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DE VOLTA
Rodrigues (à esq.) e Roseli são calouros e colegas
do veterano Ribeiro; que cursa sua terceira faculdade

Uma multidão de estudantes na casa dos 20 anos que, entre uma prova e outra, gasta o tempo com festas e flertes. Essa é a imagem clássica associada aos universitários. O estereótipo, porém, está ameaçado por um público crescente nas salas de aula das faculdades, o dos alunos com mais de 50 anos. Eles têm idade para ser pais, às vezes, avós de seus colegas de classe e não formam um perfil exatamente homogêneo. Enquanto uns estão pondo os pés pela primeira vez em uma faculdade, outros já conhecem de longa data a engrenagem da vida acadêmica. Apesar do currículo escolar variado, trazem em comum a experiência de vida e uma relação madura com os estudos. A presença de estudantes mais velhos nas faculdades é uma tendência forte segundo dados do Ministério da Educação. Se o aumento do número de alunos com menos de 50 anos foi de 73% entre 2000 e 2010, para a faixa com mais de 50 anos o crescimento foi de 182%.

Financiamento facilitado e mais vagas nas universidades públicas são alguns dos fatores que levam quem já passou dos cinquenta a tomar coragem para encarar os bancos universitários e realizar o sonho do diploma. A cobrança cada vez maior por capacitação também conta. “Quando eu era jovem, tinha que ir à capital para estudar”, diz o pedreiro aposentado Bartolomeu Queiroz Anastácio, de 86 anos, calouro do curso de matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em Aquidauana, cidade do interior sul-matogrossense a 140 quilômetros da capital Campo Grande. De família humilde, Anastácio não pôde sair da cidade para estudar quando moço. Começou a trabalhar, se casou, teve 12 filhos. Só depois de aposentado é que ele resolveu voltar à escola. Fez o ensino fundamental e o médio em supletivo, prestou o Exame Nacional do Ensino Médio em 2011 e, no começo deste ano, leu seu nome na lista de aprovados da UFMS. “Toda a vida eu tive vontade de ter estudo”, diz o ex-pedreiro, que ainda sonha em fazer engenharia quando terminar matemática. Na universidade, o vovô calouro já se tornou uma referência. “Ele é muito dedicado, nunca falta, copia todas as matérias e sempre pergunta quando tem dúvida. Uma participação que, geralmente, estudantes do primeiro período não têm”, afirma o professor de geometria de Anastácio, o matemático Leandro Bezerra de Lima – que, aos 32 anos, tem idade para ser neto do aluno.

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OPORTUNIDADE
Anastácio não pôde estudar quando era jovem.
Aos 86 anos, comemora a aprovação para matemática 

A vida universitária, porém, não é novidade para todos os alunos sênior. Alguns, como o professor aposentado Oscar Pinto Ribeiro, de 68 anos, já conhecem de longa data a rotina de estudante universitário. Calouro da turma de fisioterapia na Faculdade de Ciências Médicas, em Belo Horizonte, ele está de volta à universidade depois de mais de 30 anos lecionando (é formado em letras e pedagogia). Na turma, é o mais velho e serve de exemplo até para quem, assim como ele, não é mais jovem. “Quando fui para a faculdade, fui com receio de chegar lá e não encontrar meu lugar”, diz a artista plástica Roseli Soares, 43 anos, em seu primeiro curso superior. “Ver o Oscar foi um alívio para mim, porque ele está lá, com toda a naturalidade, muito bom aluno e sempre interessado.” Os cabelos brancos e a idade avançada chamam a atenção à primeira vista. “No primeiro dia de aula, quando vi o Oscar no corredor, achei que ele era professor”, afirma Bruno Henrique Rodrigues, 19 anos e colega de Ribeiro. “Tomei um susto. Mas logo começamos a conversar e hoje o tenho como um irmão.”

Uma característica comum a quem encara o curso superior após os 50 anos é ir para a sala de aula sem o peso de uma angústia própria dos jovens: a de ter uma profissão para fazer carreira e ganhar dinheiro. Muitos desses alunos já se aposentaram e, por isso, a preocupação é com o conhecimento adquirido e o convívio social. Essa última oportunidade, inclusive, tem sido cada vez mais explorada por idosos que não querem se isolar. “Brinco com meus alunos da maior idade que voltar a estudar rejuvenesce mais que botox”, diz o coordenador da Universidade Aberta à Maturidade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Fause Saad. É o que sente a aluna Judith Moreira da Silva, 59 anos. “Eu me sinto jovem, apesar das rugas do rosto”, define ela, que até os 50 anos não tinha nenhum diploma e hoje é formada em pedagogia, possui pós na mesma área e está no sexto período de psicologia. Nos seus planos está seguir os estudos depois da conclusão do curso. Provavelmente, com cada vez mais colegas de sua faixa etária.

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