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Dom Pedro e a baronesa tiveram um filho, reconhecido por ele em testamento

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A paixão do imperador dom Pedro I por Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos, é amplamente conhecida. Mas poucos sabem que o monarca também foi amante da irmã mais velha de Domitila, Maria Benedita – e as agruras que enfrentava para manter essas paixões acesas. Uma descoberta arqueológica recente no Rio de Janeiro traz indícios de que a irmã, agraciada com o título de baronesa de Sorocaba, era uma cortesã muito prestigiada por ele.

Nos fundos do terreno onde ficava a casa dela, no bairro da Glória, zona sul do Rio de Janeiro, foi encontrada uma reentrância no muro que pode ter servido de túnel usado para os encontros dos amantes no casarão dela. Para o historiador carioca Milton Teixeira, as visitas eram até bastante frequentes e ocorriam após dom Pedro I assistir à missa na Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, no mesmo bairro. “A marquesa era muito ciumenta. Provavelmente, para não ser visto e evitar maiores brigas, dom Pedro I usava esse caminho”, cogita Teixeira. De fato, a marquesa chegou a tentar matar a irmã traidora em 23 de agosto de 1827, quando um intendente de polícia atirou, sob suas ordens, contra a carruagem da baronesa.

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O vão estava coberto por terra e mato e só foi encontrado depois de prospecção arqueológica feita no ano passado pela empresa Landmark, que construirá um centro comercial no local onde ficava o solar da baronesa, demolido em 1980. O pequeno túnel é continuação de uma trilha que já existia desde o século XVIII, de acordo com mapa da época. Suspeita-se que dom Pedro I descia pelos fundos da Igreja da Glória através de uma escada em espiral que dava no quintal de uma casa vizinha e, dali, pegava a trilha de mata até a passagem secreta que, finalmente, o conduzia aos braços de Maria Benedita.

A historiadora Isabel Lustosa, autora de “D. Pedro I – Um Herói sem Nenhum Caráter”, desconhece o uso da passagem, mas afirma que os dois romances foram simultâneos. A influência de Domitila, porém, era muito maior. “Em 1825, quando o inglês Charles Stuart veio negociar o tratado da Independência no Brasil, fez-lhe todas as homenagens e pouca atenção deu à imperatriz Leopoldina”, conta. A baronesa de Sorocaba não tinha os mesmos privilégios, nem por isso era relegada. Ela e o monarca tiveram um filho, reconhecido em testamento pelo imperador e educado na Inglaterra.

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Todas as amantes do imperador

A historiadora Mary Del Priore está lançando o livro “A Carne e o Sangue” (Rocco), cujo tema é o triângulo amoroso entre o imperador dom Pedro I, sua esposa Leopoldina e a amante Domitila, conhecida como marquesa de Santos. Com a ajuda de documentos inéditos, ela conseguiu chegar a um perfil mais bem definido dessas personalidades do Primeiro Reinado. “Até a Revolução Francesa, as amantes eram saudadas como símbolo da virilidade do monarca. Depois, ter uma amante passou a ser prova não de vigor, mas de fraqueza”, conta a historiadora. “Foi o que aconteceu com dom Pedro I. Sua vida privada, trazida para a cena pública, acabou por fragilizá-lo.”

ISTOÉ – O que seu livro traz de novo sobre o triângulo amoroso do imperador?
Mary Del Priore – Quis fugir das biografias que abordam verticalmente um personagem e fazer diferente, entrelaçando histórias de vidas. Nos arquivos, encontrei correspondência suficiente de Leopoldina, dom Pedro e Domitila (marquesa de Santos), inclusive cartas inéditas, que permitem contar a história de cada um, pelo olhar do outro. No livro, os personagens históricos narram os fatos que atravessaram ou mudaram suas existências.

ISTOÉ – O que essas cartas revelam?
Mary – Achei documentação suficiente para provar que, ao contrário do mito, Leo­poldina tinha um desprezo profundo pelas revoluções liberais e relutou em aceitar a separação de Portugal. Seu papel político foi cosmético. Em cartas ao pai, Leopoldina revela que era um verdadeiro fruto do absolutismo monárquico, que Francisco I defendia com unhas e dentes. Ela tinha convicções hereditárias: autoridade real, obediência dos súditos, pavor da guilhotina que cortou a cabeça dos reis franceses. O Brasil era para ela o “inferno na Terra”, “o futuro negro”. O povo que a adorava era “a maldita canalha”, cheia de “ideias às avessas”. República? Nunca. Dizia só concordar com o marido “por prudência”. Cedeu ao final, pois não queria que seus filhos ficassem sem reino nem coroa. Perante a história, isso não a torna melhor nem pior, apenas um personagem afinado com sua época.

ISTOÉ – Pode-se afirmar que a morte prematura  da imperatriz foi em decorrência da depressão causada pela traição?
Mary – Foi o clímax de um longo e penoso processo de desamor. A história de Leopoldina é a das pessoas que vão se abandonando ao isolamento e à solidão, ao se verem desprezadas afetivamente. Dom Pedro blindou a esposa em São Cristóvão (local do Palácio Imperial) para circular livremente, como costumava fazer. O problema é que ela não soube tampouco fazer amizades entre os membros da corte portuguesa, que desprezava pela ignorância e rusticidade. Foi lentamente abandonada pela família austríaca, que não alimentava a correspondência com o Brasil. Sobraram-lhe os filhos e as gravidezes. Uma delas acabou por matá-la. Foi um dos destinos mais tristes sobre os quais me debrucei. Nos bilhetes que trocou com dom Pedro ao final da relação, e que publico, chegou a confrontá-lo, dizendo: “Não me incomode mais!”

ISTOÉ – O verdadeiro amor do imperador era a marquesa? Como era essa relação?
Mary – O sentimento que os uniu foi muito forte. Uma paixão, sem dúvida. E duradoura, zelosa, plena de afetos e cuidados: pequenos e grandes presentes, delicadezas, apelidos e diminutivos típicos da linguagem amorosa e uma grande atração sexual que deixou muitas marcas na documentação. Até o desenho de um pênis ejaculando aparece. Brigas? Muitas… Sobretudo, por ciúmes dele, que a vigiava o tempo todo e chega a disparar num tenente que frequentava os salões da marquesa.

ISTOÉ – Sabe-se que a marquesa usou da relação com o imperador para obter vantagens para si e para sua família. Ela era uma mulher apaixonada ou gananciosa?
Mary – Como Leopoldina, Domitila é representante de uma época. Nascida numa velha família de leais servidores aos reis de Portugal, cresceu em São Paulo, cidade que na época tinha características muito interessantes: 40% a 60% da população era de mulheres independentes que tocavam suas vida sós. A autoridade e liderança feminina era um fato. Na condição de “favorita”, e na tradição das empreendedoras paulistanas, Domitila simplesmente aproveitou para fazer negócios e inserir a família e amigos nas benesses da corte. As cartas de dom Pedro derramado de paixão, chamando-a “meu amor, minha Titília”, são inúmeras. As dela para ele são consultas sobre como ir vestida a tal cerimônia, mostrando uma aparente submissão que a enquadrava no papel feminino da época.

ISTOÉ – Qual foi o motivo da separação entre dom Pedro I e a marquesa?
Mary – Indiscutivelmente, a chegada da nova imperatriz, Amélia de Leuchtemberg. Até encontrar a nova esposa, dom Pedro não consegue se afastar de Domitila. Ele referia-se ao novo matrimônio como “sacrifício”. De início, a faz retornar a São Paulo, para fazer uma figura mais palatável nas cortes europeias, onde sua ligação com “madame Santos” era conhecida e considerada escandalosa. Nos meios diplomáticos, corria que ele ia elevá-la a duquesa para poder casar-se com ela. E, de fato, Domitila se prepara para tal, estudando genealogia e querendo tomar as armas de Inês de Castro, dama galega e paixão de dom Pedro I de Portugal. No livro, demonstro que o casal monta uma farsa: ele escrevia cartas diplomáticas a Domitila, que eram lidas por seus próximos, para provar que estavam separados e, depois, enviava-lhe bilhetes apaixonados em que se confessava morto de saudades.

ISTOÉ – A irmã da marquesa, a baronesa de Sorocaba, tinha importância na vida do imperador e em suas decisões, já que também era sua amante?
Mary – Ela tinha sua importância, como tantas outras mulheres que passavam nas mãos de dom Pedro durante as gestações de Domitila. Não teve maior impacto em sua vida, a não ser para deixar registrada a força da marquesa, que manda arcabuzar a carruagem da irmã, numa festa na igreja da Glória.