O mais novo escândalo do futebol brasileiro coloca de um lado o árbitro paulistano Alfredo dos Santos Loebeling e do outro o polêmico Armando Marques, inspetor da Fifa e um dos maiores especialistas em arbitragem do mundo. Loebeling, indicado para a Fifa por Marques, apitou a partida final da segunda divisão do Brasileiro de 2001 entre o Figueirense (SC) e o Caxias (RS), em Florianópolis. O time da casa vencia por 1 a 0 e a torcida invadiu o gramado quando faltava 1m50s para o final. Loebeling interrompeu o jogo, mas disse ao capitão do Caxias e às rádios locais que o jogo iria continuar. No entanto, como os torcedores levaram uniformes, redes e bolas, a partida não pôde ser reiniciada. Loebeling afirma que, de início, contou a história verdadeira na súmula. “Mas fui coagido pelo Armando a adulterar o relatório. Ele me obrigou a dizer que eu encerrei o jogo e dei dois minutos de acréscimo em vez de três. Depois, na CBF, negou tudo e ameaça acabar com a minha carreira”, denuncia o árbitro, que admite também ter pisado na bola ao sucumbir à pressão. Os dois levaram suspensão preventiva de 30 dias e aguardam julgamento.

ISTOÉ – Explique essa história de que o Armando Marques o coagiu.
Alfredo dos Santos Loebeling –
Eu aceitei a pressão e menti para salvar minha carreira. Sabia que era uma coisa errada, mas fiz porque fui ameaçado. Não tenho vergonha de admitir que fiquei com medo de acabar com minha carreira.

ISTOÉ – Como foi?
Loebeling –
O Figueirense vencia o Caxias por 1 a 0. Cerca de 20 mil torcedores lotavam o estádio. Aos 43 minutos do segundo tempo, fiz com os dedos o sinal de três minutos de acréscimo para o juiz reserva. O jogo deveria ir até os 48 minutos, mas, exatamente aos 46 minutos e dez segundos, a bola saiu pela lateral no campo de defesa do Figueirense. Apontei o braço em direção ao campo de ataque do time da casa, porque a bola tocou num jogador do Caxias antes de sair. Neste momento, a torcida do Figueirense que estava no lado oposto ao que ocorreu o lance invadiu o campo. Eles queriam comemorar. Uma das hipóteses é a de que tenham invadido por confundir o gesto que fiz com o braço com o sinal em direção ao meio de campo que encerra as partidas.

ISTOÉ – E depois?
Loebeling –
O policiamento nos levou para o vestiário. Antes da descida, o capitão do time do Caxias disse: “O jogo não acabou.” Respondi: “É verdade. Vá para o vestiário e aguarde. A gente vai voltar.” Disse o mesmo para os repórteres. Essas declarações foram repetidas dezenas de vezes na tevê. Não houve pressão do Figueirense para que eu desse a partida como encerrada. Logo depois, um dirigente do Figueirense disse: “A torcida levou o uniforme dos jogadores, os uniformes reservas, as bandeiras de escanteio, as redes, a bola do jogo e a até a roupa dos atletas do Caxias.” Decidi que não haveria continuidade do jogo.

ISTOÉ – O sr. encerrou ou suspendeu a partida?
Loebeling –
A função do árbitro é relatar os fatos na súmula e deixar a decisão para os tribunais. No rascunho da súmula, eu, os dois bandeirinhas e os dois juízes reservas explicamos em detalhes por que não ordenamos a volta dos times para a disputa daquele 1m50s que faltava. No dia 24 de dezembro, fui à casa do professor Gustavo Caetano Rogério, da escola de árbitros da Federação Paulista. Ele leu a súmula e melhorou o texto, sem alterar o conteúdo. Na quarta-feira 26, por volta de 13h30, o telefone tocou. Era o Armando querendo falar comigo. Ele pediu para que eu lesse o que escrevi.

ISTOÉ – O que ele disse após ouvir o relatório?
Loebeling –
Ele falou: “Mas para que isso? Você vai arrumar a maior confusão! Se invadiram para comemorar não é problema seu, se levaram os uniformes, também não é problema seu, se o policiamento não apareceu, você relata sem dar muita importância. Mude tudo isso. Anote aí o que você vai escrever.” E começou a ditar: “Após a bola ter saído pela lateral e eu sinalizar o final do jogo, apontando o meio de campo, ocorreu a invasão da torcida do Figueirense para as comemorações. Não houve feridos, ponto final.” O relatório tinha duas páginas e ele queria apenas essas três linhas.

ISTOÉ – E o sr. não reagiu?
Loebeling –
Eu disse: “Armando, não dá. Falei para todo mundo que o jogo não tinha acabado. Vai dar confusão.” Aí ele berrou, p. da vida: “Você fala demais. Eu não aguento isso. Confusão vai dar se você não fizer o que estou mandando. Quem escala os árbitros sou eu. Coloquei você na Fifa, posso tirá-lo. Outra coisa: você não deu três minutos de acréscimo. O juiz reserva errou. Você vai avisá-los e dizer que deu dois minutos e o reserva enxergou três. Estamos combinados? Essa é a nova verdade.” Depois, ele bateu o telefone na minha cara.

ISTOÉ – E aí?
Loebeling –
Enviei o relatório adulterado para a CBF. Liguei para os reservas e auxiliares e contei tudo. Todos ficaram revoltados, mas acabaram engolindo. A rigor, o que o Armando ditou é um absurdo. As cenas do jogo provam que não encerrei a partida. É como chegar em casa com marca de batom e dizer que foi visitar a mãe. A imprensa caiu matando. Liguei para o Armando e ele respondeu: “Você é cagão e não aguento árbitro cagão.”

ISTOÉ – O que o sr. fez?
Loebeling –
Fui ao Rio conversar com o presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Entreguei essa história por escrito. Ele deu suspensão preventiva de 30 dias para o Armando, para mim e para os que participaram do jogo. Além disso, instaurou um processo para decidir se alguém será indiciado e julgado.

ISTOÉ – Administrar uma partida não é tarefa fácil. Conte quais são os jogadores difíceis.
Loebeling –
Uma vez falei para o Edílson: “Você simula tanto que, no dia que sofrer um pênalti, pode ser que eu não marque.” O Kaká faz muita falta, alguém precisa conversar com ele. O Evair reclama demais. Mas tem muito jogador que ajuda a arbitragem, como Marcelo Djan, Ricardinho, Robert, Marcos, Leandro Ávila, Leonardo e os goleiros Helton, do Vasco, e Vágner, do Botafogo.

ISTOÉ – E o Romário?
Loebeling –
Esse nem fala em campo. Com os árbitros, é gente finíssima. Já para o Felipão, eu não sei…