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Envelhecer bem é uma arte. E Oscar Niemeyer, arquiteto e referência mundial do modernismo, domina essa arte como ninguém. Hoje, aos 104 anos, ele ainda projeta, recebe visitas e, em certas ocasiões, até dá as caras em canteiros de obra. Seus prédios, porém, sobretudo os residenciais, não têm lidado bem com a passagem do tempo. Às vésperas de completarem 60 anos, boa parte deles dá sinais claros de exaustão. Pudera, os edifícios passaram as últimas seis décadas com pouca ou nenhuma manutenção. Encravados no centro de grandes cidades brasileiras, como São Paulo e Belo Horizonte, muitos foram esquecidos nos anos 1980 e 1990. Hoje, com a retomada do interesse imobiliário por essas áreas, as administrações procuram consertar o dano causado pelo abandono. Mas parte do estrago já foi feita. “É complicado falar em reforma de um prédio do Niemeyer”, diz o arquiteto Issao Minami, professor do departamento de projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). “Quando mexemos nesse tipo de obra, é preferível falar em restauro, bem mais caro que reforma.”

E restaurar um Niemeyer não é tarefa simples. No edifício Eiffel, por exemplo, na praça da República, região central de São Paulo, um dos grandes desafios é encontrar pastilhas iguais ou parecidas com as que foram usadas para forrar a fachada do prédio, erguido em 1956. A quantidade que restou da época é ínfima e mandar fazer reproduções custaria uma fortuna. Outro problema é convencer os moradores que trocaram as janelas originais de ferro por substitutas de alumínio a retomar as peças originais. “Podem parecer desafios comuns a muitos prédios antigos”, reconhece Minami. “Mas como esses prédios são do Niemeyer, a pressão para respeitar o projeto original é maior”, diz. Curiosamente, essa pressão não se traduz em apoio, seja ele governamental, seja da iniciativa privada.

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Que o diga Manoel de Freitas, gerente do Conjunto Governador Juscelino Kubitschek, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Ele já se cansou de pedir o tombamento dos prédios que administra, condição que daria ao condomínio o direito de isenção fiscal e a possibilidade de captar recursos por meio da Lei Rouanet. “Aqui, o governo não só não ajuda, como atrapalha”, afirma Freitas. Há salas comerciais no conjunto alugadas por órgãos públicos que não pagam o condomínio há meses. Com pouco dinheiro em caixa, a administração se desdobra para bancar uma reforma na fachada que se arrasta há 15 anos. Os antigos brises soleil de amianto, usados para controlar a incidência do sol dentro dos prédios desde que ele foi erguido, em 1970, estão sendo gradualmente trocados por brises de alumínio. Já as pastilhas têm sido substituídas por novas que simulam o acabamento original.

Em alguns casos, porém, essas simulações não satisfazem. Affonso Celso Prazeres Oliveira, síndico do Copan, outro Niemeyer no centro de São Paulo, tenta há anos fazer a reforma da fachada do prédio, orçada em R$ 23 milhões, mas não consegue. Uma das grandes dificuldades é encontrar pastilhas que sejam parecidas com a original e tenham durabilidade. “As que tenho recebido não chegam nem perto da qualidade da que foi usada em 1961”, diz. Enquanto não houver solução, as pastilhas antigas, que se desprendem com o vento e a chuva, continuarão caindo no entorno do prédio. “Torço para que ninguém se machuque”, afirma ele, que pediu autorização à prefeitura para instalar uma tela de proteção – ainda não concedida.

“Mas tem manutenção que não dá para atrasar”, alerta Jadyr Rossi, síndico há oito anos do Edifício Montreal. De quatro em quatro anos, o condomínio gasta R$ 300 mil só com a reforma dos brises. Sem cuidado, eles desabam sobre quem passa pela movimentada esquina das avenidas Ipiranga e Cásper Líbero. Com poucas opções de crédito e apenas 70% da receita mensal de condomínio garantida – os 30% que não fecham a conta são moradores inadimplentes – a administração se vira como pode. “Agora temos mais R$ 150 mil para gastar com a reforma da marquise, que é urgente”, diz Rossi, que, apesar dos problemas, não pensa em se mudar. Afinal, não é fácil nem barata a vida de quem vive em um Niemeyer. Mas bela, ela é.  

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