prefeitura de Manaus (AM). Virou servidor público, formou-se em letras e matemática, galgou postos na administração pública e se elegeu prefeito da capital amazonense. Chegou a Brasília como ministro dos Transportes no primeiro governo Lula, em 2003. Deixou o cargo para se candidatar a senador, na última eleição. Está rico e foi eleito. Presidente de honra de seu partido, o PR, Alfredo pode se tornar novamente ministro dos Transportes – uma pasta com orçamento de R$ 11 bilhões – e ter a missão de tocar grandes obras e destravar os gargalos do crescimento. Na semana passada,Gilberto Carvalho, secretário particular da Presidência, informou que o presidente Lula já formalizou o convite a Alfredo. E ele aceitou. No entanto, ainda tentar manter sob o controle do Ministério a gestão dos portos, tarefa que Lula pretende remeter ao PSB. O problema é que a presença de Alfredo no governo poderá ser uma enorme dor de cabeça para o presidente e um prato cheio para a oposição, por três diferentes razões.

Primeiro: a Justiça Eleitoral do Amazonas pode levar o presidente à situação vexatória de ter um ministro com mandato parlamentar cassado. Alfredo é acusado de falsificar documentos fiscais, comprar votos e ter cometido o crime de abuso do poder econômico na campanha. Segundo: líderes de oposição afirmam ter ouvido relatos de deputados que foram sondados para se filiar ao PR, por Alfredo ou seus emissários, em troca de cargos e liberação de verbas administradas pelo Ministério dos Transportes, prática que aponta para a existência de um segundo mensalão. Terceiro: a volta de Alfredo ao governo trará a reboque as irregularidades constatadas em uma das mais polêmicas séries de obras do governo Lula, a Operação Tapa-Buracos.

Alfredo elegeu-se senador com 629,6 mil votos (47,49% do total). Três processos, porém, tramitam na Justiça. O ex-governador Gilberto Mestrinho, do PMDB, o acusa de ter usado um CNPJ falso no início da disputa. A Lei Eleitoral é clara: a campanha só pode começar quando o candidato tiver um comitê financeiro para receber doações. Esse comitê tem que ter uma inscrição na Receita Federal, o CNPJ. Mestrinho afirmou à Justiça que o número que aparecia no material de campanha de Alfredo, o CNPJ 08.134.682/0001-37, não existia. O corregedor eleitoral Jovaldo Aguiar enviou um ofício à Receita para comprovar a denúncia. Em 18 de setembro, o chefe da Receita em Manaus, Eduardo Ponte Barbosa, respondeu: “Não consta em nosso sistema cadastral o CNPJ indicado.” Mestrinho argumenta que, se não havia CNPJ, não poderia haver doações oficiais para comprar material de campanha. Ou seja, aquilo seria produto de caixa 2.

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Há ainda um segundo processo movido por Pauderney Avelino, do PFL, sobre uso de material de campanha não declarado. Alfredo defende-se dizendo que ambas são acusações típicas de adversários derrotados. Contudo, um terceiro processo é movido pelo Ministério Público Eleitoral. Alfredo é acusado de “captação ilícita de sufrágio”. Ou seja: compra de votos. De acordo com a denúncia, ele pagou a gasolina usada numa carreata na cidade de Manacapuru. Bastava passar num posto local, o Pinheirinho, para que a gasolina fosse entregue junto com um santinho eleitoral de Alfredo. A Justiça apreendeu no posto 36 requisições de cinco litros de gasolina cada uma e 334 santinhos. “Não se admite que sejam (…) oferecidos quaisquer tipos de bem (…) com a intenção de se obter votos dos eleitores”, escreve na ação o procurador regional eleitoral Edmilson Barreiros. Trata-se de um caso grave. No Amapá, o senador João Capeberibe perdeu o mandato por comprar votos de duas eleitoras por R$ 50.

Quando o PR nasceu, na fusão do PL do mensalão com o Prona do Enéas, Alfredo virou o presidente de honra da legenda. Ocupou o vácuo político deixado pelo vice-presidente José Alencar, que trocou de partido. Embora batizado de Partido Republicano, líderes do PFL, do PSDB e do PPS reclamam que deputados de seus partidos têm sido assediados para ingressar no PR a partir de propostas pouco republicanas. Oito casos foram relatados a ISTOÉ. Eles seguem padrão semelhante. Quem aborda os deputados é o líder do PR na Câmara, Luciano Castro (RR). A conversa, segundo os oito relatos, sempre se inicia com o argumento de que deputado de Estado pobre não pode ser de oposição, porque precisa de recursos federais para as suas regiões ou não se reelege. Aí, oferece-se a possibilidade de indicar cargos e liberar recursos orçamentários nas áreas ligadas ao Ministério dos Transportes. Seis deputados receberam a oferta de ganhar o poder sobre o escritório local do DNIT, órgão encarregado da construção e manutenção das rodovias federais. No Congresso, o expediente ganhou o apelido de “mesadão”. O homem que denunciou a existência do mensalão, o ex-deputado Roberto Jefferson, confirma: “Ouvi falar de pagamento de luvas de R$ 400 mil e mesada de R$ 50 mil. Tomara que o presidente ponha um ponto final nisso.”

 

Com ou sem mensalão, é certo que o PR tem ganhado corpo. Saiu das urnas com 23 deputados eleitos e hoje contabiliza 38. No Amapá, Lucenira Pimentel trocou o PPS pelo PR. Ela é mulher do prefeito de Macapá, João Pimentel, do PT. Na festa de sua filiação, ela disse que foi para a legenda por conta da promessa de implantar uma unidade do DNIT no Estado. Os mesmos argumentos teriam sido tentados com um outro parlamentar do Amapá, David Alcolumbre. Ele confirmou a abordagem, mas recusou. “Sou deputado de primeiro mandato, não posso falar”, disse. Outro pefelista assediado foi Lira Maia, do Pará. O PR conseguiu tirar do PFL os baianos José Rocha e Tonha Magalhães. Teriam envolvido cargos em portos as conversas que levaram Nelson Goetten a deixar o PFL em Santa Catarina e Maurício Quintella a sair do PDT em Alagoas. “Isso são acusações levianas”, reage o líder republicano Luciano Castro. Segundo ele, os oferecimentos àqueles que quiseram migrar para o PR giraram em torno da possibilidade de influir na montagem dos diretórios regionais do partido que, novo, ainda tem de se estruturar.

Em todos os casos acima, de acordo com os relatos, os deputados foram abordados pelo líder Luciano. Em um caso, relata-se o envolvimento direto de Alfredo. O deputado Márcio Junqueira (PFL-RR) conta que manteve dois encontros pessoais com o provável futuro ministro. Nessas conversas, Alfredo lhe prometeu a liberação de emendas de obras rodoviárias. Esse caso foi relatado por ISTOÉ, em entrevista gravada, e publicado na edição da semana passada. Pressionado, Junqueira enviou uma carta à revista na qual dava a entender que voltava atrás no que dissera. Na última semana, em outra entrevista gravada, explicou o teor da carta: “Eu não estou retirando nada do que disse. Mas tive de dar outro enfoque por conta da pressão que fizeram em cima de mim”, disse.

A volta de Alfredo ao governo trará ainda a reboque os problemas constatados pelo TCU na Operação Tapa-Buracos. Em 13 processos já concluídos, obtidos por ISTOÉ com exclusividade, há casos assombrosos. No Amazonas, os auditores do TCU procuraram em quatro diferentes endereços e não conseguiram sequer encontrar a empresa contratada – a BemBrasil Construtora Ltda. – para duas obras na BR-174. Em um dos trechos, somou-se um segundo rolo: a estrada estava em boas condições, não precisava de obra tapa-buraco. Mas o dinheiro foi pago. Na BR-153, em São Paulo, verificou-se indício de superfaturamento. A Construtora Planalto Ltda. foi contratada por R$ 5,2 milhões quando, desde 2004, o Comando do Exército já fazia a conservação da rodovia por R$ 4 milhões. Os auditores também questionam se havia necessidade de obras emergenciais ali, já que a estrada estava em bom estado. Pagaram-se R$ 4,5 milhões como obra emergencial (e, por esse argumento, dispensando-se a licitação) por serviços prosaicos, como pintura de faixas e capina do mato na margem da estrada, à Sconntec Construtora de Obras Ltda. em trecho da BR-476, no Paraná.

Obras foram pagas sem que houvesse sequer contrato assinado. Caso, por exemplo, da BR-265, em Minas Gerais, numa obra de R$ 2,9 milhões feita pela Egesa Engenharia S.A. Ou com a Torc – Terraplenagem, Obras Rodoviárias e Construções Ltda., num trecho da BR-377, no Rio Grande do Sul. Nesse relatório específico, o ministro Augusto Nardes reservou uma advertência especial ao DNIT: “Diante da situação descrita, permito-me externar minha preocupação quanto à administração do DNIT, (…) a ausência de um planejamento adequado às ações de manutenção da malha viária (…) contribui (…) para a precariedade da conservação das rodovias.” No total, o TCU questiona R$ 32,4 milhões em obras da Operação Tapa-Buracos. Um rolo de 1,3 mil quilômetros, mais que a distância que separa, por exemplo, Brasília do Rio de Janeiro. A Operação Tapa-Buracos foi idealizada e encomendada por Alfredo Nascimento quando era ministro dos Transportes. Agora ele pode voltar a ser o titular da Pasta, com ou sem os portos. Conseguirá?

"QUEM FOR RESPONSÁVEL QUE PAGUE"
 
fotos: roberto jayme/agência estado/ae  
Dois pesos e duas medidas “Ninguém falava do crescimento do PFL e do PSDB no gov erno de FHC”  

ISTOÉ – Quando o sr. foi ministro dos Transportes pela primeira vez, determinou a Operação Tapa-Buracos. E, sobre ela, o TCU concluiu pela existência de diversas irregularidades.
Alfredo Nascimento
– Fiz na época algo que ministro algum fez. Pedi ao TCU que acompanhasse a execução das obras, e não apenas o resultado final. Como não ia haver licitação, estabeleci como regra que houvesse um desconto de 20% em todas as obras. Como ministro, eu tomei as atitudes que cabia para evitar problemas. Se, depois, houve irregularidade, quem for o responsável que pague.

ISTOÉ – O sr. foi mesmo convidado para reassumir o Ministério dos Transportes?
Nascimento
– Fui sim, diretamente pelo presidente Lula.

ISTOÉ – Quando tomará posse?
Nascimento
– Estamos conversando sobre a gestão dos portos.


ISTOÉ – Se for mantida a decisão do governo de criar uma Secretaria Nacional de Portos, desvinculada do Ministério dos Transportes, ela pode inviabilizar a sua volta para o governo?
Nascimento
– Sim, posso não aceitar o Ministério. Os portos não podem ficar isolados das decisões sobre transportes. O que adianta transformar os portos em ilhas de excelência se eles não estiverem integrados com as ferrovias, rodovias e hidrovias?

ISTOÉ – Como voltar ao governo quando surgem várias acusações de que o PR está atraindo deputados em troca de cargos e verbas controladas por setores do Ministério dos Transportes, como portos e DNIT?
Nascimento
– Eu só posso falar por mim. Há um certo tipo de hipocrisia nisso, porque o presidente Lula está formando um governo de coalizão e isso implica mesmo administração de cargos. E um deputado que vai para um partido da base governista talvez queira mesmo ter mais capacidade de influência na sua região. Falam agora do crescimento do PR, mas ninguém falava do crescimento do PFL ou do PSDB no governo Fernando Henrique. Agora, eu, pessoalmente, não tentei cooptar deputado algum, mesmo porque não é do meu feitio esse tipo de trabalho.

 


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