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Não deixa de ser interessante ver uma exposição dedicada ao sexo feminino sem que a data de inauguração coincida com o dia da mulher. Por outro lado, a maior bandeira levantada pelas mulheres que se dedicam à arte – sempre, ou pelo menos desde a década de 1960 – é pelo reconhecimento profissional como artistas, e não como "artistas mulheres". Por esse motivo, a exposição "elles@centrepompidou", em Paris, levanta bastante poeira. Com aproximadamente 500 obras de 200 artistas da coleção do Museu Nacional de Arte Moderna (Mnam ), a exposição quer contar a história da arte dos séculos XX e XXI a partir da produção feminina, demarcando uma reação às escolhas de outras coleções francesas, como a do Louvre e a do Musée d’Orsay, que, segundo a curadora Camille Morineau, são constituídas quase inteiramente por homens.

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NO ATAQUE A videoperformance de Sanja Ivekovik (à esq.), a crítica ao padrão de beleza, em foto de Valérie Belin (acima), o ativismo feminista de Barbara Kruger (à dir.) e a referência a Virginia Woolf (abaixo)

Ao instaurar a produção de contornos feministas como o primeiro capítulo dessa história, o Centro Pompidou pretende afirmar seu "engajamento". "O que há de mal em um gesto que pode ser interpretado como ‘feminista’, em um país em que a paridade entre homens e mulheres é proclamada como uma necessidade, mas está longe de ser alcançada?", defende-se a curadora. No percurso temático e cronológico da exposição, abrem a sessão de arte contemporânea artistas como Shirin Neshat, Gina Pane, Ghazel, Sanja Ivekovik, Sandra Vasquez de la Horra e o grupo Guerrilla Girls, com seu outdoor sobre as vantagens de ser uma artista mulher. Entre elas, atente-se para o fato de que "não importa que tipo de trabalho você faça, será sempre rotulado de feminino".

A artista carioca Anna Bella Geiger, que tem duas séries fotográficas realizadas a partir de cartões-postais, nos anos 1970, na coleção do Mnam , está na sessão dedicada aos "Trabalhos com a Palavra". No mesmo módulo, a artista francesa Dominique Gonzáles-Foerster apresenta a videoinstalação "Short Histories", composta por vídeos realizados em Taipei, no jardim francês da Glória, no Rio de Janeiro, e na marquise do Parque Ibirapuera, em São Paulo. Para quebrar o coro feminista, são histórias dedicadas aos escritores Henrique Vila-Matas, Roberto Bolaño e W.G. Sebald.

Subdividida em cinco sessões, a mostra oferece bons motivos de reflexão, como as salas dedicadas aos "slogans do corpo", com Cindy Sherman, Marina Abramovic, Louise Bourgeois, Joan Jonas, Ana Mendieta, entre outras heroínas da emancipação corporal pela arte. Mas a curadoria também tem momentos extremamente problemáticos e formalistas, como quando aproxima, em uma mesma sala, trabalhos com bordados e costuras, evocando a imagem arquetípica da Penélope tecendo à espera de Ulisses. Ou mesmo em "Retratos de Família", que apresenta uma seleção de obras que se relacionam de maneira excessivamente literal em relação ao título da sessão.

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Como saldo, fica a dúvida se, como sugere o pôster do Guerrilla Girls, as participantes de "elles@centrepompidou" não estariam aqui se beneficiando da vantagem de "serem incluídas em uma versão revisada da história da arte". Ou de ganharem uma exposição só para elas.

Sobre janelas obstruídas
Contraluz – Marco Gianotti/ Gabinete de Arte Raquel Arnaud/ até 20/6

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A grande dimensão das telas recentes de Marco Gianotti cerca o espectador de um tema recorrente na cidade brasileira contemporânea: grades, tramas, canos de ferro e outras obstruções. Sim, sabemos que a segurança é uma obsessão nacional – que se projeta em escala mundial -, mas o que o pintor Marco Gianotti argumenta é que a grade é também um tema rebatido e debatido na arte moderna desde que a crítica de arte americana Rosalind Krauss escreveu sobre o termo grid em 1985.

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Segundo Gianotti, a grade está para a pintura moderna como a janela estava para a pintura simbolista, ou mesmo a fotografia ou o cinema documentário, que tantas vezes foram associados ao conceito de "janela para o mundo". A ideia é que a grade cria um obstáculo para o olhar e a tela deixa de ser um suporte límpido e transparente, como o vidro, através do qual observamos uma paisagem, um rosto ou outra figuração qualquer do mundo.

Com a presença da grade, a própria pintura torna-se o assunto da arte. "Pelo fato de que as novas tecnologias cada vez mais passam a ser a fonte primordial de registro de imagens, creio que a pintura deve assumir o papel de fazer uma crítica da imagem, sem perder, contudo, sua dimensão poética. Nesse sentido, a grade assume na minha pintura uma dimensão, indicial, como uma colagem, que resgata um contato com o mundo real e reflete sobre uma cidade como São Paulo, sem horizonte e permeada por grades", diz ele.