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Cocotas ou gatinhas como eram chamadas na época, as garotas de praia dos anos
setenta baixaram em peso nas areias de Itaúna, atraídas pela irresistível trinca de esses

Nelson Motta detém a fórmula da longevidade criativa. Sua onipresença morena é algo notável. Ligue o rádio e ouvirá sua voz indicando pepitas musicais que nem o mais sortudo garimpeiro de Serra Pelada seria capaz de desenterrar. Pare na livraria e encontrará, entre os mais vendidos, volumes imperdíveis, como o que relata sua história com Tim Maia, além de ótimas peças de ficção de sua autoria. Tente o teatro e dará de cara com suas ideias, sua voz e seu livro transformados no competente espetáculo estrelado por Thiago Abravanel contando e cantando a epopeia do mesmo Tim. No cinema, lá está ele no ótimo documentário sobre a vida meteórica de Raul Seixas. E quando você chegar em casa, imaginando estar livre do pequeno notável, se tiver sorte, tropeçará em suas deliciosas crônicas no “Jornal da Globo”.

Isto só para ficar no presente.
Mas falando em tropeços, a longuíssima e ultraprodutiva carreira de Nelson teve alguns memoráveis. Claro que, com sua natureza positiva e desencanada, até mesmo essas topadas tendem a virar coisa boa. É o caso de uma de suas primeiras incursões pelo mundo do empreendedorismo, que o levou a uma espécie de falência hippie.

Nelsinho se animou em 1976 a organizar um festival na cidade e nas praias de Saquarema, sugestivamente batizado de Som, Sol e Surf. Uma ousada, para a época, mistura de Woodstock, Pipeline Masters e Coachella. Tudo isso, importante lembrar, numa época em que a ditadura ainda rondava e a ideia de investir em iniciativas voltadas ao chamado “público jovem” não aparecia nem nas beiradas dos radares das grandes empresas. Nelsinho não se apequenou, arregaçou as mangas, chamou os amigos, juntou as economias e partiu para convidar gente do calibre de Raul Seixas, Rita Lee, Made in Brazil, Vímana (Ritchie, Lobão e Lulu Santos), O Terço e até uma iniciante chamada Angela Ro Ro.

Artistas a postos, surfistas do naipe de Daniel Friedman e Paulo Proença (que terminaram a competição em primeiro e segundo lugares, respectivamente) devidamente alinhados, uma mistura de chuva intensa, estrutura tímida, repressão policial à base de cacetadas e outros inconvenientes fez com que, apesar da multidão que invadiu a cidade em que viviam na época cerca de dez mil pessoas, o evento fosse um fiasco de grandes proporções.

Nelson, que havia, entre outras coisas, convidado uma equipe de cinema profissional para documentar tudo, saiu da empreitada quebrado. Como não tinha meios para pagar pelas imagens, negociou de forma que o diretor ficasse com as mais de 5 horas captadas em película em troca do trabalho.

O que na época era um grande mico nas mãos do cineasta, com o passar dos anos, virou relíquia valiosa.
No documentário “O Início, o Fim e o Meio”, sobre a saga de Raul Seixas, algumas das melhores imagens, na opinião do próprio diretor Walter Carvalho, foram as cedidas pelo proprietário do registro do festival de Nelsinho.

Agora a boa notícia. Hélio Pitanga, da produtora Bossa Produções, tomou a iniciativa da restauração destas películas de 16mm dirigidas na época por Gilberto Loureiro, que estavam quase se perdendo no tempo. Ele teve como parceiro Denis Feijão, produtor do documentário sobre Raul Seixas. As imagens foram captadas por Miguel do Rio Branco, um dos fotógrafos brasileiros de maior reconhecimento internacional hoje em dia, e por Pedro Moraes e o som direto por Jom Tob Azulay.

Para Hernani Heffener, conservador-chefe da Cinemateca do MAM carioca,
“é um registro único e expressivo do mundo musical brasileiro de
34 anos atrás. São imagens raras de artistas consagrados como Rita Lee, Raul Seixas e Angela Ro Ro.

É preciso recuperar e dar a conhecer este material importante da vida e da cultura brasileira”.
Se depender do empenho de Hélio, do próprio Nelsinho que está participando da empreitada para o genial e tardio lançamento do documentário, e principalmente da visão dos homens de marketing do País, em breve todos poderemos apreciar as imagens e o som captados em 76 e entender melhor de onde vem boa parte das raízes da música, da cultura de praia e do comportamento brasileiros.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente