Para o escocês Adam Smith, um dos pais do liberalismo econômico, não havia paradoxo maior. Tão essencial à vida quanto o ar que se respira, a água não custa nada, enquanto os diamantes, totalmente inúteis, valem fortunas. O aumento populacional, o desperdício, o despejo de esgoto sem tratamento e a contaminação dos rios pelos efluentes industriais e pelos defensivos agrícolas tornaram a água um recurso tão precioso e estratégico quanto o ouro e o petróleo. Dono de 12% de toda a água doce e de um quinto da reserva global, o Brasil adotou uma medida extrema para valorizar sua riqueza transparente. A partir de julho começa a cobrar pelo uso da água do rio Paraíba do Sul, que abastece os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

Os primeiros a arcar com o prejuízo serão as indústrias, mas a Agência Nacional de Água (ANA) fixou prazo de três anos para que todos os consumidores paguem pelo consumo. Com 1.137 quilômetros, o Paraíba do Sul alimenta oito mil indústrias e supre 5,2 milhões de pessoas de 175 municípios, que concentram 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Todos os dias, sua correnteza carrega um bilhão de litros de esgoto lançados em seu curso. A taxa será uma forma de pagar pela descontaminação, embora os cálculos sugiram que seriam necessários R$ 3 bilhões durante 20 anos para limpar o rio por completo.

O pedágio incluído na conta mensal será de R$ 0,02 para cada metro cúbico (mil litros) de água captada e devolvida suja à natureza. O valor cai para R$ 0,008 se o que voltar ao rio for um esguicho de água limpa. “Nosso objetivo não é lucrar, mas incentivar o uso mais racional e sustentável da água”, explica Jerson Kelman, presidente da ANA. Até final de 2003, outras três bacias fixarão etiquetas de preço na água que corre em suas margens. Ao cobrar pela riqueza hídrica, o Brasil junta-se a um clube do qual são sócios a França, a Inglaterra e a Holanda.

Chega a soar estranho que, num planeta coberto dois terços por água, quase a totalidade desse tesouro (97,5%) esteja temperada por sal, em mares e oceanos. Do total de água doce, a esmagadora maioria é de difícil acesso porque está congelada nas calotas polares, ou flui pelo subsolo. Potável e apropriada para o consumo sobra uma mísera fração, de 0,007%, presente em rios, lagos, pântanos e no ar. Esse parco porcentual tende a diminuir sob o impacto da poluição que afeta o ciclo natural de purificação, em que a água dos lagos evapora sob o calor do sol, depois vira nuvem para em seguida se precipitar na forma de chuva, que outra vez enche os mananciais. Quando se despeja lixo nos rios, o vapor fica contaminado e se transforma em chuva ácida, o que inviabiliza seu reaproveitamento.

No recém-lançado livro Água – como o uso deste precioso recurso natural poderá acarretar a mais séria crise do século XXI, o canadense Marq de Villiers calcula que, se todos os recursos hídricos disponíveis para consumo fossem espalhados sobre o globo, formariam uma piscina onde uma pessoa com 1,82 m de altura caminharia sem se afogar.

 

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