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Nova musa
Jeanne Moreau em "Jules e Jim – uma Mulher para Dois", de Truffaut: triângulo amoroso narrado com inventividade

O Festival de Cannes, na França, é o evento cinematográfico mais importante do mundo e em sua mais recente edição consagrou o filme "A fita Branca", do diretor austríaco Michael Haneke. Devido à sua Palma de Ouro, o longa-metragem será exibido no mundo inteiro. Tratase de um feito pequeno demais quando comparado ao que se passou nesse mesmo festival em maio de 1959.

Naquele ano, o prêmio máximo foi dado a um filme produzido com pouco dinheiro, em preto e branco e com atores desconhecidos. Seu diretor era um estreante e tinha apenas 28 anos. Mas a história narrada, sobre um garoto mal-amado pelos pais, revolucionou o cinema mundial. Estamos falando do cineasta francês François Truffaut e do clássico "Os Incompreendidos" – e os dois entraram para a história porque, a partir daquele dia, passou a existir um movimento chamado nouvelle vague. Nascida nas páginas da revista Cahiers du Cinéma, essa "nova onda" reunia jovens diretores que praticavam a crítica de filmes e seu ideário poderia ser resumido pela frase de Jean-Luc Godard, o integrante mais polêmico do grupo, autor de "Acossado": "O cinema é a verdade a 24 quadros por segundo."

Sob esse lema, que condenava as superproduções afetadas, feitas em estúdio e com diálogos literários, os jovens cineastas parisienses partiam com suas câmeras para as ruas, onde filmavam pessoas comuns em seu cotidiano banal. Era essa a revolução. Passados 50 anos e depois de a própria porta- voz do movimento, a revista Cahiers du Cinéma ter sido vendida, o que resta da nouvelle vague? Resta a chama, sempre renovada. É esse o pensamento do diretor Walter Salles, autor de "Linha de Passe": "Toda vez que um jovem realizador empunha uma câmera digital ou de 16 mm e reinventa uma forma de narrar uma história, ele está continuando a revolução da nouvelle vague." Segundo Salles, não haveria hoje diretores como o chinês Jia Zangke e o argentino Pablo Trapero ou a nova geração de artistas romenos sem as conquistas daquele movimento.

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REBELDIA Jean-Pierre Léaud em "Os Incomprendidos", filme premiado em Cannes

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CASAL MODERNO Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg em "Acossado"

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MEMÓRIA Emmanuelle Riva e Eiji Okada em "Hiroshima, meu Amor"

E quais foram essas conquistas? A primeira era de ordem técnica. Foi a partir do final dos anos 50 que inventaram negativos mais sensíveis, câmeras mais leves e gravadores de som direto. Mas isso não significaria nada sem uma autêntica vontade criadora. "A nouvelle vague foi um sopro de ar fresco, a câmera na mão, os filmes Tri-X e o Illford que o fotógrafo Raul Coutard usou em "Acossado", o corte descontínuo e, acima de tudo, um desejo de romper com uma temática e uma gramática que não diziam mais nada a toda uma jovem geração de cinéfilos e cineastas franceses", diz Salles.

Aparece aqui outra conquista daquele movimento, a chamada autoria: mesmo sendo fruto de uma atividade coletiva, um filme deveria ser a expressão de uma mente criativa, ou seja, a do próprio diretor. Expressão essa flagrante em obras como "Jules e Jim – uma Mulher para Dois", que narra um triângulo amoroso durante a Primeira Guerra Mundial, ou em "Hiroshima, meu Amor", de Alain Resnais, sobre uma mulher francesa que se apaixona por um arquiteto japonês e se vê confrontada com as memórias de seu amor por um soldado nazista. "Essa ideia de autoria, de um cinema com personalidade, continua valendo.

Mas não deve ser contraposta ao cinema comercial. A própria nouvelle vague foi um sucesso de público", diz o cineasta Karim Ainouz, de "O Céu de Suely".

Talvez por isso, sempre que um grupo de jovens filma com esse espírito a realidade à sua volta, logo se diz que ele inventou um "novo cinema", ou seja, uma "nouvelle vague".