MOMENTO FELIZ Norma aos 26 anos,
quando encantou atores como Alain Delon

Para as gerações mais novas: Norma Bengell é a atriz que exibiu o primeiro nu frontal do cinema brasileiro. Tinha 27 anos, no filme Os cafajestes. O tempo e a vida passaram-lhe inexoravelmente como passam para todos os mortais. Hoje, aos 72 anos, Norma Bengell está estressada e chove-se uma tempestade de problemas – alguns inevitáveis, como a recente morte de sua leal amiga e companheira Sonia Nercessian, fotógrafa e produtora, com quem Norma dividiu o mesmo teto ao longo de 25 anos: a amiga morreu após um demorado sofrimento decorrente de câncer. Também estressa Norma Bengell um outro problema, esse sim que poderia ter sido evitado: cada vez mais ela se emaranha na Justiça num processo que a acusa de desviar R$ 15 milhões na captação de recursos para os filmes O guarani e Norma, ainda não filmado.

O processo, que a obriga a devolver esse montante, furta-lhe o sono há oito anos. Norma Bengell está estressada, e agora vê a sua vida profissional dar os primeiros passos rumo ao ocaso – ela esqueceu as falas de sua personagem em seu novo espetáculo O relato íntimo de Madame Shakespeare, fazendo com que as apresentações fossem interrompidas quatro dias após a estréia. Havia mais de 20 anos que ela não pisava um palco. Disse ela a ISTOÉ: “Tive um stress total devido a diversas coisas sérias que venho passando na vida. Por conselho do meu médico particular, decidi dar um tempo. Preciso descansar, mas não desapontei ninguém.”
O relato íntimo de Madame Shakespeare é a primeira adaptação mundial da obra do escritor inglês Robert Nye, e Norma foi convidada especialmente para interpretar Anne Hathaway, mulher de William Shakespeare, um dos maiores dramaturgos do mundo – ela faz a personagem na velhice e a atriz Maria Manoella, na juventude. No palco, trata-se de uma comédia. Para Norma Bengell, virou um drama na vida real. No domingo em que teve a crise, ela nem chegou a entrar em cena. Foi levada para o hospital, abandonando o teatro lotado. Não lhe faltou solidariedade. “Ela sempre foi uma profissional exemplar. Mesmo com a perda de uma pessoa querida, não parou um dia de ensaiar e acabou acumulando problemas emocionais”, diz o produtor do espetáculo, Alexandre Brazil. Norma e sua equipe achavam que o seu reencontro com o público a fortaleceria. O efeito foi justamente o contrário.

Primo da produtora Sonia Nercessian, o ator Stepan Nercessian confirma o difícil momento emocional da atriz: “Elas viviam juntas, eram muito amigas. A morte de Sonia foi uma barra para Norma, ela está muito tensa e nervosa, não deveria ter feito a peça.” Já nos ensaios, a atriz queixava-se da dificuldade do texto: “Ele é muito bonito, mas é também difícil, muito difícil, tão difícil que a gente fica rindo de nervoso.” Parecia cansada. Sempre vinham-lhe lágrimas quando tocavam no assunto do processo judicial: “Tentaram me matar, mas eu estou muito viva.” Na verdade, mesmo longe da fama ela não ficou paralisada nesses oito anos. Com poucos recursos realizou em vídeo digital três cinebiografias sobre as pianistas Magdalena Tagliaferro, Guiomar Novaes e Antonietta Rudge e participou da elaboração do roteiro do filme Tudo por amor, que retrata a sua vida. A trajetória de Norma Bengell é exuberante. Ela começou nos anos 50 como manequim, passou pelo teatro de revista e pela chanchada, gravou discos, brilhou no cinema novo e chegou até à Europa tendo como passaporte dois sucessos do cinema nacional: Os cafajestes e O pagador de promessas, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes. Norma, que nesse período de glória morou no mesmo prédio de Brigitte Bardot e namorou os atores Alain Delon, Renato Salvatore e Jean Sorel, quer que Ana Paula Arósio a interprete em Tudo por amor (novo título do Norma), mas não dirigirá o filme – e muito menos pretende botar a mão no dinheiro de produção.

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"Decidi dar um tempo porque preciso descansar"

“O roteiro está nas mãos da produtora de Assunção Hernandes. Não quero nem saber dessas coisas”, diz Norma. A produtora confirma as negociações e adianta que uma história dessas, que envolve filmagens na França e na Itália, não fica por menos de R$ 6 milhões – isso se não constar atores estrangeiros no elenco. “Gostei muito do roteiro, é uma história densa e emocionante. A vida dela é impressionante”, diz Assunção. “Na época de O guarani a Norma me contatou para produzi-lo, mas eu estava rodando outro filme pesado. Ela acabou na figura de produtora. Um dia desses me disse: ‘Se você tivesse aceitado, a minha história hoje seria diferente.”

"TENTARAM ME MATAR"
 
fotos: max g pinto
CLÁSSICOS Norma em O homem do Sputinik (ao alto), Os cafajestes
(ao centro) e O pagador de promessas

ISTOÉ – Como está a prestação de contas de O guarani?
Norma Bengell – Não quero tocar nesse assunto que já me machucou demais. O filme passou no mundo todo, vendeu dez mil vídeos. Eu não devo nada a ninguém, são os ninguéns que devem muito a mim por terem tentado macular a imagem de uma mulher que trabalha.

ISTOÉ – A sra. se sente perseguida?
Norma – Eu sofri muito, fiquei até com vontade de ir embora daqui, mas não vou para o exílio por causa de injustiças e de loucura. Isso vai ser resolvido na Justiça e vai ser a meu favor porque fiz um filme. Não sou o Guilherme Fontes, que não entregou o filme. E mesmo ele não é um vigarista.

ISTOÉ – Foi difícil fazer o nu frontal de Os cafajestes?
Norma Bengell –
O Ruy Guerra (diretor) disse para filmarmos e que, se eu não gostasse, depois ele cortaria. Foi tudo filmado de uma vez só. Acho que na segunda vez não sairia tão bom.

ISTOÉ – Quem a sra. conheceu na época em que viveu na Itália?
Norma –
Visconti, Fellini, Bolognini, Monicelli, Pasolini. Quando o meu marido, o Gabrielle Tinti, viajava, eu saía muito com o Pasolini. Ia dançar com ele naqueles botecos de Roma. O prédio em que eu morava era uma loucura. A gente não podia abrir as janelas porque sempre tinha paparazzo nos telhados. Lá moravam a Brigitte Bardot, o Rod Steiger, a Cyd Charisse. Era na Via Vecchiarelli 38, um prédio dos anos 600 que a principesa alugava.

ISTOÉ – Como a sra. conheceu o Gabrielle Tinti?
Norma –
Eu dei uma festa que achei muito chata. Aí eu peguei um amigo e fomos dançar no clube 84. Às seis da manhã minha casa estava toda aberta, não tinha mais ninguém, só um homem deitado no sofá. Eu falei: “Meu filho, a festa acabou.” Quando ele abriu os olhos azuis-violeta, eu completei: o quarto de hóspedes é ali. E casamos.

ISTOÉ – E o Alain Delon?
Norma –
Eu o conheci em Cannes, mas na época o esnobei, o considerei meio verde.
Quando eu estava filmando O mafioso, ele também estava filmando O leopardo. Estava hospedada num hotel lindo em Palermo e fui nadar no mar. De repente ouvi alguém nadando em minha direção. Era o Alain Delon, começamos a namorar.

ISTOÉ -É verdade que a sra. não quis casar com ele?
Norma –
Não nasci para sofrer, já bastam os sofrimentos do cotidiano. Mas ele é um amor. Tenho guardado um coração de ouro que ele me deu para fazer a chave da nossa casa.

 


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