fotos: Nick Wall Photography; divulgação

SEM HEROISMO Jean Charles, interpretado por Selton Mello, não foi tratado como um mito

Ao tomar conhecimento do assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes por agentes britânicos no metrô de Londres, em julho de 2005, o cineasta paulista Henrique Goldman escreveu uma carta endereçada ao morto. "Desde que te mataram não paro de pensar em você" é um trecho da mensagem. Radicado na capital inglesa, Goldman se identificou com o rapaz do interior de Minas Gerais que foi confundido com um terrorista islâmico.

Identificou-se tanto que transformou essa história em filme: "Jean Charles", coprodução anglo-brasileira que tem Selton Mello no papel principal e chega às telas brasileiras na sexta-feira 26 – no Reino Unido sua estreia está prevista para o fim do ano. Não foi fácil levar para a ficção esse drama. Mas, ainda assim, ao contrário do que foi dito no Brasil, os ingleses não foram hostis: "Não tivemos nenhum problema e contamos inclusive com o apoio do UK Film Council (agência do governo voltada para o cinema)", conta o produtor Carlos Nader. A cena da morte de Jean, por exemplo, foi feita em uma estação usada somente como locação, cuja diária custa R$ 40 mil.

LOCAÇÕES REAIS Patrícia (acima, à dir.) interpreta a si mesma. Goldman (abaixo) dirige Selton no centro de Londres

Durante cinco semanas a equipe mergulhou na vida da comunidade brasileira em Londres e frequentou lugares curiosos, como um ponto de venda de churrasquinho para motoboys brasileiros, situado debaixo de um viaduto. Entre os imigrantes havia strippers, faxineiras, garçons, açougueiros, ou seja, gente de todo tipo. Além de fonte de informação, muitos se tornaram figurantes. Selton Mello, mineiro de Passos, era parado com frequência para dar autógrafos. Segundo a equipe, os ingleses e imigrantes de outros países também demonstravam simpatia e interesse pela história. "Taxistas estrangeiros sabiam o nome todo do Jean. Também parei para falar com diversos policiais nativos e eles dizem sentir muita vergonha do que aconteceu", afirma Goldman.

Patrícia Armani, prima de Jean, e Maurício Varlotta, seu empregador durante cinco anos, atuaram como eles próprios (ambos ainda vivem em Londres). Um exemplo da participação da comunidade brasileira nas filmagens foi como plateia do show de Sidney Magal – quando Jean, que era eletricista, salva a noite ao resolver um problema na mesa de som.

O mineiro nascido em Gonzaga é retratado como um cara boa gente que se virava para sobreviver. Ele recorria a esquemas ilegais de venda de vistos falsos. "Jean era engraçado, feliz, ambicioso, picareta no bom sentido, um sobrevivente", diz Goldman. Selton Mello completa: "O filme não faz dele um santo." E há um ponto em que todos concordam: Jean Charles era o homem errado, no lugar errado e na hora errada.