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ARARA-AZUL Perseguida por caçadores para ser vendida e empalhada por colecionadores

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Em novembro do ano passado ficou público o mais recente alerta oficial sobre as ameaças contra a fauna brasileira. Numa obra intitulada "Livro Vermelho do Ministério do Meio Ambiente" foram listadas 627 espécies ameaçadas de extinção, sendo que sete delas estão pela hora da morte: três de macacos, três de peixes e uma de anfíbio.

A partir da segunda-feira 1º, quando se comemora a Semana Mundial do Meio Ambiente e Ecologia, a World Wide Fund for Nature (WWF), uma das mais conceituadas organizações ambientalistas não governamentais, sediada na Suíça e com ramificações em todo o planeta, apresentará a mais nova preocupação daqueles que se dedicam a preservar os bichos: a violenta e implacável ameaça de morte que vem agora através do aquecimento global, já denominado por pesquisadores americanos como "a nova era da extinção".

Segundo a WWF, são cinco as espécies no Brasil mais ameaçadas por ele. E, por incrível que pareça, elas não estão na Amazônia. Vivem no mar: albatroz, tartaruga-de-pente, baleiaminke, baleia-jubarte e corais. "Querem um exemplo do quanto o aquecimento global ameaça as espécies animais?", indaga o biólogo carioca Marcelo Szpilman, presidente do Instituto Aqualung e mergulhador com 30 anos de experiência. "É só observarmos os peixes que estão morrendo porque esse aquecimento gera um total desequilíbrio no pH da água." Em terra firme, o aquecimento ameaça os bichos pelos mesmos motivos com que tem perturbado o cotidiano de diversas populações humanas. Agora, por exemplo, o Brasil presencia uma de suas maiores cheias nas regiões Norte e Nordeste e uma seca totalmente fora de época na região Sul.

Se para as pessoas as alterações radicais no tempo trazem morte e destruição, para os animais a sobrevivência nestas condições não é menos complicada. "O aquecimento global deve pro vocar, cada vez com mais frequên cia, eventos climáticos violentos, como tempestades, furacões, secas e inundações", diz a secretária-geral da WWF Brasil, Denise Hamú. "Muitas espécies de animais não conseguirão se mover suficientemente rápido para sobreviver." Efeitos disso já são perceptíveis na fauna do Ártico no Canadá. Por conta do derretimento da calota polar e da caça indiscriminada, reduziu-se o número de ursos e tubarões, predadores naturais das focas. A superpopulação de focas levou à diminuição da quantidade de bacalhau.

Então, para tentar reequilibrar o sistema, o governo canadense autoriza anualmente uma temporada de caça que dura de três a cinco dias. "Mas, quando retiramos de circulação 300 mil animais de um ambiente em apenas três dias, como no caso das focas, ocorre um novo desequilíbrio que funciona como um tsunami: há mudanças rápidas e com consequências dolorosas", diz o biólogo Szpilman.

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É exatamente isso que os cientistas estão chamando de "nova era da extinção" – um quarto movimento que vem se somar às três ameaças anteriores. Primeiro, houve a era da caça predatória, e nela os veados, os pumas, os peixes-boi-marinho e as onças-pintadas foram quase extintos. Houve a fase da desenfreada invasão dos hábitats, com derrubadas de matas e poluição das águas, cujo maior símbolo talvez tenha sido o mico-leão-dourado.

"Quando retiramos de circulação milhares de animais de um ambiente há um desequilíbrio tão violento quanto um tsunami"
Marcelo Szpilman, biólogo marinho

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É ela que ainda ameaça a grande maioria das 627 espécies citadas no "Livro Vermelho do Meio Ambiente". No terceiro período, o do tráfico de animais, jacarés, cobras, jaguatiricas, iguanas e peixes-serra (partes de seu focinho serviam de suvenir) se tornaram presas fáceis. São espécies que tinham uso industrial, como no caso das peles, ou decorativo, como aconteceu com a ararinha-azul.

No mês passado, uma operação da Polícia Federal batizada de Oxóssi (orixá do candomblé associado à caça e à prosperidade) prendeu 72 pessoas acusadas de vender animais silvestres, dentro e fora do País. Movimentavam anualmente cerca de R$ 20 milhões com o comércio clandestino de 500 mil animais de espécies em extinção. "Já encontramos papagaios escondidos dentro de sofás", diz o capitão Walter Nyakas Jr., chefe da Divisão Operacional de Policiamento Ambiental de São Paulo.

Saguis viajam espremidos em gaiolas, sem comida nem água, e cobras-corais, pequenas, são enrustidas dentro de meias de náilon, que por sua vez são amarradas ao tornozelo dos traficantes para serem ilegalmente vendidas. O Ibama estima que o tráfico retire de nossas matas, todos os anos, 38 milhões de exemplares de animais.

Para os ambientalistas, a luta pela preservação das espécies ameaçadas vai-se tornando cada vez mais árdua porque uma era não substitui outra, simplesmente. Mas elas acabam se entrelaçando, piorando um quadro já caótico e formando o que os cientistas dizem ser uma "frente de extinção". "Todos os vetores têm de ser tratados conjuntamente, eles se sobrepõem", diz o biólogo mineiro Adriano Paglia, editor do "Livro Vermelho do Meio Ambiente" e analista de biodiversidade da ONG Conservação Internacional. "Esse é um dos motivos pelos quais as espécies animais no Brasil passam por um de seus momentos mais críticos."

As quatro eras da extinção dos animais

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Ou seja, os perigos causados pela invasão d hábitat, pela caça, pelo tráfico e agora pelas mudanças bruscas do clima podem ser comparados aos cuidados com um organismo combalido em que uma série de doenças vaise sucedendo e, sempre que uma é curada, ficam resquícios e sequelas que se misturam à próxima. Para se ter uma ideia, a Mata Atlântica, bioma onde vivem cerca de 60% das espécies ameaçadas no Brasil, perdeu quase 85% de sua vegetação original desde o nosso período colonial.

Na quarta-feira 27, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a ONG SOS Mata Atlântica anunciaram que esse bioma foi desmatado em 102.938 hectares entre 2005 e 2008 – mais de 34 mil hectares por ano, mantendo a mesma taxa de desmatamento do ano 2000. "O Brasil, assim como praticamente todos os países, tem um novo fator para lidar na luta contra a extinção das espécies.

Tratase da conjunção de todas as eras de extinção, agora acrescida da era do aquecimento global", diz a secretáriageral da WWF Brasil, Denise Hamú. Sua ONG está elaborando um relatório para "promover o debate científico e gerar propostas de soluções" para ser apresentado na Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP15), que será realizada em dezembro, na Dinamarca.

Houve um tempo em que a defesa dos animais era vista apenas como uma manifestação romântica e alguns ambientalistas contribuíram para isso nos primórdios do ativismo ecológico. Hoje se sabe, porém, que a preservação se liga direta e racionalmente à sobrevivência sustentável do próprio homem. Ou seja: nós precisamos dos animais porque estamos no mesmo ecossistema e o desaparecimento deles compromete o nosso futuro como espécie.

"O tráfico é cruel. Já encontramos papagaios escondidos dentro de um sofá, por baixo do forro"
Walter Nyakas Jr. , chefe da divisão operacional de Policiamento Ambiental de São Paulo

"Em muitos casos, as mudanças climáticas, e aqui se fala de aquecimento, podem provocar uma aceleração na distribuição das espécies", diz o biólogo Rui Cerqueira, professor titular do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Esse fenômeno pode ser extremamente prejudicial ao homem porque algumas doenças, como por exemplo a malária, também se espalhariam." Assim, se o mosquito que transmite a doença amplia a sua área geográfica, aumenta a possibilidade de animais serem infectados – e o mesmo risco corremos nós. Doenças hoje restritas às áreas rurais podem se tornar urbanas – e passarem a matar muito mais gente por conta do rápido contágio permitido pelas aglomerações nas cidades.

Também o analista ambiental do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) Airton de Grande segue o raciocínio de que há de se lutar contra a extinção das espécies porque isso se traduz na defesa do próprio homem – e se aquilo que faz bem ao ser humano ajuda a manter a fauna viva, tanto melhor. Um mundo sem animais selvagens, por exemplo, implicaria a quebra do elo ambiental – invisível para a maioria das pessoas – entre civilização e natureza em estado bruto.

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"Em uma época de valorização do reflorestamento, por conta das mudanças climáticas, convém lembrar que os bichos plantam árvores melhor que os humanos", diz De Grande. "O açaí, a castanha e o pinhão que comemos foram plantados naturalmente por animais. Uma gralha-azul é capaz de plantar mais de mil pinheiros de araucária por hectare e 90% das sementes ingeridas pelo jabuti se tornam propícias à germinação."

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MICO-LEÃO- DOURADO As ações de preservação o tiraram da lista de animais criticamente ameaçados

Pode-se concluir, portanto, que cada animal extinto é um jardineiro a menos na natureza do Brasil. É também por isso, para nos salvar, que é preciso igualmente salvar as espécies nessa nova era de extinção que veio com o aquecimento global. Segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, esse é um dos principais propósitos do lançamento do "Livro Vermelho". Para ele, o primeiro passo racional e eficaz foi saber a real situação dos animais para depois implantar medidas concretas de preservação. Uma das mais eficazes foi a criação das Unidades de Conservação da Natureza (UCN), regiões que funcionam como se fossem condomínios fechados e protegidos para os animais que estão a poucos passos do abismo.

"Peixes estão morrendo por causa do aquecimento global que gera o desequilíbrio do pH da água"
Rui Cerqueira, zoólogo da UFRJ

Há dois tipos de áreas como essas: nas de proteção integral é proibida a visitação pública e até pesquisas científicas precisam de autorização prévia dos órgãos responsáveis. Já nas regiões demarcadas como de "uso sustentável" ocorre um certo grau de ocupação humana, mas sem prejuízo da sustentabilidade quando se entra em contato com os recursos naturais.

Atualmente no Brasil existem 914 unidades de conservação, e foram iniciativas similares a elas que salvaram do fim total aquele que no passado se tornou no País um dos maiores símbolos da extinção e hoje é exemplo de recuperação e preservação bem-sucedida. Trata-se do mico-leão-dourado, que agora se reproduz graças a corredores ecológicos destinados a sua perpetuação.

Com o mico-leão, vítima sobretudo da invasão humana ao seu hábitat, aprende-se que o homem destrói e o homem salva – ou, pelo menos, que pode salvar animais se tiver empenho para isso. Resta, no entanto, uma questão por enquanto insolúvel. A caça, o desrespeito ao hábitat e o tráfico, tudo isso é passível de ser resolvido – está ao alcance de nossas decisões legais e da fiscalização dos órgãos competentes. Quanto ao aquecimento global, contudo, apenas uma grande iniciativa global poderia abrandá-lo e ainda assim qualquer benefício demorará anos para ser percebido. Ou seja, os ambientalistas sabem hoje que uma nova era de extinção das espécies foi deflagrada. Mas nenhum cientista consegue ainda prever se, e como, terminará.

Colaboraram: Claudio Dantas Sequeira (DF) e Gustavo de Almeida (RJ)
FOTOS: SHUTTERSTOCK; ROBSON FERNANDJES/AE; DEA/C.DANI-I.JESKE; WERNER RUDHADT