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VACILANTE
Amélia Miranda lamenta não ter investido numa
nova relação por medo de se decepcionar

Embora Édith Piaf (1915–1963) tenha cantado, já perto do fim da vida, que não se arrependia de nada – na canção “Non, Je ne Regrette Rien” –, poucos são capazes de dizer isso com tamanha segurança. Ao longo de nossa existência, é certo que a maioria de nós terá algum tipo de arrependimento, mesmo que secreto. Uma palavra dita de forma ríspida, uma declaração de amor nunca revelada ou mesmo uma escolha profissional impensada podem desencadear crises desse sentimento indesejado, mas tão comum. O que nem todos sabem, no entanto, é que os motivos que mais geram arrependimentos são diferentes para homens e mulheres. Pelo menos é o que indica um estudo realizado por pesquisadores das universidades de Illinois e Northwestern, nos Estados Unidos. Ao analisarem as respostas de 400 americanos, os pesquisadores concluíram que os homens guardavam mais arrependimentos ligados à vida acadêmica ou profissional – como não ter feito uma faculdade, por exemplo –, enquanto as mulheres confessaram se arrepender mais de questões relacionadas à vida amorosa ou familiar – como não ter se declarado para a pessoa amada. Considerando os dados gerais, contudo, as questões amorosas ficaram em primeiro lugar (leia quadro na pág. ao lado).

Outra conclusão da pesquisa revelou que, a princípio, tendemos a nos arrepender mais daquilo que julgamos ter feito errado do que das oportunidades que deixamos passar. Com o tempo, porém, as chances perdidas começam a pesar mais. “Quando repassamos a vida, realizamos uma revisão do passado e a culpa pela falta de iniciativa parece ganhar intensidade”, diz Ana Bock, professora de psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O peso das oportunidades desperdiçadas foi o que motivou a enfermeira australiana Bronnie Ware a escrever o livro “The Top Five Regrets of the Dying” (“Os cinco principais arrependimentos das pessoas no leito de morte”, em tradução livre). Especialista em cuidados paliativos com doentes terminais, Bronnie identificou que a maioria de seus pacientes se arrependia de não ter tomado certas atitudes no passado. “O principal arrependimento foi não ter tido a coragem de fazer o que realmente queriam e sim aquilo que os outros esperavam”, disse.

A paulistana Amélia Miranda, 45 anos, é uma arrependida contumaz. Após viver 17 anos em um casamento em que ela e o marido estavam “separados, mas morando na mesma casa”, como ela diz, Amélia conheceu no ano passado um italiano também divorciado em uma viagem de férias. Apaixonados, chegaram a morar juntos por dois meses, até que ela resolveu, de repente, voltar ao País. “Fiquei com medo de me envolver demais e me decepcionar, então pensei que fugindo poderia esquecê-lo”, afirma. Não deu certo. “Agora me arrependo de não ter levado o romance adiante.” Já o empresário Gustavo Fernandes, 34 anos, afirma pecar pelo contrário. “Me arrependo mais das ações que tomei do que das que não tomei”, diz. Hoje sócio de uma bem-sucedida rede de escolas no Rio de Janeiro, Fernandes revela que se arrepende de ter aberto negócios que não deram certo e o levaram a amargar prejuízos financeiros no passado. “Mas hoje consigo entender que mesmo as experiências ruins podem trazer algo de bom.”

Para a psicóloga Léa Michaan, aprender com as experiências e com os erros do passado só é possível quando encaramos o arrependimento sem lamentações. “É preciso entender que naquela época você era outra pessoa e fez o que era possível naquela situação”, diz. Opinião reforçada pela também psicóloga Eliete Matielo. “Não adianta nada se fazer de vítima. Se você errou e se arrependeu, enxergue isso como um alerta para não insistir nos mesmos erros”, diz. Mudar atitudes e a forma como lidamos com o arrependimento, porém, não é uma tarefa fácil. “É mais comum encontrar um sujeito ruminando um fato de que se arrepende do que pessoas que percebem na ideia de arrependimento um trampolim para uma mudança de comportamento”, afirma Paulo Mestriner, terapeuta cognitivo comportamental. Seja por motivos familiares ou profissionais, os arrependimentos fazem parte da humanidade. “Algumas pessoas tentam viver a vida sem arrependimentos, mas acho que isso é injusto com nossa condição humana”, diz Neal Roese, da Universidade de Northwestern, que coordenou o estudo sobre arrependimentos. Afinal, como escreveu Voltaire (1694-1778), “Deus fez do arrependimento a virtude dos mortais”. 

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