Os políticos brasileiros fariam um grande favor a si mesmos se esquecessem um pouco seus últimos escândalos para dar uma lida em Alexis de Tocqueville. Ninguém entendeu melhor do que ele a importância para um homem público de ter a cabeça no lugar.

Seu avô morreu na guilhotina. Seu pai, o conde Hervé Louis François Jean Bonaventure Clére, da guarda de Luiz XVI, e sua mãe, Louise Marie de Peletier de Rosanbo, socialite de Versalhes, estavam na cadeia, antecâmara do cadafalso, quando caiu Maximilien de Robespierre e com ele a fase do Terror da Revolução Francesa.

Tocqueville, pelo visto, cresceu vacinado contra as intrigas da história. Descendente de uma linhagem cujas relações com a família real vinham do século XI, tornou-se republicano. Como deputado constituinte na Segunda República, caiu fora a tempo do golpe da restauração monárquica que coroou Napoleão III. Como decano da ciência política, encantou-se com a democracia americana, síntese, a seu ver, da sociedade igualitária, numa época em que ainda não despontavam grandes fortunas industriais entre os descendentes austeros e puritanos das treze colônias.

Mas o Tocqueville que teria tudo para ensinar em Brasília neste momento é o autor de "O Antigo Regime e a Revolução" – diga-se de passagem, um livrinho fácil de ler, que qualquer parlamentar traçaria durante o voo, gastando no máximo uma quota de suas franquias aéreas. Ele pegou um detalhe da Revolução Francesa que até hoje escapa aos compêndios escolares, conformados como estão em conservá-la como modelo empalhado do cruzamento de ideais libertários do Iluminismo com a usura despótica do Absolutismo.

Tudo isso podia estar mesmo lá, sazonando como um camembert na França do século XVIII, antes que a centelha revolucionária acendesse o estopim luminoso da revolta popular. Mas só explodiu quando, de recuo em recuo, a monarquia deu sinais de que estava disposta a perder a cabeça, mas não os anéis. "É muito mais frequente acontecer que as pessoas que sofreram sob as mais coercitivas leis, sem qualquer queixa e aparentemente como se fossem incapazes de resistirlhes, atirarem-se contra elas com violência assim que a opressão começa a decrescer", escreveu Tocqueville.

Lá, o rancor aos aristocratas ficou sério quando o povo se deu conta de que todos aqueles dourados, chinós e salamaleques não serviam mais para nada. Como, aqui, o presidente João Figueiredo viu de perto o que Tocqueville quis dizer, no ocaso do regime militar. Seu governo não era mais uma ditadura propriamente dita. Restava só uma casca de autoritarismo, numa república de compadres com pouco poder efetivo, mas cravejada de privilégios.

Foi quando os brasileiros começaram a se perguntar para que os palácios de Brasília precisavam de tanta mordomia e os coronéis acumulavam tão bons empregos, se nada disso atendia a prioridades da administração pública. Daí a sair às ruas em campanha pelas eleições diretas foi um pulo.

Agora, mais uma vez, dá vontade de chamar o velho Tocqueville para fazer a cobertura do Congresso Nacional. Ninguém ali parece notar que o perigo não é que saia de suas cuias um escândalo a cada edição de jornal, mas o fato de que, fora uma CPI ou outra, o noticiário político já se incomoda mais em dizer que outras coisas eles andam fazendo.

Marcos Sá Correa é jornalista e editor da revista Piauí