Cicatriz Detalhe da trinca na igreja de São Francisco, em Minas

A sensação é a mesma de quem olha para a Torre de Pisa: a de que a edificação vai cair a qualquer momento. Só que, diferentemente do charme conferido ao cartão-postal italiano, a inclinação evidente da Igreja Nossa Senhora do Rosário, no distrito de Santa Rita Durão, em Mariana, Minas Gerais, é um terrível pedido de socorro. "Ela está torta, tombando por falta de cuidado", confirma o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Histórico, Cultural e Turístico de Minas, a única desse tipo existente no País. Exemplar típico do barroco do século XVIII, o monumento é rico em decoração, possui retábulos, púlpitos e forros com pintura decorativa e douramento e abriga obras de artistas como Manuel da Costa Ataíde e Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que dividem espaço com esculturas comprometidas por infiltrações e cupins.

Na sexta-feira 19, um laudo assinado pela gerente de ação preventiva Alessandra Deoti, do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), foi enviado ao MP pedindo um diagnóstico preciso de um especialista sobre a estrutura da edificação. Dois caminhos deverão se apresentar à Nossa Senhora do Rosário, tombada desde 1945: ser escorada ou se tornar a 11ª igreja interditada em Minas Gerais, segundo dados do MP. Trata-se de uma lista que só cresce.


Há 40 templos religiosos notificados por conta de irregularidades pelo Corpo de Bombeiros e outros dez multados. "Cerca de 80% das igrejas não têm projeto de prevenção e combate a incêndio e pânico nem contam com mecanismos de segurança como câmeras e alarmes", aponta o promotor Miranda.

Assim como ocorreu com a Nossa Senhora do Rosário, outras três igrejas mineiras serão radiografadas por um conjunto de órgãos formados pelo MP, institutos do patrimônio histórico e artístico estadual (Iepha) e federal (Iphan), Corpo de Bombeiros, Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), polícias civil e militar, prefeituras e a própria igreja católica, representada pelas arquidioceses. Elas serão beneficiadas por um programa inédito no País, criado recentemente, o Igrejas Seguras. Premiado na Europa, ele prevê uma ação conjunta no combate à degradação das construções e aos furtos e roubos de imagens e objetos sacros. Em dois anos, espera-se que os quatro monumentos arquitetônicos sejam devolvidos ao público restaurados – somente os reparos na Nossa Senhora do Rosário devem custar R$ 1 milhão – para que outros façam parte do projeto.
Torta Construída no século XVIII, a Igreja Nossa Senhora do Rosário está tombando

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Torta Construída no século XVIII, a Igreja Nossa Senhora do Rosário está tombando

As cidades do Rio de Janeiro, com pelo menos quatro igrejas interditadas, Salvador, com duas, e São Paulo, com uma, não estão livres da deterioração do patrimônio cultural (leia quadro). Mas é em Minas, que tem preciosidades como a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência (Ouro Preto), escolhida na semana passada uma das sete maravilhas portuguesas, que a casa do Senhor mais sofre. Na mesma Ouro Preto, aponta o professor Norivaldo dos Anjos, chefe do Departamento de Biologia Animal da Universidade Federal de Viçosa (UFV), 100% dos monumentos estão comprometidos por conta da ação de cupins e carunchos. Especialista em manejo de pragas florestais, ele estudou as condições de cerca de 100 igrejas históricas em todo o País. Em Ouro Preto fez o mesmo, acompanhado de alunos da Fundação de Arte (Faop) da cidade, nos últimos dois anos. "Se não for feito nada já, em 30 anos toda essa história se perderá", prevê Dos Anjos. Ele completa: "Salvador, São Luís, Olinda, o Recife antigo e Diamantina sofrem do mesmo mal."

Restaurar um bem histórico, apenas, não resolve o problema. Criar formas de sustentabilidade que proporcionem renda para quem o administra é imprescindível em um cenário no qual autoridades cobram mais participação da Igreja, ao mesmo tempo que religiosos reclamam do Estado ou se comportam como meros beneficiários de recursos públicos e privados. Há saídas interessantes, como os espetáculos de som e luz – comuns em cartões-postais como as Pirâmides do Egito e o Palácio de Versalhes. São apresentações por meio de efeitos sonoros, iluminação e sombras que contam a história de um templo, ao custo de uma pequena taxa. No Brasil, elas têm ajudado algumas igrejas, como a Nossa Senhora do Carmo, no Rio, a São Francisco de Assis, em Salvador, e a Matriz de Santo Antônio, em Tiradentes, a caminhar cada vez mais com as próprias pernas.

Em Mariana, onde a segunda maior igreja da cidade, a São Francisco de Assis, passou dois meses interditada – inclusive na Sexta-Feira Santa – até ser reaberta no mês passado, o prefeito tem o mesmo pensamento. Para Roque Camello, o patrimônio cultural só será preservado se passar a ser considerado não apenas como fonte de brasilidade, mas também de renda e de trabalho. "As cidades históricas têm de ser transformadas em centros de turismo, que é uma vertente econômica", diz ele. Enquanto o futuro não se apresenta, Mariana busca soluções. Trinta e oito câmeras foram instaladas, desde o ano passado, no centro histórico, o que derrubou a incidência de roubos e furtos em 37%. Um perito, requisitado pela promotoria da cidade, tem avaliado o estado de mais de uma dezena de igrejas da região. Mas as primeiras impressões não foram nada boas. "A Igreja de São Francisco não corre risco de cair, mas precisa de reformas", diz Adriano Martins Moreira, engenheiro de segurança do trabalho e professor do Instituto Federal de Minas Gerais. Além do deslocamento da estrutura do Arco do Cruzeiro, de infiltrações no forro do consistório e na capela do santuário, o acúmulo de materiais inflamáveis e a fragilidade de redes elétricas compõem um cenário do qual até Deus duvida, mas que parece cada vez mais fazer parte da rotina litúrgica brasileira.

Outras igrejas ameaçadas

Nossa Senhora da Boa Viagem (BA)
Três colunas de sustentação rachadas provocaram sua interdição em 2007. Há um ano, foi reaberta graças a uma obra provisória, mas precisa de uma solução definitiva

Nossa Senhora da Boa Viagem (RJ)
Está interditada há um ano e meio. O telhado precisa ser trocado e a estrutura, reformada com urgência, pois corre risco de ruir, segundo o Iphan


greja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco (SP)
Está fechada desde janeiro de 2008. Telhas estão sendo substituídas e a nave principal está escorada. Precisa ser descupinizada

 


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