A dona-de-casa catarinense Denise Bortolin tem um medo: as três irmãs e a mãe tiveram câncer de mama, o que pode significar uma tendência hereditária de desenvolvimento da doença. Aos 59 anos, ela quer fazer um exame genético para saber dos riscos que corre. Caso seja portadora de genes relacionados ao tumor, poderá tomar medidas preventivas, como a retirada das mamas para minimizar a possibilidade de a enfermidade surgir. Mas seu plano de saúde recusou-se a arcar com os custos. "Não tenho condições de pagar R$ 16 mil pelo exame", lamenta.

A razão do preço alto é simples: a maioria dos laboratórios brasileiros envia o teste para os EUA, onde a empresa Myriad Genetics detém a patente dos genes associados aos tumores de câncer de mama e de ovário, controlando todo tipo de pesquisa, tecnologia e uso comercial relacionado a eles. Uma ação judicial em uma corte federal de Nova York pode acabar com o monopólio. Ela questiona os limites da propriedade intelectual sobre o DNA humano. "Os genes são produtos da natureza, que não podem ser patenteados", afirma a advogada Sandra Park, da União Americana pelas Liberdades Civis, organizadora da ação.

Os autores do processo, primeiro do tipo em um tribunal americano, são pacientes, geneticistas e ativistas, além de organizações médicas com mais de 100 mil integrantes. O grupo pede a invalidação de sete patentes relacionadas aos genes BRCA1 e BRCA2, cujas mutações podem causar o câncer de mama e de ovário. Há mais de uma década, o Escritório de Patentes e Marcas dos EUA concedeu a patente à Myriad, seguindo o entendimento de que a proteção intelectual incentiva investimentos na pesquisa. Mas, para os autores do processo, ela impede o aprimoramento tecnológico e mantém elevados os preços dos exames, por falta de competição.

Além disso, reduz as opções dos pacientes. Diagnosticada com câncer de mama três anos atrás, a americana Genae Girard, 39 anos, uma das autoras da ação, descobriu pelo teste da Myriad que sua doença estava associada aos genes. Antes de tomar medidas contra uma eventual volta do tumor nas mamas ou seu surgimento no ovário, ela quer confirmar o resultado em outro laboratório – o que não foi possível devido ao monopólio da Myriad. "Uma segunda opinião é importante para decidir se faço uma dupla mastectomia e retiro os ovários", explicou à ISTOÉ.

A patente obtida nos EUA só tem validade em território americano, mas outros países da Europa, além de Canadá e Austrália, também adotam a prática. A legislação brasileira não permite o patenteamento de genes naturais: "Somente o de micro-organismos geneticamente modificados", explica Jorge Ávila, presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Mas, segundo especialistas, a proteção concedida nos EUA afeta, ainda que indiretamente, o Brasil. "Temos medo de fazer o teste aqui e enfrentar problema com a patente", diz Saulo Raskin, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica.

Por causa do temor, poucos laboratórios oferecem o teste aqui. Uma quebra da patente nos EUA poderia popularizar os testes diagnósticos. "Diversos laboratórios passariam a fazer o teste, melhorando a qualidade e baixando o preço", diz o geneticista José Cláudio Casali, pesquisador do Instituto Nacional de Câncer.