Terra do cacau e berço de Jorge Amado, Ilhéus sempre esteve presente no currículo escolar dos brasileiros. Agora, são os estudantes que prometem marcar presença na cidade baiana. Com um olho no turismo e outro no ensino, a Universidade Santa Cruz – uma das quatro estaduais da Bahia – desenvolveu o projeto Intercâmbio Universitário. A idéia é levar alunos de ensino superior de todo o País para uma semana de aulas nada convencionais na costa do cacau. Em vez de lousa, a deliciosa paisagem de rios, praias e fazendas. Em vez de uniforme, sunga e óculos escuros. “Os guias que fazem plantão em frente aos pontos turísticos nem sempre sabem o que dizem. Aqui, cada passeio é acompanhado por professores
e pesquisadores especializados em cada assunto”, garante Jane Voisin, pró-reitora de extensão universitária. Para conhecer a vida e a obra
do autor de Gabriela, cravo e canela, por exemplo, os estudantes
podem conversar com Hélio Pólvora, presidente da Fundação Casa
de Cultura Jorge Amado, em uma das salas do sobrado onde o
escritor passou a adolescência.

A antiga residência do romancista mantém uma exposição permanente de imagens do mais famoso filho de Ilhéus. “É impossível desvincular a cidade da figura de Jorge Amado. O autor nasceu em uma fazenda da região nos tempos áureos do cacau e começou a escrever observando nossos coronéis e jagunços”, conta Pólvora. A um quarteirão do sobrado fica o Vesúvio, restaurante fundado em 1919 e tombado há três anos, onde, na literatura, o sírio Nacib empregou Gabriela para que a morena exibisse seus dotes de cozinheira. Também o prostíbulo Bataclan e alguns palacetes da primeira metade do século XX continuam ali para serem observados. E, se os fãs de literatura se deliciam com as fofocas sobre as tradicionais famílias de Ilhéus ridicularizadas na obra de Jorge Amado, também os estudantes de agronomia aproveitam os oito dias de viagem. Em uma visita à Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), aprendem técnicas de cultivo do cacaueiro e observam os resultados preliminares do sequenciamento genético do fungo causador da vassoura de bruxa, praga que desde 1990 maltrata a lavoura. “O Brasil já foi o maior produtor mundial de cacau e hoje ocupa um modesto quinto lugar. Passou de exportador para importador”, conta João Lemos de Santana, chefe do setor de experimentações da Ceplac.

O intercâmbio funciona, acima de tudo, como estratégia para atrair uma nova geração de turistas. A maioria dos universitários de hoje ainda não havia nascido em 1973, quando Sônia Braga invadia diariamente a casa de milhões de brasileiros no papel de Gabriela. Após o fim da novela, nem o charme das mais de duas mil gabrielas registradas no município conseguiu impedir a queda no turismo. Hoje, as praias de Itacaré, 86 quilômetros ao norte de Ilhéus, e os banhos de lama negra no município de Canavieiras, 118 quilômetros ao sul, começam a reverter o quadro. “A lama do rio Pardo alivia a artrite e é ótima para a pele. Mandei fazer uma análise há quatro anos e fiquei surpreso com os resultados”, conta o economista Hélio Barroco, coordenador do mestrado em cultura e turismo na Universidade Santa Cruz. Além de conferir estes destinos, o intercambista penetra no mundo sobrenatural do negro em uma visita ao terreiro de candomblé do professor Ruy Póvoas – o babalorixá Katulembá – e percorre as trilhas do Ecoparque de Una, santuário de propriedade privada vizinho à Reserva Biológica onde 350 micos-leões-da-cara-dourada tentam se livrar do fantasma da extinção.

Dependendo da turma, é possível fazer adaptações no roteiro, como garante a coordenadora do projeto, Josefina Fontes. “Os agrônomos não precisam visitar as praias de Itacaré, e quem estuda história pode passar mais tempo no povoado do Rio de Engenho”, explica. Nesse povoado, à margem do rio Santana, foi instalado em 1537 um dos primeiros engenhos de cana-de-açúcar e a mais antiga igreja rural preservada do País. “Havia duas mais antigas do que esta. Uma foi destruída há alguns anos e a outra está em ruínas”, conta a professora Teresinha Marcis. Criado para universitários, o intercâmbio já foi adaptado para alunos do Ensino Médio e para a terceira idade. A exigência é formar grupos de pelo menos 15 pessoas e procurar a universidade ou a operadora de turismo Multicultural, parceira da instituição no projeto. O preço do pacote completo fica em torno de R$ 1 mil por pessoa, com direito a generosas porções de cravo e canela.