Nem o presidente dos Estados Unidos escapa. Filho de peixe é peixinho, não importa o riacho em que navegue. Enquanto a família Bush esquenta mais uma vez o trono da Casa Branca, profissionais das mais diversas áreas podem comemorar o sucesso dos filhotes também no Hemisfério Sul. Sejam eles atores, músicos, arquitetos, atletas e até juízes de futebol. Para alguns, a culpa é da genética: habilidade e talento para determinada atividade seriam hereditários como a cor dos olhos. Para outros, tudo não passa de admiração. “Educação é espelho. A gente olha para um exemplo e quer seguir”, tenta explicar o ator Dado Dolabella, 21 anos. Filho dos veteranos Pepita Rodrigues e Carlos Eduardo Dolabella, Dado cresceu nos corredores do teatro. “Minha mãe me amamentava na coxia minutos antes de a cortina subir”, conta o jovem galã de Malhação. Ele ainda era bebê quando Pepita fez sua última novela, em 1981, e apenas ouviu falar sobre o sucesso de Carminha, personagem de Dancin’ Days (1978) que inspirou a criação de uma boneca da Estrela. “Quando meu filho estreou no palco, quase morri de emoção. Só falta atuarmos juntos”, sonha a atriz, que volta este ano no filme O dono do mar.

Dado Dolabella não está sozinho no mar artístico. O cardume é vasto: Isabela Rosselini é filha de Roberto Rosselini e Ingrid Bergman. Beth Goulart é filha de Paulo Goulart com Nicete Bruno. Bel Kutner traz no sangue o DNA de Dina Sfat e Paulo José. Júlia Lemmertz tem o pedigree de Lilian Lemmertz e Cássio Gabus Mendes, o de Cassiano Gabus Mendes. “A probabilidade de a profissão se repetir aumenta com o êxito da geração anterior. Se o pai for um fracasso, o filho tende a escolher outra atividade”, avalia o geneticista Décio Brunoni, da Universidade Federal de São Paulo. Ele prefere apostar em motivos culturais para a escolha da profissão. “O filho do pianista toca piano porque cresceu ouvindo o pai. Se fosse separado da família ao nascer, será que apresentaria o mesmo interesse?”, questiona. Nelson Ângelo, um dos sete filhos de Nelson Piquet, nunca acompanhou as corridas do pai e mesmo assim se tornou piloto. “Tinha apenas cinco anos quando ele parou de correr. Mas entrei em um kart aos oito e não parei mais”, conta o rapaz de 16. Após vencer três campeonatos brasileiros de kart, Nelsinho é a promessa do ano na Fórmula 3. Piquet, confiante, investe nos carros do filho e espera ver o garoto na F-1 antes dos 20 anos. “Consigo roer as unhas até o talo quando ele corre. É um nervosismo de torcedor que nunca tive”, admite. “Como comecei cedo, um dia posso ser mais conhecido do que meu pai”, aposta o vaidoso peixinho.

Professor de genética do comportamento na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Renato Zamorra Flores percebe diferentes graus de hereditariedade na escolha profissional. Ele explica que algumas características da personalidade são hereditárias, como a timidez, a agilidade e a capacidade de se divertir com as mesmas coisas, e podem influenciar. “É mais fácil um filho de jogador de xadrez gostar de jogos de tabuleiro do que de alpinismo”, resume. Normalmente, profissões dependentes de fatores físicos e neurológicos recebem maior influência da genética. “O filho de músico é incentivado pela convivência desde criança com música, com a sensibilidade artística. O filho de piloto não precisa dessas coisas. Ele herda do pai a agilidade e os reflexos de que precisa”, diz Flores. Maria Isabel Salgado Barroso, a veterana Isabel que integrou por muitos anos a seleção brasileira de vôlei, concorda com o papel fundamental da genética. “Se meus filhos não fossem altos, dificilmente escolheriam este esporte”, diz. Hoje, Isabel é treinadora de Maria Clara, sua filha mais velha. Aos 18 anos, a jovem é campeã mundial juvenil de vôlei de praia, conquistado em dupla com Shaylyn em 2001. “Nas quadras, não importa o parentesco. Quem sua a camisa para ganhar ou perder sou eu”, diz Maria Clara. Além dela, os irmãos Pedro, 16, e Carolina, 14, também abraçaram o esporte. Aliás, a caçula é titular na seleção brasileira infantil. “Sempre incentivei os meninos a experimentar de tudo. Maria Clara fez aulas de teatro, balé, sapateado, dança, natação, ginástica olímpica. Mas o vôlei falou mais alto”, diz Isabel.

Incentivar a conhecer outras atividades é estratégia de muitos pais famosos. Com pai e mãe imersos na vida musical, Luiza Possi foi espairecer fazendo teatro. Filha de Zizi Possi com o guitarrista Líber Gadelha, Luiza entrou este ano em um curso profissionalizante de artes cênicas, mas não conseguiu escapar. “Meus pais viviam em turnê.
Eu excursionava com eles e sabia o show inteiro
de cor”, conta.

Aos 14 anos, Luiza já cantava em festivais e, no ano passado, gravou uma das canções do disco da mãe. Hoje, aos 17, está finalizando o primeiro disco solo, a ser lançado este ano pela Indie Records, gravadora dirigida pelo pai. “Quando vi que o desejo pela carreira musical era sincero, passei a acompanhar de perto os estudos dela e a chamei para cantar comigo”, conta Zizi. “Mãe sempre deixa uma marca no umbigo da gente, mas agora ela precisa definir um estilo. Mais para frente sou eu quem vai querer cantar nos discos da Luiza”, diz a mãe.

Normalmente, o maior desafio dos filhos de peixe é conviver com a sombra dos pais. “Sempre alguém vai dizer que a gente só faz sucesso porque é filho do Jair Rodrigues”, considera Jairzinho Oliveira. O rapaz de 27 anos tinha apenas seis quando estreou como cantor em um disco do pai. Pouco depois, correu o Brasil com o grupo Balão Mágico, sucesso nos anos 80. Mas, para ele, a música demandava seriedade. Tanto que o rapaz foi estudar em Berklee, a maior faculdade de música dos Estados Unidos, e abriu a produtora S de Samba, da qual acaba de sair o CD Outro. O disco é um lançamento da Trama, da qual faz parte outro peixinho, Pedro Mariano, filho de Elis Regina e César Camargo Mariano.

Cachorro babão – Hoje, cabe a Jairzinho a tarefa de produzir os discos do pai e da irmã, Luciana Mello, 23 anos. “Em casa, somos todos fãs um do outro. Nosso pai nos ensinou a rir e a chorar, a conviver com os altos e baixos da carreira”, diz a moça. Quem mais se emociona ao tocar no assunto é Jair Rodrigues. No CD que lança em junho, ele canta pela primeira vez uma composição do filho. “Jairzinho nasceu no aniversário de Elis Regina. Três dias depois, recebi uma carta em que Elis me chamava de cachorro babão. Continuo igualzinho”, diz.

Alguns sobrenomes intimidam. Discutir com colegas sobre a obra do próprio pai não foi tarefa fácil para Pedro e Guilherme Mendes da Rocha. Eles são filhos de Paulo Mendes da Rocha, um dos mais festejados arquitetos do País. “Todo profissional tem uma espécie de pai espiritual. Quando coincide com o pai de verdade, traz uma força muito grande”, comenta Pedro, 39 anos. “Nos anos 70, nossa casa era um centro de debates. Escolher a arquitetura foi inevitável”, justifica Guilherme, 45. Aos 74 anos, o pai continua enchendo os filhos de orgulho e temor. “Ele é muito exigente. Atrai pelo brilhantismo, mas afugenta os colegas por não admitir erro”, alfineta o primogênito. Se depender de Guilherme, a fonte de inspiração da família continuará jorrando arte. Uma de suas filhas estuda belas artes e a outra, adolescente, adora desenhar. Pedro prefere encerrar a dinastia. “Hoje, se meu enteado pega um lápis, tiro da mão dele”, brinca.

Pedro ainda não tem para quem passar o bastão, como aconteceu há quatro anos com o árbitro Dalmo Bozzano, de Santa Catarina. Após apitar 1.600 partidas em 26 anos de carreira, Bozzano esperou a carreira de Giuliano deslanchar para aposentar o uniforme. “Meu filho é melhor do que eu. Formou-se em direito e tem preparo físico”, elogia o pai. Cara de um, focinho do outro, o rapaz começou a apitar aos 14 e, há dois anos, é eleito o melhor juiz de futebol do Estado pela imprensa local. “O jeito de mostrar o cartão e de conversar com os jogadores eu aprendi com meu pai”, diz Giuliano, 24 anos. A escolha, claro, virou piada na família. “Hoje, a torcida xinga o Giuliano de neto da p…”, diz Dalmo. Foi ele quem pediu…